Você já ouviu falar em gentrificação? É um processo de transformação que ocorre em determinados bairros, alterando completamente sua atmosfera e estilo de vida.
Vamos explorar juntos como isso acontece e como afeta a comunidade local. Venha descobrir como essas mudanças podem moldar a paisagem urbana e influenciar a vida das pessoas!
O que é gentrificação e como ela afeta as áreas urbanas?
O processo de gentrificação ocorre em áreas urbanas onde os moradores antigos são forçados a deixar suas casas devido ao aumento do custo de vida e dos preços dos imóveis.
Esse fenômeno resulta em desigualdade e segregação socioespacial. Muitas vezes, está associado a grandes investimentos em infraestrutura urbana na região, como a criação de áreas de lazer e melhorias em ruas e calçadas, frequentemente impulsionados pela especulação imobiliária.
Este termo tem ganhado destaque, especialmente no meio acadêmico e nos debates políticos sobre o direito à cidade. No entanto, seu uso ainda gera divergências entre ativistas políticos e intelectuais
Enquanto alguns autores destacam benefícios econômicos, outros enfatizam os impactos sociais negativos, como a marginalização e exclusão de comunidades. Em sua maioria os autores defendem que a gentrificação causa processos negativos de exclusão social.
David Harvey, em “Rebel Cities”, critica a gentrificação como uma expressão do capitalismo urbano, agravando a desigualdade social ao mercantilizar as cidades. Tom Slater, em “Gentrification of the City”, reforça essa visão, descrevendo o fenômeno como uma forma de violência urbana que expulsa e marginaliza comunidades vulneráveis.
Os autores que defendem a gentrificação, como Edward Glaeser e Sharon Zukin, apresentam argumentos sobre seus impactos econômicos positivos.
Glaeser afirma que a gentrificação eleva o valor das propriedades e impulsiona o desenvolvimento econômico, revitalizando bairros. Zukin complementa, destacando a melhoria na oferta de serviços, embora alerte para o deslocamento de moradores.
Origem do termo
O termo gentrificação, originado de “gentrification” (derivado de gentry, que significa ‘pequena nobreza’), foi introduzido pela filósofa Ruth Glass em seu livro “London: Aspects of change” de 1964, para descrever as mudanças em bairros operários de Londres. Desde então, tem sido usado em estudos e debates sobre desigualdade e segregação urbanas.
Esse termo é utilizado para descrever as transformações nas paisagens urbanas, principalmente em áreas antigas ou operárias da cidade, que antes estavam em declínio físico e passam a atrair moradores com maior renda. Esses novos moradores são chamados de gentrificadores.
Como funciona o processo de gentrificação
O processo de gentrificação está relacionado a um significativo investimento estatal em uma determinada região. Esse investimento inclui obras para melhorar a infraestrutura urbana, como a expansão do transporte público, a chegada do metrô, a pavimentação de ruas, a duplicação de avenidas e melhorias nas calçadas, entre outras.
Além disso, a criação de novas áreas de lazer, praças e parques passa a ocorrer em locais que antes eram abandonados. O aumento de investimentos em segurança pública também se faz presente durante esse processo, com a implementação de bases policiais e o aumento no número de rondas.
Essas melhorias elevam o custo de vida dessas regiões, forçando os antigos moradores de baixa renda a se deslocarem para áreas mais distantes e periféricas das cidades. Por outro lado, essas áreas passam a atrair o interesse de grandes empreiteiras e imobiliárias, e passa a ser habitada pelas classes médias.
Para saber mais sobre especulação imobiliaria, acesse: Explorando a especulação imobiliária e seu impacto nas cidades
Esses investimentos públicos, em muitos casos, estão vinculados aos interesses do capital privado, especialmente do mercado imobiliário. Em áreas que passam por processo de gentrificação, é notável a construção de diversos prédios e complexos de condomínios (Davidson e Lees, 2005).
Consequências da gentrificação
A gentrificação resulta em várias consequências negativas, principalmente o deslocamento de moradores de baixa renda.
Com o aumento dos preços de moradia e o custo de vida nas áreas afetadas, muitas famílias são forçadas a se mudar para regiões mais periféricas e menos desenvolvidas, onde a infraestrutura e os serviços públicos são frequentemente insuficientes.
Esse deslocamento pode causar uma fragmentação das comunidades estabelecidas, enfraquecendo laços sociais e culturais importantes.
