No cenário Brasileiro tanto o liberalismo como o conservadorismo tomaram conta do debate público e com isso se tornou importante definir o que essa ideologias são.
No debate sobre esquerda e direita, ideologias são postas ao lado de uma delas, o liberalismo e conservadorismo são diretamente correlacionadas com a direita.
A Politize! vai te apresentar três correntes ideológicas do liberalismo e conservadorismo, trazer as críticas levantadas sobre ela, assim como as aproximações entre elas e, por fim, mostrar como a direita brasileira dialoga com essas ideologias.
O que é o liberalismo?
Quando se fala em liberalismo, assim no singular se imagina uma ideologia coesa e sem dissidências. Ao contrário, o liberalismo possui diversas correntes, cada uma com suas especificações dentro do seu pensamento.
Tendo a sua origem na Inglaterra no século XVII, ao longo de mais de quatro séculos a ideologia liberal tem sido difundida em diversas partes do mundo, sobre diversas perspectivas e autores.
O liberalismo é uma teoria política e que não deve ser confundida com o liberalismo econômico, como o keynesianismo, que tem enfoque apenas em questões econômicas e que não pretende tratar da parte política social.
Quando se fala de liberalismo político se fala de direitos universais, como a propriedade e igualdade.
Liberalismo clássico
Um dos autores que deu base fundamental no pensamento político moderno, John Locke, foi peça-chave para o desenvolvimento das democracias liberais ocidentais como hoje as conhecemos.
Dentre as suas ideias que vão desde os chamados Direitos Naturais ou Jusnaturalismo, onde pela primeira vez aparece direitos que fazem parte do indivíduo, ou seja, nascem com ele.
Para ele, isso é importante, pois o que os liberais defendem que é a Propriedade Privada, na visão de Locke, seria ela uma extensão dos seus direitos naturais conquistada através do trabalho.
A propriedade seria a “extensão do nosso corpo”, pois com a força do trabalho que colocamos nos objetos ou na própria terra, faz que a ela deixe de ser um bem comum a todos para ser apenas nosso, se tornando uma propriedade privada.
Liberalismo utilitário
A visão liberal da promoção do bem-estar geral e a defesa das liberdades individuais aparecem com John Stuart Mill, com os princípios do utilitarismo.
Pensar a felicidade da sociedade para o utilitarismo é o mesmo que pensar a política, onde a ação correta em que a política pode fazer é aquela que promova o bem para o maior número possível de pessoas.
A liberdade, tema caro para os liberais, quando pensado na sua maximização, Mill entende que deva ser maximizada desde que não prejudique ou case dano aos outros. A liberdade é essencial para o desenvolvimento do indivíduo e do próprio progresso da sociedade.
A sociedade pode alcançar toda as suas potencialidades com a liberdade social, que deve ser assegurada pela política.
Liberalismo igualitário
No século XX, pensando justiça social através do liberalismo, John Rawls se torna um influente teórico por pensar uma sociedade de maneira mais justa e equitativa.
Rawls propõe que a justiça deva ser compreendida como “equidade”, uma forma de garantir que todos os indivíduos uma chance justa e igual em uma sociedade. Dois princípios regeriam as instituições sociais e políticas para a promover a equidade:
O primeiro seria o Princípio da Liberdade Igual, onde cada indivíduo possuiria liberdade igual que não poderiam ser sacrificadas em nome de outros objetivos sociais, como a liberdade de expressão, de religião e de acesso ao devido processo legal.
O segundo é o Princípio da Diferença, nele diz que as desigualdades são aceitas apenas se contribuirem para o bem-estar dos menos favorecidos e se não impedirem a igualdade de oportunidades.
O liberalismo igualitário de Rawls combina a defesa de liberdades individuais com um compromisso com a justiça distributiva.
O que é o Conservadorismo?
Como uma corrente político-filosófico, o conservadorismo contribuiu para a história política do Brasil, refletindo em seu pensamento as suas preocupações de sua época, que tangeram a estabilidade social, a tradição e a ordem.
O conservadorismo tem se moldado de diversas formas durante a história da humanidade, aparecendo inicialmente como um pensamento com Edmund Burke no século XVIII na Inglaterra.
