Eunice Paiva foi uma advogada e ativista dos direitos humanos, que lutou contra a ditadura militar no Brasil. Seu nome voltou a ganhar destaque com o lançamento do filme “Ainda Estou Aqui”, com a interpretação de Fernanda Torres.
Devido ao sucesso do filme, a produção recebeu prêmios e indicações, como o Globo de Ouro conquistado por Fernanda Torres como melhor atriz de drama.
Você sabe quem foi Eunice Paiva e por que ela é considerada símbolo de resistência contra a ditadura militar? Acompanhe este texto para entender!
Quem foi Eunice Paiva
Eunice Paiva foi uma advogada, ativista e mãe de cinco filhos, que se tornou símbolo da resistência contra a ditadura militar brasileira.
Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva nasceu em São Paulo em 1929 e passou a sua infância no bairro do Brás, onde residia uma comunidade de italianos no Brasil desde o começo do século XX.
Aos 18 anos, Eunice se formou no curso de Letras na Universidade Mackenzie e já era fluente em francês e inglês. Mais tarde, em 1973, retomou os estudos e formou-se em Direito.
A advogada casou com o engenheiro Rubens Beyrodt Paiva aos 23 anos, com quem teve cinco filhos: Vera Sílvia Facciolla Paiva (1953), Maria Eliana Facciolla Paiva (1955), Ana Lúcia Facciolla Paiva (1957), Marcelo Rubens Paiva (1959) e Maria Beatriz Facciolla Paiva (1960).
Na vida política, seu marido se tornou deputado federal em 1962, porém em 1964, com o início do regime militar, seus direitos políticos foram cassados. Foi em 1971 que Rubens Paiva desapareceu após ser preso pelos agentes da ditadura.
Além dele, Eunice e sua filha Eliana também foram detidas e interrogadas. Eliana foi liberada após 24 horas, porém Eunice ficou presa nas dependências do DOI-Codi durante 12 dias. Após sua saída, passou a questionar o paradeiro do marido e denunciar os crimes do regime, entretanto, não recebia respostas verídicas.
Saiba mais: Como era usada a tortura no regime militar?
Devido sua postura contrária ao regime militar, sua vida e a de seus filhos esteve sob vigilância constante, como mostram documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) divulgados em 2013, que registram monitoramentos entre 1971 e 1984.
Eunice conviveu com Alzheimer por 14 anos e faleceu em 2018, em São Paulo, aos 86 anos.
Atuação profissional
Eunice Paiva teve um papel de destaque na busca por informações sobre o desaparecimento de seu marido, Rubens Paiva, e liderou as campanhas pela abertura dos arquivos sobre as vítimas da ditadura militar brasileira.
Uma delas foi a pressão exercida para promulgação da Lei 9.140/95, que reconheceu como mortos os desaparecidos políticos da ditadura. Assim, foi apenas em 1996 que Eunice conseguiu que o Estado brasileiro emitisse o atestado de óbito de Rubens Paiva, sendo a única parente de desaparecido convidada a presenciar a assinatura da lei pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Como advogada, Eunice também destacou-se na defesa dos direitos indígenas. Atuou contra a violência e a expropriação indevida de terras sofridas por comunidades indígenas.
Em 1983, escreveu com Manuela Carneiro da Cunha o artigo “Defendam os pataxós”, considerado um marco na luta indígena no Brasil e que serviu de modelo para outros povos indígenas.
Fundou, em 1987, o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA), que atuou até 2001 em prol da autonomia dos povos indígenas. Seu conhecimento a levou a ser consultora da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, onde participou da redação da Constituição de 1988, que trouxe avanços significativos para os direitos humanos no Brasil.
Contexto histórico-político: ditadura militar
A ditadura militar brasileira (1964–1985) durou ao todo 21 anos, tendo 5 mandatos militares e 16 atos institucionais — mecanismos legais que se sobrepunham à Constituição Federal.
Este período da história foi marcado pela restrição da liberdade, censura e repressão aos opositores do regime. Durante esse período, milhares de pessoas foram perseguidas, torturadas e mortas, estivessem ou não envolvidas em atividades políticas que demonstrassem desacordo com o regime político em vigor.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão criado em 2012 para apurar os crimes da ditadura militar, concluiu que pelo menos 400 pessoas morreram ou desapareceram enquanto durou a ditadura militar.
Também registrou, através de relatórios, a comprovação de detenções ilegais e arbitrárias, ações de tortura, execuções, desaparecimento forçado e ocultação de cadáveres por agentes do Estado. Mesmo assim, muitos dos crimes cometidos durante a ditadura brasileira não foram punidos.
A Lei da Anistia, de 1979, determinou a não punição de ativistas e agentes do Estado pelas práticas executadas durante a ditadura militar. A criação da lei foi determinante para a redemocratização do país e foi uma das medidas adotadas no contexto de abertura política do regime militar.