Além disso, a gentrificação pode agravar a desigualdade social e econômica. Os benefícios econômicos gerados pelo desenvolvimento urbano, como novas oportunidades de emprego e aumento do valor dos imóveis, são, na maioria das vezes, aproveitados pelos novos moradores e investidores.
Essa dinâmica muitas vezes resulta em um ambiente de exclusão, onde os moradores originais são marginalizados e têm menos acesso aos recursos e benefícios que deveriam ser compartilhados por toda a comunidade.
Entenda o que é segregação espacial com a Politize!: Segregação espacial: as desigualdades nas áreas urbanas
A diversidade cultural e histórica dos bairros também sofre com a gentrificação. A medida que novos empreendimentos e comércios substituem os estabelecimentos tradicionais, a identidade local pode se perder.
Bairros que antes eram únicos e vibrantes podem se tornar homogêneos e voltados para o consumo, apagando a riqueza cultural e histórica que define suas comunidades. Isso não só empobrece a experiência urbana, mas também pode resultar em uma perda significativa do patrimônio cultural (HARVEY, 2014).
Processo de gentrificação no Brasil
Tatuapé – São Paulo
A cidade de São Paulo é suscetível aos processos de gentrificação, caracterizada por sua potência econômica na América Latina. Concentrando os setores de negócios e financeiro, a cidade é marcada pela disputa por espaço no setor imobiliário.
A zona leste de São Paulo, conhecida por sua concentração industrial durante o século XX, perdeu esse protagonismo a partir da década de 1970, quando as atividades do terceiro setor começaram a ganhar destaque.
Para saber mais: Megacidades e cidades globais: entenda as diferenças
O bairro do Tatuapé era composto por uma zona industrial, que abrigava as classes baixas e médias da cidade. Outros bairros ao redor, como Anália Franco, Belém e Mooca, também sofreram significativas transformações socioespaciais ao longo dos anos.
Nos anos 1980, a zona leste já possuía um forte comércio local, com supermercados de bairro, bares e padarias.
A partir da década de 1990, começaram a ser construídos shoppings centers na região, como o Shopping Aricanduva (1991), Shopping Center Penha (1992) e Shopping Metrô Tatuapé (1997). A construção de shoppings contribuiu significativamente para a valorização imobiliária.
O Shopping Metrô Tatuapé foi estrategicamente construído ao lado do terminal de ônibus e metrô, na parte alta do bairro, próximo à Radial Leste.
Com 120 mil metros quadrados, sua localização foi vantajosa, pois a população do bairro tinha um poder aquisitivo um pouco maior em relação aos outros bairros da zona leste.
A partir dos anos 1980, o Tatuapé começou a se destacar devido ao crescimento de atividades comerciais e de serviços. Isso ocorreu pela disponibilidade de terrenos vazios, a expansão do mercado imobiliário e a demanda de quem já morava na região.
Entre 1985 e 1999, o Tatuapé atraiu muitos empreendimentos como shoppings, hipermercados, bancos, universidades, lojas de franquias, escritórios e hotéis.
Entre 2010 e 2020, o Tatuapé foi o bairro que mais cresceu em termos de área construída na cidade. Recebeu muitos novos edifícios e empreendimentos imobiliários, o que fez com que os preços dos serviços, aluguéis e imóveis aumentassem.
Diversos estabelecimentos passaram por um processo de melhorias, e o Tatuapé se tornou um dos bairros mais caros para se viver na Zona Leste.
Essa transformação atraiu principalmente a classe média alta e a classe alta para o bairro. Uma evidência dessa mudança é a “fama” que o Tatuapé adquiriu, sendo reconhecido como o “Morumbi da Zona Leste”.
Essa reputação reflete a valorização do bairro e o aumento dos preços de aluguéis em comparação aos bairros vizinhos.
Portanto, o Tatuapé passou por uma significativa transformação socioespacial nas últimas décadas. A região, antes predominantemente residencial e com terrenos vazios, se tornou um importante centro comercial e de serviços, atraindo um público com maior poder aquisitivo e elevando os preços na área.
Porto Maravilha – Rio de Janeiro
A cidade do Rio de Janeiro sempre passou e ainda passa por um intenso processo de modificações urbanas, motivadas por eventos importantes e pela sua inserção global como “cidade maravilhosa”.
Esses fatores, de maneira indireta, geram a necessidade de adaptações na infraestrutura urbana. O projeto de renovação urbana “Porto Maravilha” se destacou pela inovação nas políticas públicas urbanas, tornando-se um modelo para diversos projetos de redesenvolvimento urbano.