Não há nada parado ou estático no conservadorismo, ele é sim uma ideologia do progresso social, mas esse progresso não anda ao mesmo passo em que outras ideologias mais radicais. O progresso conservador anda de forma mais lenta, o tempo rege as mudanças sociais.
Conservadorismo Burkeano
Chamado de pai do conservadorismo, Edmund Burke, desenvolve a ideia do conservadorismo mostrando a importância da tradição e da continuidade da história de uma sociedade em contraponto as rupturas revolucionárias.
Contemporâneo a Revolução Francesa, ele vê esse movimento como uma ameaça e com medo de que ela ultrapassasse o canal da mancha e chegasse a Inglaterra, criou ele uma ideia anti-revolucionária.
Importante falar que ser anti-revolucionário não é o mesmo que ser contra-revolucionário.
O conservador é por essência um anti-revolucionário, pois vê que as rupturas que as revoluções trazem não podem ser contidas, as transformações sociais radicais rompem com a história daquela sociedade, isso não seria benéfico para a sociedade.
O contra-revolucionário, por outro lado, é reativo as revoluções e, as suas reações são sempre para a volta ao passado, por isso o contra-revolucionário é categoricamente um reacionário.
Burke vê que os direitos conquistados pelo ingleses são direitos que fazem parte da história dessa sociedade. Para ele não há direito universal como para os liberais, por isso no conservadorismo há na realidade diversos conservadorismos, cada sociedade tem a sua história, seus direitos e seu momento histórico.
Conservadorismo Oakeshottiano
Michael Oakeshott oferece uma visão distinta do conservadorismo, focando na importância da experiência e da prática política sobre teorias ideológicas abstratas.
Para Oakeshott, a política deve ser vista como uma prática evolutiva, enraizada na experiência e na tradição, em vez de ser baseada em teorias ideológicas.
Ele defendia que a política deveria ser entendida como uma prática baseada na experiência, não como uma ciência ou um sistema teórico.
Acreditava que as soluções políticas devem ser adaptadas à realidade concreta e ao contexto histórico, em vez de serem aplicadas a partir de uma teoria abstrata.
Em toda sua obra, Oakeshott argumenta que a liberdade e a ordem não são mutuamente exclusivas, mas sim complementares. Ele via a liberdade como um produto da ordem e da estabilidade, e acreditava que a política deve buscar equilibrar esses dois aspectos.
No seu pensamento a ordem social e a continuidade são essenciais para garantir a liberdade individual.
Acreditava que as práticas políticas tradicionais e as instituições estabelecidas eram o resultado de um processo de adaptação e experiência e, portanto, deveriam ser preservadas e respeitadas.
Conservadorismo Scrutoniano
O guru da nova direita brasileira – Roger Scruton – argumenta que a tradição e a ordem são essenciais para a coesão social e o bem-estar individual. Diferente dos liberais, como os utilitaristas, em que o bem-estar é visto na maximização da liberdade para o maior número de pessoas.
A liberdade individual para Scruton deve ser exercida dentro dos limites estabelecidos pela tradição e pelas normas sociais, que garantem a harmonia e o bem-estar coletivo.
As instituições e práticas tradicionais são o resultado de uma sabedoria acumulada e que devem ser preservadas para garantir a estabilidade e a continuidade da sociedade.
Scruton critica o relativismo cultural e a ideia de que todas as culturas e valores são igualmente válidos. Ele argumenta que algumas tradições e valores são indispensáveis para a dignidade humana e o funcionamento saudável da sociedade.
Defende a importância da identidade nacional e cultural, vendo-a como um componente vital da coesão social e do sentido de pertencimento, onde a preservação da identidade nacional é crucial para a estabilidade e o progresso de uma sociedade.
Direita no Brasil
Um campo político amplo como a Direita, em que possui ideologias mais moderadas a mais radicais, consegue comportar o liberalismo e conservadorismo ao seu lado.
Os conservadores brasileiros desde o Império, com figuras como Visconde do Uruguai e Bernardo Pereira de Vasconcelos, estão preocupados com a questão da ordem nacional, o poder centralizador do Estado.