A estratégia utilizada pelos governantes do regime foi a de que, somente anistiados os militares, o governo iniciaria o processo de transição democrática.
Apesar disso, diversos órgãos do Brasil e do mundo entraram com ações para solicitar a condenação dos agentes que cometeram crimes durante o regime, incluindo o Ministério Público Federal (MPF) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por exemplo.
A primeira condenação ocorreu em 2021, quando o delegado aposentado Carlos Alberto Augusto foi condenado a 2 anos e 11 meses de prisão pelo sequestro de Edgar de Aquino Duarte.
Caso de Rubens Paiva retratado no filme ‘Ainda Estou Aqui’
Segundo informações da Comissão, Rubens Paiva foi torturado de forma “extremamente violenta”, e essa pode ter sido a principal causa da morte.
Rubens Beyrodt Paiva, nascido em 1929 na cidade de Santos, litoral de São Paulo, formou-se em engenharia civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1953. Em sua atuação política, foi vice-presidente da União Estadual dos Estudantes em São Paulo e foi eleito deputado federal em 1962 pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Durante seu mandato, ele foi vice-presidente da CPI do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que buscavam investigar o financiamento de grupos que supostamente conspiravam contra o governo do então presidente da República, João Goulart.
Este foi o motivo que fez com que seu nome fosse incluído na lista dos primeiros políticos cassados no golpe militar.
Rubens Paiva sempre se posicionou contra o regime militar e chamava seus apoiadores de fascistas e golpistas. Além disso, defendia as reformas de base propostas por João Goulart.
Após a cassação do seu mandato, o ex-deputado se exilou na Embaixada da Iugoslávia, e, posteriormente, passou pela França e Inglaterra, retornando para o Brasil em 1965, inicialmente vivendo em São Paulo, mas logo em seguida se consolidando no Rio de Janeiro.
Foi em 1971 que Rubens Paiva foi preso após terem encontrado cartas de militantes políticos exilados no Chile. Por ser um dos destinatários das correspondências, os militares o levaram em seu próprio carro para prestar depoimento.
A partir daquele dia, ele passou a ser torturado e, no dia seguinte, Eunice Paiva e sua filha Eliane, com 15 anos, também foram presas. Eliane foi liberada no dia seguinte, porém a mãe permaneceu presa por 12 dias.
Saiba mais: Saiba quais foram os crimes da ditadura militar e suas consequências
Desde sua prisão, Rubens Paiva nunca mais foi visto e seu corpo nunca foi encontrado. Na versão oficial do Exército, ele teria sido sequestrado por militantes durante uma transferência e foi dado como desaparecido.
Entretanto, em 2012, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), apresentou documentos e depoimentos que mostraram a entrada do político no DOI-CODI, provando que ele havia sido torturado e morreu devido aos ferimentos graves.
Seu nome só foi incluído na lista de desaparecidos da ditadura militar em 1996, só então a família recebeu a certidão de óbito do ex-parlamentar.
Veja também nosso vídeo sobre a ditadura militar!
Homenagens à Eunice Paiva
A trajetória de Eunice Paiva inspirou diversas homenagens. Em 1978, o documentário “Eunice, Clarice, Thereza”, dirigido por Joatan Berbel, destacou sua história ao lado de outras viúvas de vítimas da ditadura, como Clarice Herzog (viúva do jornalista Vladimir Herzog) e Thereza Fiel (viúva do operário Manuel Fiel Filho).
Juntas, elas simbolizam a resistência feminina diante da repressão do regime militar.
Em 2015, o romance autobiográfico “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, seu filho, revisitou sua vida e o impacto da ditadura sobre a família Paiva.
O livro foi amplamente elogiado, recebendo o terceiro lugar no Prêmio Jabuti na categoria indicação do leitor e foi indicado aos prêmios Oceanos e Governador do Estado, entrando na lista dos melhores livros de 2015, do jornal O Globo.
Essa obra serviu de base para o filme homônimo, lançado em 2024, dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello.
Eunice também foi homenageada postumamente pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que lhe concedeu, em 2024, o Colar de Honra ao Mérito Legislativo, destacando seu papel na luta contra a ditadura ao lado de Clarice Herzog e Ana Dias.
Filme “Ainda Estou Aqui” (2024)
O longa-metragem “Ainda Estou Aqui” retrata a história de Eunice e Rubens Paiva durante os anos de repressão da ditadura militar.
Baseado na autobiografia de Marcelo Rubens Paiva, o filme, dirigido por Walter Salles, foca no impacto do desaparecimento de Rubens sobre Eunice e seus cinco filhos, destacando a força e resiliência dessa mulher que enfrentou o regime enquanto mantinha sua família unida.
Fernanda Torres, no papel de Eunice, e Selton Mello, como Rubens, emocionaram plateias ao redor do mundo. A narrativa se passa no início dos anos 1970, retratando como Eunice lidou com a prisão do marido, sua própria detenção e a luta incessante por respostas.
