Quando pensamos em democracia no Brasil, geralmente imaginamos os três poderes e a atuação de deputados e senadores debatendo projetos de lei ou PECs em uma câmara, seguindo o modelo tradicional que conhecemos, no qual um único parlamentar toma as decisões. No entanto, esse cenário vem mudando ao longo do tempo com a proposta de mandato coletivo, que sugere uma nova forma de representação política.
Quer entender como o mandato coletivo funciona no Brasil? Continue neste texto da Politize! para saber mais sobre este tema.
O que é um mandato coletivo?
Uma das motivações para o surgimento dos mandatos coletivos está na atual crise de representatividade. Fatores como a corrupção e a divergência entre os valores morais dos políticos e os que a sociedade defende geram falta de confiança na democracia, autores e estudiosos no campo da ciência política apontam como isso como um problema grave, isso tem resultado em um aumento da abstenção eleitoral e na diminuição do engajamento cidadão pelo voto, à medida que muitos eleitores perdem a esperança no sistema político tradicional.
O mandato coletivo surgiu como uma alternativa para restaurar essa confiança e aproximar a política das reais demandas da população.
Uma forma de repensar o exercício do poder é por meio do mandato coletivo, onde o voto em uma única pessoa resulta na eleição de um grupo com objetivos comuns que se candidata ao cargo legislativo.
A proposta busca despersonalizar a figura do parlamentar, promovendo uma atuação compartilhada. Embora apenas o nome de uma pessoa apareça na urna eletrônica, conforme as normas do TSE que exigem o registro individual da candidatura, as decisões no exercício do mandato são tomadas coletivamente, caso o candidato seja eleito. Nesse modelo, não há um único parlamentar, mas sim co-parlamentares que atuam em conjunto, com o número de integrantes variando conforme o partido.
Por ser uma abordagem alternativa de tomada de decisões, é natural que certas pautas e temas gerem opiniões divergentes dentro do grupo eleito. Atualmente, não existem normas ou regras específicas para regulamentar ou mediar o funcionamento de um mandato coletivo, o que pode gerar desafios na condução das discussões.
O principal objetivo do mandato coletivo é justamente abraçar a pluralidade de ideias e opiniões. O primeiro mandato coletivo no Brasil foi o de Durval Ângelo, quando foi eleito deputado estadual em Minas Gerais, em 1994, pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Desde então, outros mandatos coletivos surgiram e conquistaram espaço, refletindo essa forma diferenciada de representação política.
Argumentos favoráveis ao mandato coletivo
O mandato coletivo, como o próprio nome sugere, descentraliza o foco em uma única pessoa, com as decisões sendo tomadas de forma conjunta. Vale destacar alguns aspectos: financeiramente, uma candidatura coletiva tende a gerar menos gastos do que uma candidatura individual, segundo pesquisas realizadas em 2022 por pesquisadores que estudam eleições e comportamento político. Isso pode parecer contraditório à primeira vista, já que se o custo com um candidato individual é elevado, poderia-se imaginar que ele aumentaria com mais pessoas envolvidas.
No entanto, ao contrário do mandato individual, o mandato coletivo se beneficia de um financiamento distribuído entre os membros de um conselho político, partido, ou até mesmo de doações e arrecadações de apoiadores, o que torna a campanha de menor custo. Um exemplo disso foi observado nas eleições de 2008 em Franco da Rocha e Limeira, no estado de São Paulo, onde candidaturas coletivas para o cargo de vereador apresentaram gastos menores em comparação aos mandatos individuais.
“Com 91.206 eleitores, o custo total da campanha do Mandato Individual foi superior a 43 mil reais, e recebeu 586 votos, o que faz o custo por eleitor igual a R$ 0,47 e R$ 73,82 por voto; o Mandato Coletivo abrangeu 201.368 eleitores, teve custo total superior a 10 mil reais, obteve 2.020 votos com média de R$ 0,052 por eleitor e R$5,18 por voto recebido. ” Trecho tirado de um artigo acadêmico, a partir de uma pesquisa sobre mandato coletivo e orçamento.
