Símbolo de 5 religiões distintas.

O que é analfabetismo religioso?

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A religião, para muitos, oferece respostas às questões mais profundas da existência. Entretanto, o analfabetismo religioso impede que essa conexão se estabeleça plenamente, limitando o desenvolvimento pessoal e contribuindo para a intolerância.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, crimes de intolerância religiosa cresceram 25% entre 2018 e 2022. Esse aumento reflete uma lacuna no entendimento sobre diferentes crenças, evidenciando que a convivência pacífica requer esforços individuais e institucionais, independentemente de posicionamentos ideológicos.

Vamos analisar o conceito de analfabetismo religioso, suas causas, consequências e estratégias para combatê-lo, buscando contribuir para um diálogo mais consciente sobre a relação entre fé e conhecimento.

O que é analfabetismo religioso?

Émilie Durkheim, em sua obra “As Formas Elementares da Vida Religiosa” publicado pela primeira vez em 1912, aborda a religião como um fenômeno social. Portanto, as representações religiosas são coletivas, e os ritos desempenham a função de manter ou refazer certos aspectos do estado mental do grupo.

O analfabetismo religioso, por sua vez, refere-se à incapacidade de compreender e interpretar textos religiosos, doutrinas e práticas de maneira crítica e autônoma. Esse fenômeno não se limita à ausência de crenças, mas à falta de conhecimento sobre os fundamentos, as histórias e as tradições das religiões.

De acordo com Diane L. Moore, especialista em estudos religiosos da Universidade de Harvard, “a ignorância sobre as religiões mina a convivência em sociedades diversas, alimenta preconceitos e impede o diálogo em questões de relevância pública.” Alguns exemplos são:

  • Desconhecimento dos conceitos básicos da fé: muitos não sabem diferenciar entre conceitos básicos, como a Trindade no cristianismo ou o karma no hinduísmo. Por exemplo, uma pesquisa da Eurisko GFK descobriu que 26% acredita que foi Moisés que escreveu a Bibilia, 41% sabem citar apenas um dos dez mandamentos; 17% não lembram nem o fundamental “não matar”;
  • Dificuldade de interpretar textos sagrados: uma pessoa que tenta ler o Alcorão sem um entendimento básico do contexto islâmico pode interpretar erroneamente passagens sobre justiça e conduta ética, perpetuando estereótipos negativos;
  • Falta de análise crítica de diferentes perspectivas teológicas: o analfabetismo religioso muitas vezes impede a apreciação da diversidade dentro das tradições religiosas. Por exemplo, no cristianismo, muitos desconhecem as diferenças entre catolicismo, protestantismo e ortodoxia, tratando-as como uma única vertente;
  • Incapacidade de aplicar ensinamentos religiosos à vida cotidiana: indivíduos que não compreendem os princípios éticos de suas crenças podem enfrentar dificuldades em alinhar suas ações com esses valores. Por exemplo, a prática do jejum no Islã durante o Ramadã pode ser vista como uma mera tradição, ignorando sua dimensão espiritual de autocontrole e reflexão.

Veja também: Liberdade religiosa no Brasil

Qual é a origem do analfabetismo religioso?

A emergência do analfabetismo religioso é um fenômeno complexo, com raízes históricas, sociais e culturais. Entre as principais causas, podemos destacar:

Falta de acesso à educação religiosa: em muitos contextos, a educação religiosa formal é limitada ou inexistente, especialmente em escolas públicas e sistemas educacionais laicos. De acordo com o Instituto Humanista Unisinos, a falta de educação religiosa formal em países predominantemente laicos, como o Brasil, contribui significativamente para essa lacuna de compreensão. Segundo dados do Censo escolar do MEC de 2017, menos de 50% das escolas brasileiras desenvolvem projetos ou atividades que levam em consideração a temática da diversidade religiosa;

Desinteresse e apatia em relação à fé: a crescente secularização e o individualismo contemporâneos podem levar à desmotivação e ao desinteresse em aprofundar o conhecimento religioso. O estudo de 2019 Discipleship Pathway Assessment (Avaliação do Caminho do Discipulado, em tradução livre) da LifeWay Research, mostrou que um terço dos americanos que frequentam uma igreja protestante regularmente (32%) diz que lê a Bíblia pessoalmente todos os dias. Cerca de um quarto (27%) diz que lê algumas vezes por semana e perto de 1 em 8 (12%) admitem que raramente ou nunca leem a Bíblia.

Predomínio da religiosidade superficial: o foco em práticas ritualísticas e em uma fé passiva, sem aprofundamento teológico e reflexivo, pode contribuir para o analfabetismo religioso. Segundo o psicólogo Carl Gustav Jung, a vivencia religiosa é crucial para atingir um equilíbrio psíquico, sendo uma experiencia de necessidade humana e é comprovada pela mesma pesquisa LifeWay Research, onde 1 em cada 4 frequentadores de igrejas protestantes nos EUA admite nunca ler a Bíblia fora dos cultos.

