Mapa do Brasil com estados que formam Matopiba destacados.

Já ouviu falar em Matopiba?

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O termo ‘’Matopiba’’ pode não soar familiar para todos, mas ele carrega consigo o peso de uma região que é considerada o novo celeiro do Brasil. Abrangendo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, o Matopiba surge como um gigante adormecido da agricultura nacional, despertando interesse e debates sobre seu futuro.

Neste território, onde o Cerrado predomina, a terra fértil e o clima favorável têm atraído olhares de agricultores e investidores. No entanto, o crescimento acelerado traz consigo desafios significativos: sustentabilidade ambiental e equidade social estão no centro das discussões sobre o Matopiba.

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Como surgiu a região do Matopiba?

Abrangendo quatro estados brasileiros — Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — o Matopiba ganhou destaque a partir da segunda metade da década de 1980. Dominada pelo bioma do Cerrado, que cobre 91% da sua área, a região se tornou atrativa pelos preços acessíveis das terras. A expansão agrícola ocorreu principalmente em áreas subutilizadas, valorizando as pastagens existentes.

A região ganhou projeção após a Embrapa implementar técnicas agrícolas como a calagem, que tornaram as terras mais propícias para o cultivo e criação de gado. Assim, o Matopiba, antes semelhante ao Centro-Oeste pré-revolução verde, passou a florescer com novas oportunidades de cultivo.

Com uma topografia plana e clima tropical-semiúmido, que garante a produção durante todo o ano, o Matopiba consolidou-se como uma força emergente na expansão agrícola. Esses fatores transformaram a região em um centro de atração para produtores, ampliando a fronteira agrícola brasileira.

Embora a expansão tenha começado na década de 1980, foi apenas em 2015 que o Matopiba foi oficialmente reconhecido por decreto presidencial. Atualmente, a região abriga seis milhões de habitantes e se estende por 73 milhões de hectares, incluindo 337 municípios e 31 microrregiões, com 35 milhões de hectares aptos para a agricultura.

O Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE) da Embrapa destaca que o Matopiba possui 324 mil propriedades agrícolas. A região também é rica em biodiversidade, com áreas de conservação, territórios indígenas, comunidades quilombolas e assentamentos de reforma agrária.

Produção agrícola no Matopiba

O agronegócio é o principal motor de crescimento econômico do Matopiba, com sua produção agrícola sendo marcada por grãos como soja, milho e algodão, que representam cerca de 12% da produção nacional, totalizando 18,5 milhões de toneladas em 2023.

Projeções da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e da Embrapa indicam um aumento de 37% na produção até 2034, alcançando uma safra de 48 milhões de toneladas, impulsionada por melhorias na produtividade.

A produção agrícola varia conforme as condições de cada estado. Na Bahia, por exemplo, há uma clara divisão: o vale é caracterizado por cultivos tradicionais da agricultura familiar, como feijão, arroz e mandioca, enquanto o Cerrado se destaca pela produção de milho, soja, café e, notavelmente, algodão. Este último coloca a Bahia como o segundo maior produtor de algodão no Brasil, atrás apenas do Mato Grosso.

Produção familiar no Matopiba

Embora a agricultura familiar não tenha o mesmo desempenho da agroindústria em cultivos como soja, feijão e milho (responsável por 9% e 12% da produção total da região, respectivamente), ela se destaca no cultivo de produtos essenciais para o desenvolvimento regional, como leite, café e frutas. Essa diferença de desempenho é, em grande parte, atribuída à menor escala produtiva e ao acesso limitado a tecnologias.

Dados do Ministério da Agricultura mostram que a pequena produção desempenha um papel crucial, respondendo por 51% da produção de carne suína e 46% da de frango. As lavouras de fumo são quase exclusivamente familiares, representando 94% da produção, e o cultivo de mandioca também é dominado pela agricultura familiar, com 70% da produção total.

Matopiba: o preço oculto do boom agrícola

Apesar do crescimento econômico, a expansão agrícola no Matopiba tem gerado conflitos políticos e ambientais, afetando tanto a população local, quanto a sociedade em geral. Os principais problemas são: uso excessivo de agrotóxicos, insegurança hídrica, desapropriação de terras, pobreza e destruição do Cerrado.

Imagem do desmatamento na região de Matopiba.
Desmatamento do Cerrado tem avançado na região do Matopiba. Imagem: Ibama.

Uso excessivo de agrotóxicos e contaminação

O uso indiscriminado de agrotóxicos traz prejuízos diretos aos habitantes locais. A pulverização aérea, embora proibida próxima a comunidades, é uma prática comum perto de fontes de água, devido à falta de fiscalização. A contaminação fluvial compromete tanto a água para consumo humano, quanto a fauna e flora locais, agravando o fenômeno da biomagnificação.

A biomagnificação é o processo pelo qual compostos químicos se acumulam e intensificam-se nos seres vivos ao longo da cadeia alimentar. Assim, um organismo contaminado transfere essas substâncias tóxicas adiante na cadeia alimentar.

Insegurança hídrica

O aumento do consumo de água para a irrigação de grandes monoculturas também põe em risco a segurança hídrica da população do Matopiba. A irrigação por pivô central, principal meio utilizado na região, é reconhecido como um dos mais ineficientes, devido ao grande consumo e desperdício de água.

