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A história do Centro-Oeste do Brasil

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A região Centro-Oeste é a segunda maior do país em extensão territorial, e, talvez a menos conhecida delas. A região é composta pelos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal. Apesar de suas diferenças, todos guardam uma história em comum, composta por povos originários e novos ocupantes.

A seguir, a Politize! te mostra a história do Centro-Oeste do Brasil, a partir de uma inversão de perspectiva, que coloca no centro as dinâmicas de ocupação do território entre o período pré-colonial e contemporâneo. Continue lendo!

O Centro-Oeste do Brasil pré-colonial: território indígena.

No Centro-Oeste predomina o bioma Cerrado, a savana mais biodiversa do mundo, mas também se encontra o Pantanal, a maior planície alagada do mundo. Já o norte de Mato Grosso é caracterizado pela Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo.

Além de sua riqueza natural, a região é o lar de uma diversidade de povos originários e tradicionais, que remontam ao período pré-colonial e mesmo pré-histórico.

Pintura rupestre que representa Emas do Cerrado, encontrada em sítio arqueológico no município de Palestina de Goiás. Imagem: Danilo Curado.

Por exemplo, a história da ocupação do território goiano teve início muito antes da vinda dos bandeirantes no século XVIII. Segundo o Iphan, as primeiras ocupações no estado de Goiás estão relacionadas aos grupos de caçadores e coletores, cultivadores, sociedades agrícolas e ceramistas, há aproximadamente 11 mil anos.

Já no século I eram cultivados milho, amendoim e feijão, associados à caça e à coleta de frutos dos cerrados e dos campos. A partir do século IX, comunidades vindas do leste e oeste trouxeram o conhecimento da produção de uma diversidade de vasilhames cerâmicos utilizados para processar e acondicionar alimentos.

A partir da colonização, com a descoberta de áreas de mineração, populações de Portugal e África formaram os primeiros núcleos urbanos na região. Assim, marcam o início da convivência conflituosa entre diferentes culturas na região Centro-Oeste. Em Goiás, por exemplo, podem ser encontrados 28 municípios com sítios arqueológicos.

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O Centro-Oeste do Brasil colonial: invertendo a perspectiva

Por outro lado, segundo Chiara Vangelista, numerosos grupos étnicos mantinham relações intensas e um extenso sistema político e econômico às margens do Tratado de Tordesilhas, que se fundavam proeminentemente na guerra e no escambo.

Mapa do Brasil com divisão em capitanias e Tratado de Tordesilhas datado de 1574. Imagem: Wikipédia.

A invasão ibérica e bandeirante no século XVIII, devido à descoberta do ouro, e a criação das capitanias de Goiás e de Mato Grosso, em 1748, inserem-se num conjunto consolidado de relações por convivência entre diferentes etnias, chamadas de interétnicas, dos indígenas e não indígenas.

Em particular, nota-se uma divisão entre “índios bravos” (como os Nhambiqwara e os Xavante) e “índios mansos” (como os Bororo, os Chané e os Cadiueu). Esses últimos podiam se valer da aparente assimilação para manter sua autonomia e território, convivendo de modo relativamente pacífico com os novos ocupantes do território.

Os Bororo localizados nas capitanias de Mato Grosso, mantiveram aliança com portugueses para obter mais recursos nas suas próprias guerras étnicas contra os Guató, Kayapó, Carajá e com os Mbaya Guaikurú e Payaguá. Estes últimos mantiveram aliança com os espanhóis.

Já em fase de decadência, as bandeiras pelo ouro deram lugar à administração local, transformando o sistema de alianças interétnicas. Durante o período colonial e do império, cada pacto de aliança com o Rei de Portugal ou Castela, dava origem a novas articulações entre indígenas de diferentes etnias, e também com os estrangeiros.

Por outro lado, aqueles que escapavam da escravização se reuniam em comunidades quilombolas, em muitos casos auxiliadas por grupos indígenas. Da mesma maneira, integravam-se a economias locais, fornecendo produtos agrícolas e gado, enquanto lidavam com a ameaça da subjugação violenta.