Além de reduzir os gastos, o mandato coletivo também pode ajudar a combater o nepotismo, já que as decisões sobre a composição do gabinete e a assessoria parlamentar tendem a ser mais criteriosas e baseadas em competência, e não apenas em vínculos familiares. Isso abre espaço para que profissionais mais qualificados assumam funções importantes na política, promovendo uma gestão mais eficiente e livre de práticas nepotistas.
Argumentos contrários ao mandato coletivo
Embora o mandato coletivo seja uma forma de incentivar a participação ativa na democracia e descentralizar o poder, ele também apresenta desafios. Um dos principais problemas é o risco de conflitos internos, com muitas pessoas opinando e tomando decisões.
Como não há regulamentação específica na Constituição para o mandato coletivo, o principal argumento contra esse modelo é que, no final, apenas uma pessoa estará presente nas assembleias legislativas e nas votações de PECs ou outros projetos de lei.
A falta de consenso dentro do grupo pode enfraquecer o mandato coletivo, especialmente se as decisões tomadas em conjunto não forem respeitadas, comprometendo o sucesso da iniciativa. Além disso, não existe um limite máximo de pessoas em uma candidatura coletiva, o que pode gerar dificuldades organizacionais e prejudicar a coesão do grupo.
Se cada membro do coletivo priorizar uma pauta diferente, isso pode diluir a mensagem e os objetivos do mandato, criando uma descentralização excessiva. Para evitar esses problemas, é fundamental que sejam criadas leis e diretrizes que estabeleçam claramente as condições para o funcionamento e a tomada de decisões em mandatos coletivos, garantindo sua eficácia e coesão.
A expansão do mandato coletivo pelo Brasil
Embora existam pontos favoráveis e contrários, as candidaturas coletivas têm se multiplicado durante os períodos eleitorais, e a expectativa é que esse novo modelo de representação ganhe cada vez mais força. Segundo dados, nas eleições de 2022 foram registradas mais de 215 candidaturas coletivas em todo o Brasil, mas menos de 10 foram eleitas. Em São Paulo, apenas duas venceram: Paula Nunes, da “Bancada Feminista” e Monica Seixas, do “Movimento Pretas“, ambas para cargos estaduais.
Em Brasília, houve nove candidaturas coletivas registradas em 2022, um número ainda pequeno. Em 2018, apenas uma candidatura coletiva foi registrada, o Mandato Coletivo do Bem Viver, mas nenhuma foi eleita em ambas as eleições.
Um destaque em 2023 foi o coletivo Pretas Juntas, de Recife, que assumiu o primeiro mandato coletivo estadual composto inteiramente por mulheres negras, marcando um importante avanço na diversidade da representação política.
O mandato coletivo é, sem dúvida, um tema que divide opiniões, mas sua relevância no debate político está em crescimento.
E você, o que acha desse modelo de representação? Deixe sua opinião nos comentários!
Referências:
- CNN Brasil – Apenas duas de mais de 200 candidaturas coletivas foram eleitas no Brasil
- Folha de Pernambuco – Pretas Juntas assumem cadeira na Câmara de Vereadores do Recife
- G1 (Globo) Mandato coletivo: veja como funciona a união de pessoas em uma candidatura
- MAGARIAN, B. R. A.. Os mandatos coletivos no Brasil à luz do conceito de institutional by-pass. Revista de Sociologia e Política, v. 31, p. e003, 2023
- NASCIMENTO, C. E. G. . CRISE DA REPRESENTATIVIDADE E O MANDATO COLETIVO COMO UMA AFIRMAÇÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO BRASIL. Boletim de Conjuntura (BOCA), Boa Vista, v. 5, n. 13, p. 94–115
- VIEIRA, R. A. da C. de A.; CROZATTI, J.; RIBEIRO, M. S. Mandato coletivo vs mandato individual: análise de custos em campanhas eleitorais para o fortalecimento da democracia brasileira. Anais do Congresso Brasileiro de Custos – ABC.
- https://www.poder360.com.br/poder-eleicoes/eleicoes/candidaturas-coletivas-buscam-ampliar-representacao-no-legislativo/