O afeto por animais em caso de separação transcende a simples posse, transformando-os em membros importantes para muitas famílias. Entretanto, em processos de separação, a questão da guarda dos pets pode se tornar um desafio jurídico.
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Animais de estimação em casos de separação: a visão do direito civil
Tradicionalmente, o Código Civil brasileiro trata os animais de estimação como “bens semoventes”, ou seja, como uma categoria de bens móveis, como carros ou imóveis. Em disputas jurídicas, como divórcios ou dissoluções de uniões estáveis, os pets eram vistos como objetos materiais
No entanto, essa visão tem sido questionada por uma sociedade cada vez mais consciente de que os animais são seres sencientes, ou seja, possuem capacidade de sentir e sofrer.
A Lei 9.605/98, que trata dos crimes ambientais, já reconhecia os animais como seres sencientes, mas a proteção jurídica específica para os pets ainda era limitada.
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Com o passar dos anos, a sociedade evoluiu, e a relação com os animais de estimação se tornou mais complexa. A crescente humanização dos pets, a comprovação científica de sua capacidade de sentir emoções e a conscientização sobre o bem-estar animal impulsionaram a necessidade de uma revisão do tratamento legal dos animais de estimação.
O artigo 1.228 do Código Civil brasileiro estabelece que o proprietário de um bem tem o direito de usá-lo, gozá-lo e dispor dele. No entanto, a interpretação desse artigo tem se expandido para incluir o bem-estar dos animais, levando em consideração suas necessidades emocionais e afetivas.
De acordo com a advogada especialista em direito familiar, Dra. Camila Dias, “os pets são parte da família e merecem ser tratados com dignidade e respeito, especialmente em momentos de separação”.
O bem-estar dos animais em caso de separação
O bem-estar do animal deve ser o principal critério na definição da guarda dos pets em casos de separação. A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) e a Constituição Federal, em seu artigo 225, asseguram a proteção dos animais e o direito à vida. Isso reflete uma mudança de paradigma: não se trata apenas de um bem a ser dividido, mas de seres que têm sentimentos e necessidades.
O direito civil reconhece que os animais não são objetos, e que sua saúde física e emocional devem ser priorizadas. Dessa forma, os juízes começam a considerar aspectos como:
- Quem tem maior disponibilidade de tempo para cuidar do pet;
- Quem proporciona melhores condições de moradia e saúde ao animal;
- O apego emocional que o pet desenvolveu com cada uma das partes;
- A opinião de profissionais especializados, como veterinários ou etólogos, em casos mais complexos.
Um exemplo emblemático dessa evolução ocorreu em 2018, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, em uma decisão inédita, a possibilidade de guarda compartilhada de um cão, considerando o bem-estar do animal e o fato de ambos os ex-cônjuges possuírem vínculo afetivo com ele. Esse caso representou um marco importante na jurisprudência brasileira, consolidando o entendimento de que a guarda dos pets não pode ser resolvida apenas com base em critérios patrimoniais.
A psicóloga animal, Dra. Luciana Costa, afirma que “os animais de estimação podem sofrer emocionalmente com a separação dos seus tutores, por isso, é indispensável que o direito reconheça suas necessidades e busque soluções que priorizem o seu bem-estar”. Assim, quando um casal decide se separar, deve-se levar em consideração o impacto dessa decisão sobre o animal e buscar alternativas que minimizem seu sofrimento.
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Critérios para a guarda compartilhada de animais em caso de separação
A guarda compartilhada, modelo que vem sendo adotado com frequência em relação aos filhos, também pode ser aplicada aos pets em casos de separação. Neste modelo, ambos os ex-cônjuges têm direito a visitar e cuidar dos animais, dividindo as responsabilidades.
A custódia compartilhada de pets, embora recente no Brasil, já é uma prática consolidada em diversos países, como Estados Unidos, Espanha e Argentina. O princípio subjacente a essa modalidade de guarda é o mesmo que rege a guarda compartilhada de filhos em casos de separação: garantir o bem-estar do animal, equilibrando o tempo de convivência entre ambos os tutores.
Para que a guarda compartilhada seja efetiva, alguns critérios devem ser considerados:
- Vínculo afetivo: o vínculo afetivo que cada ex-cônjuge tem com o animal é um fator imprescindível. A guarda compartilhada deve ser implantada de forma que não cause sofrimento ao animal e que ele continue a ter contato com ambos os tutores;
- Rotina: a rotina do animal deve ser mantida o máximo possível. Mudanças bruscas de ambiente, de rotina de alimentação e de horários podem causar estresse e prejudicar o bem-estar do animal;
- Condições de vida: as condições de vida de cada ex-cônjuge devem ser avaliadas para garantir que o animal receba os cuidados necessários. O ambiente deve ser seguro, confortável e adequado às necessidades do animal;
- Comunicação e cooperação: a comunicação e a cooperação entre os ex-cônjuges são necessários para o sucesso da guarda compartilhada. É importante que eles consigam se comunicar de forma respeitosa e colaborativa para tomar decisões que beneficie o animal.
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Acordos amigáveis para animais em caso de separação: a melhor solução
A melhor forma de resolver a questão da guarda dos pets em casos de separação é por meio de um acordo amigável entre os ex-cônjuges. A mediação familiar pode ser uma ferramenta valiosa para facilitar o diálogo e a construção de um acordo justo e que priorize o bem-estar dos animais.
