As favelas, um símbolo da desigualdade social brasileira, são comunidades densamente povoadas que surgiram em áreas periféricas das cidades, muitas vezes caracterizadas por moradias precárias, falta de infraestrutura básica e altos índices de pobreza.
Apesar de enfrentar diversos desafios, as favelas também são palco de uma rica cultura, resiliência e luta por melhores condições de vida.
Continue a leitura para saber mais sobre as favelas brasileiras!
Mas afinal, você sabe o que é uma favela?
As favelas no Brasil são áreas urbanas densamente povoadas, com habitações precárias e infraestrutura inadequada, caracterizadas pela falta de saneamento básico. Essas características existem desde 1960, conforme explicado no trecho do livro “Quarto de Despejo: diário de uma favelada”, escrito por Carolina Maria de Jesus:
“Sonhei que eu residia numa casa residivel, tinha banheiro, cozinha, copa e até quarto de criada. Eu ia festejar o aniversário da minha filha Vera Eunice… Sentei na mesa para comer. A toalha era alva ao lírio. Eu comia bife, pão com manteiga, batata frita e salada. Quando fui pegar outro bife despertei. Que realidade amarga! Eu não residia na cidade. Estava na favela. Na lama, às margens do Tietê” (p. 35).
No livro “A Invenção da Favela: Do Mito de Origem a Favela.com.”, que foi publicado em 2005 pela escritora Licia do Prado Valladares, as favelas geralmente fica localizadas em terrenos íngremes, alagadiços ou periféricos, áreas negligenciadas pelo mercado imobiliário formal
Segundo a pesquisa do Data Favela de 2023, existem mais de 13 mil favelas no Brasil, com cerca de 5,8 milhões de casas e 17,9 milhões de moradores, o que ocasiona a expansão das favelas seja por meio de construções de novas casas lado a lado (horizontalização) ou em cima de habitações já existentes (verticalização).
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A história das favelas no Brasil
O surgimento das favelas no Brasil está intrinsecamente ligado à história da urbanização e da desigualdade social. No início do século XX, a intensa migração do campo para as cidades, impulsionada pela industrialização, gerou uma demanda crescente por moradia que o Estado não conseguia suprir.
A falta de políticas habitacionais adequadas e a especulação imobiliária forçaram muitos migrantes a se instalarem em áreas periféricas e desvalorizadas, dando origem às primeiras favelas.
Saiba mais sobre o que Direito à moradia
A primeira favela brasileira estava localizada onde hoje é o Morro da Providência, no Rio de Janeiro. Os primeiros moradores do local dividiram o espaço com os ex-combatentes da Guerra de Canudos que, ao voltarem para o Rio de Janeiro, não foram tratados como heróis.
O local era conhecido como “Livramento” até a chegada dos ex-combatentes. Com a chegada deles, o local passou a ser chamado de “Favela”, em referência a um morro com esse nome em Canudos. A partir disso o atual Morro da Providência se tornou “Morro da Favella” por algum tempo.
As primeiras casas do morro foram erguidas no sopé no mesmo estilo das construções de Canudos que eram predominantemente construídas de alvenaria com paredes caiadas e telhados de madeira.
Saiba mais: Guerra de Canudos: o que foi?
A grande maioria dos habitantes da favela eram trabalhadores de uma pedreira no morro, mina que funcionou até 1968, quando ocorreu um desabamento que vitimou 36 pessoas.
Já em 1904, a prefeitura do Rio de Janeiro optou por desocupar o morro da Favela, porém a Revolta da Vacina suspendeu a reintegração de posse do local.
Uma das principais referências literárias que retratam o ocorrido é o livro Os Sertões, clássico de Euclides da Cunha.
Ao descrever o local onde os seguidores de Antônio Conselheiro se organizavam, a obra descreve: “uma elíptica curva fechada ao sul por um morro, o da Favela”. Além disso, relata que o nome da elevação geográfica tem origem em uma planta da localidade, a Jatropha phyllacantha, também chamada de “mandioca-brava” e “favela”, no sentido de “pequena fava”, “que era muito comum na região do povoado de Canudos.
O termo favela apareceu pela primeira vez em um documento oficial, em 4 de novembro de 1900, quando o delegado da 10ª Circunscrição e chefe de polícia da época redigiu um documento se referindo ao Morro da Providência como “favela”.
