O enfrentamento a práticas de corrupção é desafio que acompanhou a história do Brasil e que continua impactando negativamente o desenvolvimento econômico e a reputação nacional. Diante de uma crescente indignação popular e uma série de escândalos, o governo foi pressionado a agir. Assim, foi promulgada a Lei Anticorrupção, uma medida legislativa crucial para combater práticas ilícitas entre o setor público e o ente jurídico.
Vamos compreender o que é essa Lei?
Contexto da Lei Anticorrupção
Com o escândalo do Mensalão (2005), os protestos em 2013 e o subsequente caso que ficaria conhecido como Petrolão, investigado pela Lava Jato (2014), cresceu uma onda de insatisfação popular diante dos atos corruptos protagonizados pelos políticos brasileiros daquela época.
Os protestos em 2013 trouxeram um avanço significativo para a sociedade de hoje. O que inicialmente começou com a insatisfação da sociedade no aumento de tarifas, não demorou muito para a sociedade ganhar força trazendo outras pautas relevantes ao protesto, como a insatisfação com a corrupção, com a falta de representatividade dos políticos eleitos e com os altos gastos públicos decorrentes da Copa do Mundo que aconteceria em 2014.
Alguns protestos ficam apenas no papel, em forma de boicote ou até como greve de fome, outros protestos avançam para um movimento social. Podemos definir um movimento social, como “esforços persistentes e intencionais para promover ou obstruir mudanças jurídicas e sociais de longo alcance, basicamente fora dos canais institucionais normais sancionados pelas autoridades” segundo define Jasper (2015) em seu livro intitulado “Protesto: uma introdução aos movimentos sociais”.
Nesse contexto de corrupção e com os movimentos sociais, somados com a pressão internacional, visto que o Brasil é signatário de diversas convenções internacionais que tinham disposições que o obrigava a ter um controle sob a corrupção que assolava o país, torna-se evidente a necessidade de ações por parte do governo para conter e eliminar as brechas que favorecem a corrupção, numa tentativa de resposta à sociedade.
Essa resposta vem através da Lei Anticorrupção.
O caminho da Lei
O projeto foi inicialmente apresentado à Câmara pelo Poder Executivo em 2010 sob o número de PL 6.826/2010. Após receber emendas e passar pelas comissões, o projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados e endereçado ao Senado no ano seguinte. Em 2013, após discutido no Senado, o projeto foi transformado na Lei Ordinária 12.846/2013.
Veja mais sobre a tramitação dos projetos de lei aqui.
Os movimentos de 2013 trouxeram urgência para a discussão do projeto no Congresso, numa tentativa do governo em tentar trazer algum tipo de resposta à sociedade.
A lei só entrou em vigor em janeiro de 2014 e não demorou muito para que fosse posta à prova no processo de investigação da Lava Jato que iniciou em março do mesmo ano. Veremos mais adiante sobre esse caso.
Entenda sobre a Lei Anticorrupção
A lei de número 12.846, de 1º de agosto de 2013, mais conhecida como Lei Anticorrupção, surge nesse cenário. Seu principal objetivo é responsabilizar pessoas jurídicas que pratiquem atos lesivos contra à administração pública, nacional ou estrangeira.
Essa lei chega para cobrir as lacunas da Lei 8.429/1992, chamada de Lei de Improbidade Administrativa, que era a responsável por punir empresas que praticavam atos ilícitos protagonizadas por detentores de cargos públicos, porém, algumas brechas permitiam uma má aplicação de sanções.
Vale ressaltar que a lei trata sobre responsabilidade objetiva, ou seja, não se analisa nem dolo e nem culpa. Se comprovado o ato lesivo, já se garante a possibilidade de responsabilização.
Além disso, o fato da pessoa jurídica ser responsabilizada não impede a responsabilização dos dirigentes da empresa, porém essa lei trata somente sobre a responsabilidade e sanções sobre a empresa.
Ok, mas o que uma empresa pode fazer para ser considerado um ato lesivo?
- Oferecer dinheiro ou benefício indevido a agente público, ou à alguém ligado a ele (como ocorreu no Mensalão);
- Financiar modos de práticas de atos ilícitos previsto na Lei;
- Utilizar de pessoa física ou jurídica para esconder seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários de atos praticados (por exemplo, Youssef utilizava de “laranjas” no Petrolão)
- Atrapalhar licitações e contratos (como ocorria com a Odebrecht);
- Dificultar a investigação de órgãos, entidades ou agentes públicos.