Em paralelo, a intensificação do desmatamento na região do Matopiba, que abrange o Cerrado, também ameaça a segurança hídrica de todos os municípios da região. Isso acontece porque a destruição das áreas verdes no Matopiba prejudica a absorção de água pelo solo, essencial para manter rios e aquíferos. A falta de vegetação desregula o ciclo de chuvas, podendo reduzir as precipitações e aumentar a chance de escassez de água.

Dados do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD Cerrado) indicam que, no último ano, mais de 70% do desmatamento ocorreu nas bacias dos rios Tocantins, São Francisco, Parnaíba, Itapecuru e Araguaia, comprometendo seriamente os recursos hídricos da nova fronteira agrícola.

Grileiros e desapropriação de terras

Desde 2005, a região do Matopiba tem atraído cada vez mais o interesse de empresas e investidores, impulsionados pelo “boom” das commodities e pela busca de novas áreas para a expansão agrícola. No entanto, esse movimento trouxe não apenas oportunidades econômicas, mas também sérios desafios sociais, como o aumento da grilagem de terras — um crime caracterizado pela apropriação ilegal de territórios por meio da falsificação de documentos.

De acordo com Monalisa Lustosa, mestranda em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe, a prática ilegal da grilagem afeta profundamente as comunidades locais. Há relatos de indivíduos e grupos que reivindicam propriedades de forma indevida, coagindo famílias que há gerações habitam essas terras a abandonarem seus lares.

Esse processo tem sido acelerado por empresas e fundos de investimento internacionais, cujas estratégias de financiamento e compra de terras incentivam a especulação financeira na região. Essa especulação agrava ainda mais a situação, limitando a capacidade das comunidades locais de preservar seus costumes e modos de vida.

Como consequência, os povos tradicionais do Matopiba enfrentam uma crescente dificuldade para adquirir e manter suas terras, afetando diretamente seu sustento e perpetuando um ciclo de exclusão e insegurança fundiária.

Perpetuação da pobreza

Apesar de ser uma das regiões mais importantes para a composição do PIB brasileiro e de ter apresentado um elevado crescimento econômico nos últimos anos, a distribuição de renda no Matopiba continua bastante desigual. Segundo um informativo técnico do Núcleo de Sistemas Agrícolas da Embrapa Pesca e Aquicultura, publicado em 2017, a renda per capita da região é de R$ 13.269,33, um valor inferior à média do Nordeste, que é de R$ 14.329,12, resultando em uma renda mensal média de apenas R$ 1.105,78.

Embora tenham ocorrido avanços desde a década de 1990, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Matopiba ainda reflete desigualdades marcantes. Em 2000, 88,5% dos municípios apresentavam IDHM muito baixo (entre 0 e 0,499). Mesmo após 2010, com políticas de transferência de renda e o crescimento econômico, muitos municípios ainda registram índices baixos (entre 0,5 e 0,599), destacando a persistência de desafios sociais significativos na região.

Impacto no Cerrado

Com a expansão agrícola, o Cerrado tem enfrentado uma destruição acelerada. Em 2023, o bioma superou a Amazônia em desmatamento pela primeira vez desde 2019, quando o monitoramento do MapBiomas Alerta começou.

O Cerrado foi responsável por 61% do desmatamento no Brasil, enquanto a Amazônia registrou 25%. Mais de um milhão de hectares de vegetação nativa foram perdidos no Cerrado, representando um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Quase todo esse desmatamento (97%) foi causado pela expansão da agropecuária.

A região do Matopiba, sozinha, foi responsável por quase 47% da perda de vegetação no país, com cerca de 859 mil hectares devastados. Esses números alarmantes refletem a pressão intensa sobre o segundo maior bioma do Brasil.

Indígenas protestando sobre Matopiba. Imagem: Helen Lopes.

É importante destacar que a devastação do Cerrado tem consequências profundas para o equilíbrio hídrico do Brasil, já que as nascentes das três maiores bacias hidrográficas do país — a Amazônica, a do São Francisco e a Platina — estão localizadas nesse bioma.

Matopiba: equilíbrio e futuro sustentável

Em busca de um equilíbrio que promova o crescimento econômico sem comprometer o patrimônio natural e social, o Matopiba encontra-se em um momento decisivo. Embora seja um motor de desenvolvimento agrícola, a região enfrenta o desafio de se tornar um exemplo de sustentabilidade. A preservação do Cerrado, um bioma essencial para a biodiversidade e o equilíbrio hídrico do Brasil, é necessária para alcançar esse objetivo.

Para que o Matopiba prospere sem prejudicar suas bases naturais, é preciso estabelecer um compromisso coletivo com práticas agrícolas sustentáveis, uma fiscalização rigorosa e uma abordagem de desenvolvimento que respeite os limites impostos pela natureza. O caminho para um futuro mais sustentável está diante da região, que tem o potencial de liderar essa transformação, convertendo desafios em oportunidades e garantindo prosperidade compartilhada e duradoura.

E aí, gostou de saber mais sobre o Matopiba? Restou alguma dúvida? Se sim, deixe seus comentários!

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Conteúdo escrito por:
Cearense, vivendo em terras potiguares há quase uma década, sou graduado em Direito pela Universidade Potiguar e estou cursando Jornalismo na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Tenho como hobby ler e estudar sobre história e política brasileira. Desde criança, sempre fui apaixonado pelo jornalismo e pelo seu poder de melhorar o mundo ao nosso redor.
Cabó, Carlos. Já ouviu falar em Matopiba?. Politize!, 15 de outubro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/matopiba/.
Acesso em: 21 de nov, 2024.

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