A realidade das favelas no século XXI
Atualmente, as favelas são uma realidade presente em todo o Brasil, concentrando uma parcela significativa da população. As casas nas favelas são frequentemente construídas com materiais de baixo custo, como madeira, tijolos e papelão, e muitas vezes não possuem acesso à água encanada, esgoto e energia elétrica, além disso enfrenta problemas de infraestrutura, como ruas sem pavimentação, falta de iluminação pública, coleta de lixo inadequada e transporte público deficiente.
As favelas são marcadas por altos índices de pobreza, com elevadas taxas de desemprego, subemprego e renda per capita baixa. Uma pesquisa da Universidade Federal Fluminense revelou que nas favelas há desigualdade de renda e de habitação. Algumas áreas têm moradores com uma média de R$539 a mais na renda per capita, nessas mesmas áreas o número de pessoas brancas é superior (36%) ao de pessoas negras (26%)
A falta de acesso à educação, saúde, trabalho e oportunidades limita o desenvolvimento social e econômico dos moradores, aumentando a violência e a criminalidade , muitas vezes associadas à presença do tráfico de drogas e à atuação de milícias.
A cultura e a resistência nas favelas
No entanto, a favela também possui uma enriquecedora cultura, que fica oculta devido as caracteristicas estigmatizadas, como na música e na arte.
Nos anos 20, além das escolas de samba, Noel Rosa foi o primeiro que trouxe a cultura viva da favela para a sociedade. Na junção do boêmio carioca de poesia com samba, Rosa lançou sucessos cantados no Carnaval até hoje, como, por exemplo, Com que Roupa (1929), Fita Amarela(1932) e Conversa de Botequim(1935). Outro sambista que elevou o ritmo cultural da favela de patamar foi Ary Barroso, compositor de um dos maiores clássicos da MPB, Aquarela do Brasil.
Nos anos 50, tivemos a introdução do violão da bossa nova deJoão Gilberto. Na década de 70, Tim Maia e Jorge Ben Jor misturaram a música negra americana com o samba, trazendo o samba soul e o samba-rock para nossa discoteca e enriquecendo a cultura da favela.
Nos anos 80, nasceu o pagode. Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Beth Carvalhoe outros sambistas trouxeram de volta a cultura da roda de samba e a cultura da favela para as músicas mais tocadas do país. Ainda nosanos 80, o rap aterrissou em São Paulo como Racionais MC’s, grupo de Mano Brown, quevirou a maior inspiração para outros músicos, como Marcelo D2, MV Bill, Sabotage, Emicida, Criolo e Negra Li.
Parte desta cultura já tem a sua força reconhecida, como o passinho, que virou patrimônio cultural do Rio de Janeiro após a aprovação do projeto de lei Nº 390/2017.
Programas e projetos
O Coro LGBTQIA+ Da Rocinha, criado em 2022, pela Associação Cultural Professor Hans Ulrich Koch, é voltado para jovens e adultos LGBTQIA+ moradores da Rocinha, no Rio de Janeiro, ou de outras comunidades do entorno. Além das aulas de canto coral, promove rodas de conversas com pessoas que atuam na defesa de direitos da população LGBTQIA+ e presta apoio social e psicológico para o grupo.
Vida em Movimento é projeto realizado pela AMIS – Associação Morumbi de Integração Social, pretende democratizar o acesso à cultura e difundir a dança clássica para a população da comunidade da Vila Andrade, São Paulo.
Arte nas Vielas da Maré, realizado pelo Instituto Vida Real, o projeto tem o objetivo de realizar oficinas de grafite para adolescentes residentes do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. A Favela Galeria é um projeto com mais de 300 obras gravadas nas paredes, portões e postes de São Mateus, Zona Leste da cidade de São Paulo. Esse acervo surgiu como ideia do Grupo OPNI (Objetos Pixadores Não Identificados), em 2009.
O Slam Laje que acontece no Complexo do Alemão é a primeira batalha de poesia realizada pelos moradores locais. Cada participante recita sua poesia e, todas elas, falam sobre algum aspecto da nossa realidade, como: educação, saúde, segurança pública, o cotidiano do morador de favela, etc.
A Taça das Favelas é o maior campeonato de favelas do mundo. O torneio de futebol, realizado pela Central Única das Favelas (CUFA) e produzido pela InFavela, empresa da Favela Holding, foi disputado pela primeira vez em 2012, no Rio de Janeiro.