Por outro lado os liberais no Império tenderam a buscar uma forma de pensar a descentralização do Estado e a autonomia das províncias.
Com a Constituição de 1988, ainda houve engasgos sobre as atribuições dos estados e da União, uma disputa de algo que acontecera na República Velha. O tema da centralização e descentralização nunca saiu do debate político brasileiro, seja qual for modelo de governo.
O que ambos vão convergir em concordância é que como somos um país agrário e a nossa força econômica ainda vem do interior e do campo, são os conservadores e liberais contrários a reforma agrária no Brasil.
Dessa maneira, pensar as reformas sociais de redistribuição de renda no país por essas ideologias é pensar na manutenção do status quo que leva a desigualdade social, já que a não reforma visa perpetuar certos privilégios de uma parcela da burguesia nacional.
A igualdade que prega o liberalismo quando levada ao seu grau máximo, reforça uma desigualdade e gera marginalização, pois no Brasil, um país de profunda desigualdade social, onde há grupos sociais tão distintos que quando postos a pé de igualdade, mostra na realidade as suas grandes diferenças.
A educação pública superior, com o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, em que a prova unificada para alunos de todas as rendas e classes sociais disputando uma vaga é regida pela igualdade, mas igualdade não é sinônimo de justiça.
Pensar a educação no Brasil passa fundamentalmente por pensar a equidade, tratando diferente os que já são diferentes, tendo por resultado o modelo de sistema de cotas das universidades públicas do país, que busca por diminuir as desigualdades de acesso dos que são mais desfavorecidos na sociedade.
O sistema de cotas é um tema caro para a direita no Brasil, que além de não ser a favor, é ativamente contrário, onde vê na meritocracia a forma de acesso. Liberais e Conservadores convergem nesse ponto.
Outro ponto em que a Direita no Brasil, liberais e conservadores, estão compartilhando a mesma ideia é os direitos humanos, pauta essa liberal por essência, mas que no Brasil assumiu um caráter de esquerda; defender a dignidade da vida virou pauta de esquerda.
O medo do “fantasma do comunismo” que pairou pela América Latina na década de 1960 que gerou a onda de desmocratização e uma guinada para o autoritarismo, tem respaldo no conservadorismo que a busca pela ordem e tradição e medo de rupturas faz com que rompa com os direitos humanos.
A direita conservadora no Brasil tem se articulado para aproveitar as brechas para um autoritarismos como forma de manutenção da ordem, como no Estado Novo e no Golpe de 1964.
O liberalismo brasileiro se viu abrindo mão dos direitos humanos em troca da defesa da propriedade privada nos períodos autoritários, onde o acúmulo de capital no agronegócio e nas indústrias nunca pararam de crescer durante esses períodos, que resultaram em mais desigualdades sociais.
Ficou claro o que é conservadorismo e liberalismo? Qual corrente de pensamento você considera mais presente no Brasil? Deixe seus comentários!
Referências:
- BURKE, Edmund, Reflexões sobre a Revolução na França. Trad. José Miguel Nanni Soares – 1. ed. – São Paulo: EDIPRO, 2014
- GAZETA DO POVO – O que pensa Roger Scruton, o “guru” da nova direita brasileira
- IPEA – Estudos revelam o impacto da distrbuição de renda no Brasil
- LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo (1690). Tradução de Júlio Fisher. In:___. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
- MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade (1859). Tradução e Introdução de Pedro Bandeira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
- MORAES, C. P., PERES, R. T., BARBOSA, M. T. S., & PEDREIRA, C. E. (2022). Equidade e desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio: Um estudo sobre sexo e raça nos municípios brasileiros. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, 30(68).
- OAKESHOTT, Michael. Rationalism in Politics. In: ___. Rationalism in Politics and other essays. Indianapolis: Liberty Fund, 1991. p. 5-42.
- OAKESHOTT, Michael. The Social and Political Doctrines of Contemporary Europe. Cambridge University Press. 8vo. xxiii + 224 pp. 10s. 6d. 1939.
- RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes; 2000.
- TAVARES, Maria da Conceição. Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil. 3. ed. Campinas, SP: UNICAMP, 1998.