Sobre as Sanções Administrativas e Civis
A Lei dispõe de Sanções Administrativas e Civis, aplicáveis a pessoas jurídicas que cometerem os atos dolosos descritos acima.
Das sanções administrativas, temos:
- Multa (o valor irá depender da gravidade do caso); e
- Publicação extraordinária da decisão condenatória, ou seja, a empresa é obrigada a divulgar que ela cometeu um ato de corrupção e que foi condenada.
Já sobre as sanções civis, fica disposto:
- Perda de bens, direitos ou valores;
- Pessoa jurídica fica suspensa durante um determinado tempo de exercer atividade;
- Dissolução da Pessoa Jurídica;
- Proibição de receber benefícios e subsídios.
É importante ressaltar que o órgão que fiscaliza e regulariza essa lei é a Controladoria Geral da União (CGU). Além da CGU, o Ministério Público (MPF) e o Poder Judiciário também são órgãos que irão ser envolvidos nos processos de investigações e processos judiciais.
O que é Acordo de Leniência?
Na Lei Anticorrupção, ficou estabelecido um acordo entre a pessoa jurídica e o Ministério Público, que viabiliza a diminuição das penalidades sobre a pessoa jurídica, contanto que ela colabore na investigação, com informações relevantes para o processo, nomes de pessoas envolvidas e disposição de provas. Esse acordo foi denominado de “acordo de leniência”, é como se fosse uma delação premiada, só que para empresas jurídicas.
Tais acordos são primordiais para que a investigação traga a clareza dos fatos e a justiça devida.
Vimos que a Odebrecht aceitou a proposta do governo para renegociar o pedido de leniência firmado na época da Lava Jato. Quem elaborou a proposta, foi a Controladoria Geral da União (CGU) em conjunto com a Advocacia-Geral da União (AGU), sob a relatoria do ministro André Mendonça.
Como funciona a Lei, na prática, e como ela tem sido aplicada?
A Lei Anticorrupção tornou-se efetiva em janeiro de 2014 e, logo em seguida, em março de 2014, começaram as investigações da Lava-Jato, a maior investigação anticorrupção da história do Brasil, que colocaria em prova a aplicação da lei, na prática.
Na investigação, foram identificados atos ilícitos como superfaturamento de contratos públicos, uso de “laranjas”, pagamento de propinas, entre outros.
Para as maiores envolvidas no caso, as empreiteiras, foram aplicadas multas como sanções, bem como a publicação da punição. Além disso, muitos indivíduos envolvidos se manifestaram a favor de firmar um acordo de leniência, porém alguns deles estão em negociação até hoje, como comentado anteriormente nesse texto, o caso da Odebrecht (atual Novonor).
Segundo os veículos de comunicação publicaram, houve um acordo entre o governo e as empreiteiras na redução dessa multa, podendo reduzir cerca de R$6 bilhões de reais, devido ao acordo de leniência firmado na época.
Além disso, no site da CGU estão alguns casos de atos ilícitos que foram deflagrados e aplicadas sanções. Dentre eles, podemos citar o exemplo do caso “Operação Gaveteiro – Ministério do Trabalho e Emprego”, em que houve fraude na licitação com sobrepreço no âmbito do Ministério do Emprego e Trabalho, sendo aplicadas sanções como multa de R$7.7 milhões e a obrigatoriedade de publicar a punição, bem como, a proibição da pessoa jurídica participar de novas licitações.
Modelos Internacionais
Podemos citar que a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) foi uma das inspirações para a Lei Anticorrupção Brasileira. A FPCA é uma legislação norte-americana criada “com o propósito de tornar ilegal para certas classes de pessoas e entidades fazer pagamentos a funcionários de governos estrangeiros para ajudar a obter ou manter negócios” . Surgiu após o escândalo de Watergate e é até hoje uma referência de legislação anticorrupção.
Entenda mais a relação entre as duas leis aqui.
Papel das empresas pós-Lei Anticorrupção
Após a Lava Jato, empresas ficaram mais preocupadas em reforçar um código de conduta para reforçar a importância do cumprimento das leis. Em uma empresa, existe uma área chamada de Compliance, que no português se traduz para “estar em conformidade” e é nela que a empresa concentra as diretrizes de ética e conduta, para garantir que as atividades exercidas estejam atuando conforme as leis do país e normas internas da empresa.