Logo, a região Centro-Oeste não foi somente o palco de uma conquista, mas da construção de uma nova sociedade determinada pela ação conjunta dos antigos e novos ocupantes.

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O Centro-Oeste do Brasil pós-colonial

A Independência modificou radicalmente o sistema complexo de relações políticas na região Centro-Oeste. Isso porque as fundações do Império do Brasil buscavam a exclusão de afro-brasileiros e indígenas, e a consolidação da apropriação privada da terra.

Nota-se em Mato Grosso ataques dos grupos indígenas mais atingidos pela expansão da agropecuária, conformando uma nova guerra étnica. Tais conflitos eram protagonizados pelos Bororo orientais, Kayapó e Carajá, e posteriormente pelos Xavantes.

Também, a guerra do Paraguai provocou o deslocamento dos Chané e dos Cadiueu, cujas terras ao final da guerra foram ocupadas sob a autorização do governo provincial.

A proclamação da República foi acompanhada do fortalecimento de uma ideologia indigenista, que buscava reduzir a autonomia das províncias para a destinação de terras, além de proteger grupos indígenas. A defesa da delimitação das terras indígenas teve entre seus defensores Cândido Mariano da Silva Rondon.

A construção de Brasília, na década de 1950, representou o auge da modernidade no Centro-Oeste, acentuando os investimentos em infraestrutura rodoviária e conectando os grandes centros urbanos do Brasil. Junto vieram os Candangos, operários que trabalharam na obra de construção da nova capital, em sua maioria do Norte e Nordeste do país

A partir da década de 1960 e 1970, a atividade agropecuária para a exportação expandiu-se grandemente sobre o Cerrado, com maior mecanização e uso de insumos químicos, viabilizada pelo poder público, a partir de planos de desenvolvimento, concessão de crédito rural e o fomento de pesquisas.

Leia também: Impactos do Agronegócio na Economia e no Meio Ambiente

Embora o Centro-Oeste tenha passado a desempenhar um papel de grande relevância na economia nacional já no final do século XX, tais medidas foram impostas pela Ditadura Militar, não sendo discutidas com a sociedade e não levando em conta os prejuízos ambientais e sociais decorrentes. Nesse contexto, Jodenir Calixto e Antonio Hespanhol apontam

“Considerava-se que o Cerrado não servia para nada, a não ser para o uso como lenha, desconsiderando-se toda a sua riqueza biológica.

Assim, no Centro-Oeste consolidou-se a produção em larga escala de monoculturas de grãos e cereais, bem como a pecuária e sucroalcooleira. Segundo o Ipeadata, a participação da região no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro saltou de 2,5%, na década de 1960, para cerca de 10%, em 2010.

Junto da redemocratização e da Constituição Federal de 1988, Goiás foi desmembrado, criando, assim, o estado de Tocantins, na região Norte, sendo que Mato Grosso do Sul já havia sido em 1977 separado do estado de Mato Grosso.

A Constituição marca também um novo período na garantia de direitos para povos indígenas. Esses devem ser protegidos, incluindo suas terras, e ter reconhecidos sua cultura e seu modo de vida. Ali, se assegurou ainda às comunidades quilombolas o direito à propriedade de suas terras.

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O Centro-Oeste do Brasil hoje

Com a expansão das lavouras e pastagens, um dos principais desafios que atualmente se impõe para a região Centro-Oeste passa pela sustentabilidade ambiental. A intensa exploração do solo, os incêndios florestais e o desmatamento, em particular no Cerrado, contribuem também para o agravamento da mudança do clima.

Em 2022, a produção no Cerrado alcançou 62% da produção agropecuária brasileira, porém às custas de metade da sua vegetação nativa. Entre 2001 e 2023, Goiás foi o estado da região que mais contribuiu com o desmatamento no Cerrado (15%), aponta o sistema de monitoramento PRODES, seguido de Mato Grosso (14%) e Mato Grosso do Sul (6%).