O filme não só retrata a vida pessoal de Eunice e sua família, mas também o impacto do regime militar na vida de milhares de brasileiros. A trama aborda temas como perda, coragem e resiliência.
O filme ganhou destaque internacional, recebendo prêmios importantes como Melhor Roteiro no Festival de Veneza de 2024, o Globo de Ouro 2025 na categoria melhor atriz em filme de drama, pela atuação de Fernanda Torres e foi escolhido para representar o Brasil no Oscar 2025 na categoria melhor filme internacional.
Globo de Ouro 2025
Fernanda Torres fez história ao vencer o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”. A premiação, realizada no dia 5 de janeiro, destacou o talento da atriz brasileira que superou nomes como Nicole Kidman, Angelina Jolie, Tilda Swinton, Pamela Anderson e Kate Winslet.
No discurso de aceitação, Fernanda dedicou o prêmio à sua mãe, Fernanda Montenegro, e destacou a importância da arte como forma de resistência e memória, especialmente em períodos difíceis, como os enfrentados por Eunice Paiva, personagem que ela retratou no longa.
“A arte pode permanecer na vida das pessoas, mesmo em momentos difíceis”, afirmou a atriz emocionada.
Esta vitória marca um feito inédito para o cinema brasileiro na categoria de Melhor Atriz em Drama, sendo a primeira conquista desde 1999, quando Central do Brasil venceu como Melhor Filme em Língua Estrangeira. Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres, foi indicada ao mesmo prêmio naquela ocasião, embora não tenha levado o prêmio.
Além de comemorar a vitória pessoal, Fernanda Torres elogiou o diretor Walter Salles e o filme, que revisitou a trajetória de Eunice Paiva, “Enquanto vemos tanto medo no mundo, esse filme nos ajudou a pensar em como sobreviver em tempos difíceis como esses”.
O Globo de Ouro é uma das principais premiações do cinema, sendo considerado um “termômetro” para o Oscar.
Oscar 2025
A Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais anunciou “Ainda Estou Aqui” como o representante oficial do Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar 2025 na categoria de Melhor Filme Internacional.
Dirigido por Walter Salles, o longa desbancou outros candidatos, como “Motel Destino” e “Cidade; Campo”, consolidando-se como a principal aposta do país.
Desde sua estreia no Festival de Veneza, onde ganhou o prêmio de Melhor Roteiro, o filme passou a ser aclamado internacionalmente. Ele também foi exibido em festivais prestigiados como o Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF) e o Festival de Nova York, consolidando sua posição como forte candidato em várias categorias do Oscar.
Atualmente é cotado para o Oscar como forte candidato nas categorias de Melhor Filme Internacional, Melhor Atriz para Fernanda Torres, Melhor Direção, Figurino, Roteiro Adaptado e Direção de Arte e Melhor Filme. Selton Mello, que interpreta Rubens Paiva, também foi mencionado como possível indicado a Melhor Ator Coadjuvante.
Distribuído pela Sony Pictures Classics nos Estados Unidos, “Ainda Estou Aqui” conta com a participação especial de Fernanda Montenegro e já é considerado um marco para o cinema brasileiro.
As indicações ao Oscar serão anunciadas oficialmente em 17 de janeiro de 2025, e a cerimônia de premiação está prevista para o dia 2 de março de 2025. A vitória no Globo de Ouro aumenta as chances de sucesso na premiação mais importante do cinema mundial.
E aí, entendeu quem foi Eunice Paiva? Deixe suas dúvidas nos comentários!
Referências
- Ana Cristina Teodósio – Enredos de resistência da família Paiva: violência política, solidariedade e afetuosidade (1971-2015)
- CNN Brasil – “Ainda Estou Aqui” é escolhido para representar o Brasil no Oscar 2025
- CNN Brasil – “Ainda Estou Aqui”: quem foi Rubens Paiva, ex-deputado tema de filme e morto na ditadura
- CNN Brasil – Quem foi Eunice Paiva, personagem de Fernanda Torres em “Ainda Estou Aqui”
- Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Beirodt Paiva
- G1 – Fernanda Torres ganha Globo de Ouro de melhor atriz e dedica prêmio a Fernanda Montenegro
- Instituto Vladimir Herzog – Morre Eunice Paiva, protagonista na luta contra a ditadura
- Migalhas – Saiba quem foi Eunice Paiva, advogada interpretada por Fernanda Torres
- O Globo – Eles ainda estão aqui: filhos de Eunice e Rubens Paiva falam sobre o filme que retrata a luta da mãe contra a ditadura
- Politize! – Saiba quais foram os crimes da ditadura militar e suas consequências
- UOL – Quem foi Eunice Paiva, papel que rendeu Globo de Ouro para Fernanda Torres