Após a Lei Anticorrupção, essa área ficou mais popular, fazendo com que as empresas se preocupassem mais em estar cumprindo as leis e normas, para evitar as sanções dispostas na lei, visto que as empresas se tornaram muito mais responsáveis por controlar e evitar que seus funcionários pratiquem atos dolosos com entes públicos.
Abaixo estão alguns exemplos de manuais dispostos pelas empresas, que estão públicos em seu site:
- Exemplo da Volkswagen, empresa internacional, com sede no Brasil;
- E da TOTVS (pg. 10-13), empresa nacional.
Reflexões sobre a Lei
Diante do que vimos, é inegável dizer que a Lei Anticorrupção foi um marco para o Brasil e é uma lei muito importante para trazer transparência e conformidade com a lei na relação de pessoa jurídica e poder público.
Para concluir, trago alguns pontos de reflexão a serem levados em conta nesse contexto:
- A principal inovação dessa lei foi trazer mais responsabilidade da pessoa jurídica que comete ato corrupto. De um lado, temos as sanções à pessoa física e do outro à empresa, como dito acima no bloco de Sanções;
- Outro ponto relevante é a adequação do Brasil em legislar sobre um tema importante tanto nacionalmente, quanto internacionalmente, garantindo assim, permanência em convenções internacionais e confiança internacional;
- Não podemos deixar de trazer também a importância dos Acordos de Leniência que a lei traz. Um avanço no processo de investigação que facilita a recuperação do dinheiro perdido nos cofres públicos e diminuição da pena a empresa;
- O reforço na atuação do compliance traz um efeito positivo, ao fazer saber que dentro da companhia há um combate contra atos ilícitos através desta lei, esperando assim, que as infrações não ocorram.
Além disso, podemos observar alguns contrapontos observados nesta lei:
- Há a possibilidade da multa sancionada ser tão alta a ponto da empresa não conseguir pagar e ter que declarar falência. Porém, neste cenário, muitas pessoas inocentes acabam perdendo o seu emprego, gerando uma onda de desemprego;
- Falta certo equilíbrio entre as sanções de empresa jurídica e pessoa física, alegando que a empresa age por conta das decisões da pessoa física dentro dela;
- A pessoa jurídica será responsabilizada, independentemente de ser ou não o realizador do ato doloso, por isso as empresas se preocupam em reforçar as normas de ética e compliance, para tentar trazer as responsabilidades às pessoas que, de alguma maneira, poderiam representar a empresa. Mas essa prática não afasta pena alguma diante da pessoa jurídica.
Apesar da lei não conseguir impedir que a corrupção ocorra, ela consegue trazer uma diretriz dos caminhos que serão seguidos caso haja uma deflagração de pessoa jurídica cometendo ato ilícito, e isso de certa forma, já impõe um alerta nas empresas, como vimos no texto, na tentativa de evitar que casos de corrupção ocorram.
E aí, conseguiu entender do que se trata a Lei Anticorrupção? Deixe suas dúvidas nos comentários!
Referências:
- Planalto – Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 (Lei Anticorrupção)
- JASPER, James M. Protesto: uma introdução aos movimentos sociais. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2016.
- Câmara dos Deputados – Projeto de Lei nº 6.940/2013
- Planalto – Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa)
- Projuris – Lei Anticorrupção
- Migalhas – A aplicação da Lei Anticorrupção e os prejuízos trazidos às empresas
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- LEC – FCPA e Lei Anticorrupção: Entenda as diferenças
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- LEC – Entenda a Lei Anticorrupção e a sua relação com o compliance
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- LEC – Uma década da Lei Anticorrupção Brasileira
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- Alepi – Em 10 anos, o uso da Lei Anticorrupção foi além da Lava Jato
- Em 10 anos, o uso da Lei Anticorrupção foi além da Lava Jato
- TJDFT – Direito Fácil: Lei Anticorrupção
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- CGU – CGU multa empresas em mais de R$ 9 milhões por infrações à Lei Anticorrupção
Este conteúdo é de autoria de estudantes do curso de pós-graduação em Ciência Política da FESP-SP. Trata-se de parte da avaliação da disciplina “Estado e Sociedade Civil: instituições, processos e atores”. O objetivo aqui é converter, em parceria com a Politize!, ações de avaliação em contribuições mais amplas com o debate político, reforçando compromisso com a aplicabilidade das reflexões e construções. A Fundação Escola de Sociologia e Política tem mais de 90 anos de história e é o mais tradicional centro de Sociologia e Política do Brasil.