Apesar do aumento de produtividade agropecuária na região Centro-Oeste entre 2010 e 2020, reduzindo a pressão pelo desmatamento (Efeito Poupa-Floresta), Goiás mantém apenas 29% de sua área natural, enquanto Mato Grosso mantém 60%, e Mato Grosso do Sul e Distrito Federal mantém 40%, segundo dados do Projeto MapBiomas.

Tais atividades são as principais responsáveis pela emissão de gases do efeito estufa da região, somando pelo menos 590,5 milhões de toneladas de CO2 entre 2021 e 2022. Esse volume representa 25% das emissões brutas de todo o Brasil no mesmo período, segundo o SEEG Brasil.

Ao mesmo tempo, as atividades da agropecuária são altamente dependentes de condições climáticas favoráveis, como temperatura e regime das chuvas, sob risco com as emergências climáticas. Assim, é preciso fortalecer atividades sustentáveis, que não dependem do desmatamento, além de adaptar o próprio setor produtivo, tornando a região mais resiliente às mudanças do clima.

Já as comunidades vulneráveis, que menos contribuíram com a mudança do clima, são afetadas primeiro e desproporcionalmente pelos seus efeitos adversos, como chuvas e secas intensas. Entre elas, estão os povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, notáveis agentes da conservação do seu território.

A região Centro-Oeste possui ainda um relevante contingente populacional indígena com mais de 50 etnias diferentes totalizando cerca de 110 mil indivíduos. Só no Estado do Mato Grosso do Sul estão presentes 70 mil indígenas, sendo o segundo estado brasileiro com maior população indígena do Brasil.

Kalunga: o primeiro TICCA do Brasil é na Chapada dos Veadeiros. Imagem: Anísia Barros.

Também foram contabilizados 44.957 quilombolas na região Centro-Oeste pelo Censo 2022, em sua maioria no estado de Goiás. Além disso, há a presença marcante da agricultura familiar, que representa a maioria absoluta (cerca de 75%) dos estabelecimentos agrícolas no Centro-Oeste.

Povos indígenas e comunidades tradicionais têm muito a ensinar quando o assunto é responsabilidade socioambiental. Elementos culturais, históricos, socioeconômicos e ecológicos constituem um conjunto de saberes, práticas e técnicas produtivas resilientes e sustentáveis, formando paisagens características e manejadas.

No entanto, são grupos constantemente ameaçados por desmontes da legislação ambiental e violência no campo. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, ocorreram 353 conflitos ligados à questão agrária no Centro-Oeste em 2023, incluindo aqueles contra povos indígenas e comunidades tradicionais. Ao mesmo tempo, observa-se pelo menos 118 processos de regularização de territórios quilombolas na região.

Segundo Antonio Bispo dos Santos, líder e filósofo quilombola, em entrevista ao Nexo em junho de 2023,

Quem foi colonizado precisa realmente se decolonizar. Mas nós, quilombolas, não fomos, e não precisamos disso. Precisamos contracolonizar para não sermos colonizados

Alcançar a sustentabilidade ambiental na região Centro-Oeste perpassa, então, a garantia de direitos de  povos indígenas e comunidades tradicionais, e a construção de uma sociedade mais democrática e inclusiva.

E aí? O que você achou de uma nova perspectiva da história do Centro-Oeste? Como acredita que os povos indígenas e as comunidades tradicionais podem ajudar a enfrentar a mudança do clima? Deixe nos comentários.

Referências

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Conteúdo escrito por:
Atua enquanto Assistente Administrativo na Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Governo de Goiás. É Bacharel e mestrando em Relações Internacionais pela UFU. Pesquisa e fala sobre Paradiplomacia, Negócios Internacionais e Desenvolvimento Regional. Foi representante dos estudantes da UFU para assuntos de Cultura e Sociedade. Um ser humano dedicado à engenharia das sociedades justas e plenas. Um civil de retumbante compromisso com o Brasil.

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