Sustentabilidade
Foi em 2014 que surgiu a Quebrada Sustentável, buscando trazer o sistema agroflorestal para dentro da comunidade e aumentar as áreas verdes da região. Além de pequenas hortas, a área do projeto conta com mais de 20 mil árvores plantadas.
O projeto Feira da Roça foi outra iniciativa que surgiu para democratizar o acesso dos moradores a alimentos frescos e saudáveis a partir de uma cadeia produtiva sustentável que valoriza os pequenos produtores da região.
Monica Picavêa implantou na Brasilândia, em São Paulo, o primeiro projeto de transição para sustentabilidade em uma comunidade vulnerável. Para um dos ambientalistas mais respeitados da Grã-Bretanha, David King, uma cidade em que as pessoas caminhem mais e dirijam menos, que a vontade da comunidade seja respeitada e considerada no planejamento urbano, que estão presentes em favelas brasileiras, poderiam ser um exemplo para as cidades-verdes do futuro.
O Vale Encantado, comunidade situada na Floresta da Tijuca, Rio de Janeiro, considerada como incubadora de práticas sustentáveis inaugurou em junho de 2022 um biossistema para tratamento de todo o esgoto da interligando a todas as casas e tratando 100% do esgoto da comunidade, tornando-sea primeira favela com 100% de esgotamento ecológico no Rio de Janeiro.
Empreendedorismo
Por ser um exemplo vivo da dissonante realidade da desigualdade do Brasil, as favelas acabam por se tornar destino turístico de muitos estrangeiros. A ideia é poder ver de perto como funcionam as estruturas sociais de um complexo urbanístico como as favelas. Desse modo é possível organizar uma visita a um morro pacificado para poder ver como as pessoas nessa região vivem.
Com a pandemia de Covid-19, a Redes da Maré, lançou a Campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus, em março de 2020, com o objetivo estimular artistas, produtores e comunicadores populares das favelas da Maré, para que repensem suas atividades, nesse novo contexto de distanciamento social, e garantir sustentabilidade mínima para seus projetos artísticos, culturais e comunicacionais. Este projeto foi contemplado pela Lei de Incentivo à Cultura, com apoio do Itaú Cultural, apoio da People’s Palace Projects, patrocinado pelo Itaú e realizado pela Redes da Maré.
Negócios criados nas periferias do Rio Grande do Sul ganham protagonismo na economia gaúcha. Nos mais de mil territórios contabilizados no estado pela Central Única das Favelas (Cufa), em parceria com o IBGE, os empreendimentos movimentam R$ 12,5 bilhões por ano somente no RS.
O Dicionário de Favelas Marielle Franco foi criado para fomentar o intercâmbio, a produção e divulgação dos conhecimentos sobre as favelas em formato de verbetes, de uma forma coletiva, horizontal, utilizando uma tecnologia de ponta, a plataforma wiki, que é aberta, gratuita e livre, podendoser enviados por qualquer um que esteja inscrito como colaborador.
No Vidigal, Rio de Janeiro, a loja virtual Praiê vende cangas personalizadas para todo Brasil, comelementos do Vidigal em suas estampas, como gírias que a comunidade e conhece e imagens comuns do morro (mototáxi, poste com tênis amarrado).
Desafios e soluções para as favelas
A superação dos desafios enfrentados pelas favelas exige ações coordenadas e eficazes por parte do Estado, da sociedade civil e dos próprios moradores.
Para o prefeito reeleito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), em 2025 é prioridade urbanizar as favelas levando saneamento básico, mais escolas, mais serviços de saúde, mais creches para as mães que precisam trabalhar, mas também mais lazer, equipamentos de esporte e também de cultura
Esse esforço também está em sintonia com a Agenda 2030, especialmente o ODS 11, que busca urbanizar favelas e garantir moradia digna até 2030, promovendo o direito à cidade para todos.
No âmbito do Poder Judiciário, o Programa Permanente de Regularização Fundiária Plena de Núcleos Urbanos Informais e Favelas — “Solo Seguro Favela” tem por finalidade fomentar ações sociais, urbanísticas, jurídicas e ambientais relativas à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), incorporando núcleos informais ao ordenamento territorial urbano e titulando seus ocupantes com os respectivos registros imobiliários, com fundamento na Lei nº 13.465/2017.