Embora as decisões judiciais sobre a guarda de animais estejam se tornando mais comuns, a recomendação dos especialistas é sempre buscar acordos amigáveis entre as partes.
Quando os ex-companheiros conseguem chegar a um consenso, o processo tende a ser menos desgastante emocionalmente para ambos e, principalmente, para o animal, que pode evitar o estresse de uma longa disputa judicial.
A conciliação extrajudicial permite que os tutores estabeleçam um acordo que atenda às necessidades específicas do animal e às suas próprias. Esse tipo de acordo pode prever detalhes como:
- A divisão de tempo de convivência com o animal, considerando a rotina de ambos os tutores;
- A divisão de despesas com alimentação, saúde, brinquedos e outros cuidados;
- Regras sobre a mudança de domicílio de um dos tutores, o que pode afetar a convivência com o animal;
- A responsabilidade sobre decisões de emergência, como tratamentos médicos ou intervenções cirúrgicas.
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Os acordos amigáveis têm a vantagem de serem flexíveis e ajustáveis, desde que ambos os tutores estejam dispostos a dialogar. Além disso, eles preservam a relação cordial entre as partes, o que é especialmente importante em casos de separação com filhos e pets envolvidos.
Algumas dicas para um acordo amigável incluem:
- Comunicação clara: é necessário que ambas as partes expressem suas necessidades e preocupações;
- Flexibilidade: os tutores devem estar abertos a negociar e encontrar soluções que atendam ao bem-estar do animal;
- Documentação: registrar o acordo em um documento formal pode ajudar a evitar desentendimentos futuros.
Custos e responsabilidades com animais em caso de separação
O acordo de separação deve definir claramente os custos e as responsabilidades relacionados aos pets. As despesas com alimentação, cuidados veterinários, vacinação, desparasitação e outros serviços devem ser divididas de forma equitativa entre os ex-cônjuges.
Na prática, o tutor que não reside com o pet pode ser obrigado a contribuir com uma parte dos custos relacionados ao animal, como alimentação, medicamentos, veterinário, entre outros. Da mesma forma, ambos os tutores devem compartilhar as responsabilidades diárias, como passeios, banhos e visitas regulares ao veterinário.
A responsabilidade por decisões críticas sobre o animal, como cirurgias e tratamentos, também deve ser compartilhada. As partes podem incluir no acordo cláusulas que prevejam como essas decisões serão tomadas, especialmente em casos de urgência.
Algumas sugestões para gerenciar custos incluem:
- Estabelecer um fundo: criar um fundo conjunto para despesas relacionadas ao animal pode ser uma solução prática;
- Dividir responsabilidades: definir quem será responsável por quais aspectos do cuidado pode ajudar a evitar conflitos.
O novo Código Civil e a proteção dos animais em caso de separação
O novo Código Civil (Projeto de Lei nº 10.169/2015), em fase de discussão no Congresso Nacional, traz propostas importantes para a proteção dos animais de estimação, incluindo a possibilidade de reconhecimento dos pets como seres sencientes e a inclusão de disposições específicas sobre a guarda dos animais em casos de separação.
O novo Código Civil propõe:
- Reconhecimento da senciência animal: o novo Código Civil propõe o reconhecimento dos animais como seres sencientes, com capacidade de sentir dor, sofrimento e emoções. Essa mudança legal é vital para que os animais sejam tratados com mais respeito e dignidade;
- Guarda compartilhada: o novo Código Civil prevê a possibilidade de guarda compartilhada dos pets em casos de separação, com critérios específicos para garantir o bem-estar dos animais;
- Responsabilidade civil: o novo Código Civil amplia a responsabilidade civil dos tutores por danos causados por seus pets. Essa mudança visa garantir que os tutores sejam responsabilizados por qualquer dano causado por seus animais.
Saiba mais: como o novo Código Civil mudará os seus direitos
É imprescindível que a sociedade continue a pressionar por leis que garantam o bem-estar dos animais e que reconheçam o vínculo afetivo que os une aos seus tutores.
A proteção legal dos pets é um passo determinante para garantir que seu bem-estar seja sempre priorizado, mesmo em momentos difíceis como a separação de seus tutores.
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Referências:
- A gazeta – Novo Código Civil traz regra sobre guarda de pets em caso de separação
- Agência Câmara de Notícias – Comissão aprova guarda compartilhada de animal de estimação em caso de separação
- Código Civil Brasileiro. (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
- Folha de Pernambuco –Separação: quem fica com o pet quando um casal encerra o relacionamento?
- Jus Brasil – Divórcio: com quem fica a guarda do animal de estimação?
- Lei de Crimes Ambientais. (1998). Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
- LOURENÇO, DB.; DA ROCHA, LACB .O direito civil e a questão animal: tensionamentos e possibilidades. revista paradigma, [S. l.], v. 28, n. 2, p. 101–133, 2019. Disponível em: https://revistas.unaerp.br/paradigma/article/view/1210
- Metrópoles – Separação dos “pais de pet”: com quem fica o animal de estimação?
- Migalhas – A guarda de animais de estimação em caso de divórcio
- Migalhas – Animais têm direito a pensão na separação do casal? Entenda a polêmica
- OLIVEIRA, LTD. O animal não humano e sua implicação no direito de família – uma análise filosófica, jurídica e social.
- O tempo – Quem fica com o pet em caso de separação do casal? Especialista explica
- STJ – Animais de estimação: um conceito jurídico em transformação no Brasil
- Terra – Ansiedade de separação em pets: saiba como reconhecer os sinais