Desde o século XVIII, a área que hoje é o Porto Maravilha começou a receber investimentos, abrigando moradias e comércios indesejáveis na região central. A área também foi a origem de uma das famosas favelas cariocas, o Morro da Providência.
Em função dos megaeventos que a cidade iria sediar, como as Olimpíadas, iniciou-se uma articulação entre os governos federal, estadual e municipal para a revitalização dessa área.
O projeto Porto Maravilha contou com investimentos da iniciativa privada, resultando em quase nenhum custo para o poder público.
As áreas foram concedidas aos investidores, e a manutenção de estruturas como ciclovias, iluminação pública e sinalização ficou a cargo do setor privado.
As obras realizadas na região foram voltadas para o turismo e para atender às classes médias e altas urbanas.
Esse enfoque nas classes mais abastadas criou um corredor de valorização imobiliária e afastou os moradores originais da área. Apesar do desenvolvimento e modernização promovidos pelo projeto, houve críticas sobre a gentrificação e o impacto social negativo na comunidade local. Dessa forma, o Porto Maravilha exemplifica os desafios e consequências das políticas de renovação urbana em grandes cidades.
Bairro Recife – Pernambuco
A gentrificação no Bairro do Recife, localizado em Pernambuco, ocorreu de forma significativa entre as décadas de 1980 e 2010. Esse fenômeno envolveu a transformação urbana e social do bairro, impulsionada por diversos projetos de reabilitação e revitalização que visavam atrair investimentos e reconfigurar o espaço urbano.
A partir dos anos 1980, o Bairro do Recife passou por diversos planos de reabilitação e revitalização. Projetos como o Plano de Reabilitação do Bairro do Recife (1987), o Plano de Revitalização (1992) e o Porto Digital (2000) foram implementados com o objetivo de requalificar o espaço urbano.
Essas iniciativas queriam transformar o bairro em um centro de entretenimento, turismo e negócios, especialmente com a criação do Porto Digital, um parque tecnológico que atraiu empresas de tecnologia e inovação.
Com a chegada de novos investidores e a requalificação das áreas urbanas, os preços dos imóveis aumentaram. Essa valorização imobiliária provocou a expulsão de moradores originais de baixa renda, que não conseguiam arcar com os altos custos de moradia.
A população original do bairro, composta majoritariamente por famílias de baixa renda, foi gradualmente substituída por novos residentes de classes sociais mais altas, além de empreendedores e profissionais do setor tecnológico.
Essa substituição populacional mudou a dinâmica social do bairro, com a chegada de novos consumidores e a criação de espaços voltados para uma clientela mais abastada. A gentrificação também afetou os espaços públicos e a paisagem urbana do Bairro do Recife.
Os dilemas da gentrificação: revitalização e exclusão nas cidades
A gentrificação é um processo urbano complexo que revitaliza áreas, mas também acaba por provocar segregação socioespacial. As melhorias e novos investimentos atraem moradores mais ricos, mas os residentes de baixa renda são frequentemente deslocados.
Esse processo, ao revalorizar espaços urbanos, pode apagar identidades culturais e aumentar a segregação socioeconômica.
A análise dos exemplos no Brasil, como Tatuapé, Porto Maravilha e Bairro do Recife, revela padrões semelhantes de valorização imobiliária e deslocamento dos antigos moradores para regiões mais periféricas da cidade.
Apesar dos benefícios econômicos que o processo traz, como aumento do comércio e turismo, o custo social é alto, com a perda de diversidade cultural e fragmentação de comunidades estabelecidas.
Assim, a gentrificação deve ser discutida e abordada com cautela, considerando tanto os ganhos quanto as perdas que impõe às cidades e seus moradores.
Portanto, enquanto a gentrificação pode parecer uma solução para o desenvolvimento urbano, ela também levanta questões éticas e sociais importantes.
É fundamental que políticas públicas sejam elaboradas para mitigar os impactos negativos, protegendo os direitos dos moradores originais e preservando a identidade cultural dos bairros.
Somente assim, as cidades poderão se desenvolver de forma mais justa e inclusiva, atendendo às necessidades de todos os seus habitantes.
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Referências:
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- Explorando a especulação imobiliária e seu impacto nas cidades | Politize!
- O que é Gentrificação e por que você deveria se preocupar com isso – COURB
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