Falta de diálogo intergeracional: a ausência de conversas significativas entre gerações sobre fé, valores e tradições religiosas pode levar à perda de conhecimento e à perpetuação do analfabetismo religioso. Em 2017, a pesquisa do Barna divulgou um estudo que descobriu que cerca de 65% dos cristãos americanos admitiram ter dúvidas sobre suas crenças, com 40% dizendo que tinham dúvidas, mas “resolveram”, enquanto 26% disseram que ainda as experimentam.

Influência de informações distorcidas: a disseminação de informações errôneas, estereótipos e preconceitos sobre diferentes religiões pode gerar confusão e dificultar a compreensão autêntica da fé. O estudo publicado pelo Grupo de Estudos sobre Desigualdades na Educação e na Saúde (Gedes) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que 49% dos entrevistados apontaram terem recebido conteúdo falso ou enganoso em alguns de seus grupos religiosos.

Veja também: O que é sincretismo religioso

Ilustração de 5 bonecos segurando símbolos de diversas religiões, cada um. Texto: O que é analfabetismo religioso?
Combater o analfabetismo religioso é um passo para promover a diversidade. Imagem: Freepik

Impactos específicos em diferentes tradições religiosas

O analfabetismo religioso afeta de maneira distinta grupos religiosos majoritários e minoritários.

Em contextos onde o cristianismo é predominante, como no Brasil, as religiões de matriz africana (candomblé e umbanda) enfrentam preconceitos que frequentemente resultam de desinformação.

O desconhecimento sobre seus rituais, símbolos e práticas contribui para a intolerância religiosa, manifestada em atos de vandalismo contra templos e discriminação social.

No primeiro semestre de 2024, o número de violações à liberdade religiosa no Brasil chegou a 1.940 registros no Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos, sendo a maioria contra religiões de matriz africanas.

O analfabetismo religioso em sociedades majoritariamente cristãs também afeta tradições como o judaísmo e o islamismo. No caso do judaísmo, a falta de compreensão sobre suas práticas pode perpetuar estereótipos históricos e o antissemitismo. Já os muçulmanos frequentemente enfrentam islamofobia, muitas vezes alimentada por ideias equivocadas sobre o Alcorão e os ensinamentos islâmicos.

Em sociedades onde outras religiões predominam, como o hinduísmo na Índia, comunidades cristãs podem ser marginalizadas por falta de conhecimento sobre seus ritos e valores. Isso pode levar à exclusão social e, em casos extremos, à violência sectária.

No Ocidente secularizado, o desconhecimento sobre religiões orientais, como o budismo e o hinduísmo, pode levar à simplificação de suas doutrinas em estereótipos ou apropriações culturais, desconsiderando sua profundidade espiritual e histórica.

E as consequências?

O analfabetismo religioso tem impactos negativos no indivíduo e na sociedade como um todo. Segundo o Relatório sobre o analfabetismo religioso na Itália, produzido em 2014, cerca de 70% dos italianos, tanto os que creem como os que não creem, nunca leem a Bíblia; apenas 30% dos italianos conseguem citar os quatro evangelistas e apenas 1% dos italianos conseguem enumerar os 10 mandamentos.

Entre as principais consequências, podemos destacar:

  • Dificuldade de desenvolvimento pessoal;
  • Fragilidade da identidade religiosa;
  • Intolerância e preconceito;
  • Obstáculos ao diálogo inter-religioso;
  • Enfraquecimento da influência positiva da religião na sociedade.

Saiba mais: Religião e política: como as duas se relacionam?

Texto: O que é analfabetismo religioso?
Intolerância religiosa é crime. Imagem: Senado Federal

6 passos para combater o analfabetismo religioso

Combater o analfabetismo religioso exige uma ação multifacetada, envolvendo esforços individuais, comunitários e institucionais. Confira 6 passos para isso:

  1. Investir em programas educacionais que promovam o ensino religioso de qualidade, respeitando a autonomia das comunidades religiosas e oferecendo ferramentas para uma compreensão crítica e informada das diferentes tradições;
  2. Incentivar o diálogo inter-religioso: promover o diálogo e a troca de experiências entre diferentes tradições religiosas, buscando a compreensão mútua e a construção de pontes de diálogo;
  3. Combater a desinformação e o preconceito: estimular a educação para a tolerância e o respeito às diferentes religiões, combatendo a desinformação, os estereótipos e os preconceitos.
  4. Criar recursos e ferramentas pedagógicas: desenvolver materiais didáticos, plataformas online e recursos pedagógicos que facilitem o acesso ao conhecimento religioso e a compreensão da fé.

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Conteúdo escrito por:
Jequieense, nordestino até no frio, filho de dona Maria Lúcia, pai da Amora, técnico de Informática em constante aprendizado, instalador de sistemas fotovoltaicos, apaixonado por esportes, vegano, antifascista, anticapitalista e defensor dos direitos humanos. Formação humana moldada pelo Heavy Metal e Hardcore. Gosto de ler e escrever quando dá tempo.
Jesus, Maicon. O que é analfabetismo religioso?. Politize!, 26 de dezembro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/analfabetismo-religioso/.
Acesso em: 27 de dez, 2024.

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