Considerando as graves violações de direitos, em novembro de 2019, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) solicitou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, conhecida como ADPF das Favelas contra o governo do Rio de Janeiro, que tem como objetivo reduzir o histórico uso excessivo da força em operações policiais e a letalidade policial.
O fortalecimento da segurança comunitária, a promoção de programas sociais e educativos, o estímulo à geração de emprego e renda local, e o envolvimento ativo dos moradores no processo de transformação e desenvolvimento da comunidade
Um desses programas é a CUFA – Central Única das Favelas, fundada por Celso Athayde e tem como objetivo promover atividades culturais relacionadas a esporte, educação, cidadania e arte, através da cultura Hip-hop, promovendo a integração e inclusão social da favela.
Para entender mais sobre o que é a CUFA
A cultura da periferia dentro da periferia cumprem um papel de recuperação da autoestima e reconhecimento de uma existência que é socialmente negada e excluída. O jovem periférico vê na arte uma possibilidade de se fazer ouvir, de contar sua própria história e ter sua realidade vinculada a uma manifestação onde ele se reconheça e faça outros se reconhecerem.
Ao reconhecer a importância das favelas na construção da identidade regional e apoiar suas iniciativas, valorizando a diversidade cultural, promovendo o turismo consciente e apoiar projetos de desenvolvimento comunitário, estamos contribuindo para fortalecer a vida nessas favelas. O trabalho em conjunto entre moradores de favelas e jovens voluntários é a base para construir uma sociedade mais justa e sem pobreza.
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Rerefências:
- Anafisco – Conheça a história da primeira favela do Brasil
- BBC Nesw Brasil – ‘Favelas poderiam servir de modelo para cidades do futuro’
- Brasil escola – Favela
- Brasil de Fato – Com mais de 2 mil verbetes, Dicionário de Favelas Marielle Franco, o wikiFavelas, completa cinco anos
- CCN Brasil – Cerca de 8% da população brasileira mora em favelas, diz Instituto Locomotiva
- CCN Brasil – Urbanizar vilas e favelas é prioridade para 2025, diz Fuad à CNN
- Correio Braziliense – Solo Seguro Favela leva dignidade e segurança jurídica a comunidades
- Educação e território – Favelas e Comunidades Urbana
- Favela tem Memória – As favelas e as suas maravilhas ocultas
- Gerando Falcões – Cultura da favela e seus estilos musicais
- G1 – ‘Favela não é carência, é potência’: empreendedores periféricos movimentam mais de R$ 12 bilhões por ano no RS
- Incentiv – Como projetos incentivados transformam vidas nas favelas?
- JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 8. ed. Série Sinal Aberto. São Paulo: Ática. 2005
- IBASE – Favelas uma condição urbana de caráter nacional
- INVIVO – Como as favelas crescem?
- O Globo – O mapa da cultura na favela
- Politize! – Entenda as origens e o impacto da favelização no Brasil | Politize
- Pixel Show – Arte, urbanismo e periferia: conheça artistas que subvertem os espaços no Brasil
- Redes de Maré- Arte, Cultura, Memórias e Identidades Novas Formas de fazer arte, cultura e comunicação nas favelas
- Valladares, Licia do Prado. “A Invenção da Favela: Do Mito de Origem a Favela.com.” Editora FGV, 2005.
- Termo Territorial Coletivo – Uma Urbanista Responde: O Que é uma Favela?
- Um Só Planeta – Favelas mais verdes: iniciativas de impacto socioambiental ganham espaço nas comunidades brasileiras
- VEJA – Por dentro do país chamado favela
- Voz das Comunidades – #ArtigodeOpinião – Favela e cultura: criamos aquilo que sempre nos foi negado#ArtigodeOpinião – Favela e cultura: criamos aquilo que sempre nos foi negado#ArtigodeOpinião – Favela e cultura: criamos aquilo que sempre nos foi negado#ArtigodeOpinião – Favela e cultura: criamos aquilo que sempre nos foi negado
- Voz das Comunidades – A favela cria: Saiba quais são as tendências do verão 2025 no Alemão e Vidigal
- Wiki Favelas – Favela É Resistência em Sua Essência
- Wiki Favelas – Sustentabilidade e ação ambiental nas favelas