O carnaval é uma das maiores manifestações populares do Brasil. É através dos desfiles de escolas de samba que parte de nossa história é contada nas letras de sambas enredo. Essas composições podem homenagear figuras importantes, denunciar desigualdades ou até celebrar as belezas do país.
Alguns ficaram mais conhecidos do que outros na história, outros foram regravados por cantores de diferentes gêneros musicais. É possível que você já tenha ouvido algum samba enredo, mas tenha se perguntado: de onde vem essa história?
Por isso, neste texto, a Politize! conta a história dos sambas enredo e traz uma lista de 10 sambas enredo que contam a história do Brasil. Acompanhe!
O que são sambas-enredo?
O samba enredo é um dos elementos mais importantes do carnaval. É a partir dele que a história desfile é contado e, assim, transmite-se a mensagem do tema escolhido.
O samba-enredo é considerado um subgênero do samba urbano e contém a letra como o tema do desfile e uma melodia de samba acompanhando a letra.
Saiba mais: Escolas de samba, política e sociedade brasileira
Como surgiu samba enredo?
A primeira escola de samba do Brasil foi a Deixa Falar, fundada em 12 de agosto de 1928, enquanto o primeiro desfile das escolas de samba aconteceu em 1932, na Praça Onze, Rio de Janeiro.
A princípio, os desfiles não contavam com um samba-enredo. Inicialmente, os sambas eram tocados na base do improviso e o sambista responsável, chamado de puxador, poderia cantar mais de uma música.
Ao longo da década de 1930, o desfile de escola de samba foi se profissionalizando e isso pediu uma adaptação dos sambas-enredo, que passaram a ser submetidos a uma série de regras estabelecidas previamente. A partir dessa mudança, a improvisação foi proibida e os sambas-enredo surgiu, sendo produzidos previamente pelos sambistas das escolas que desfilavam.
Isso aconteceu para facilitar o trabalho dos jurados que avaliavam os desfiles, pois assim, eles teriam acesso à letra do samba com antecedência.
Durante o Estado Novo, um dos principais objetivos do governo de Getúlio Vargas foi tentar pôr fim à instabilidade e rejeição popular pelo qual a República passava. Assim, Vargas investiu na reconstrução de novos ícones da identidade nacional. Portanto, enquanto esteve no poder, o então presidente aproveitou a popularização do samba para auxiliar sua difusão e afirmação como ícone nacional.
Em 1935, Getúlio Vargas fez um acordo com as escolas de samba para que, em troca de verba pública, as agremiações retratasse temas brasileiros, tornando um regulamento oficial da entidade responsável pelo julgamento dos desfiles na época, a União das Escolas de Samba.
Então, se inicialmente, os sambas enredo tratavam de suas relações e rixas entre as escolas, neste momento, na busca de tornar o samba como ferramenta de propaganda patriótica, os letristas das escolas escreviam temas que promoviam a exaltação da cultura brasileira e passagens da história do Brasil, devido ao interesse do governo da época.
Enquanto durante quase três décadas, os enredos focavam na exaltação à República, aos presidentes e as histórias do Brasil Império, em 1957, o Salgueiro fugiu dos temas patrióticos e trouxe o outro lado da história do Brasil, desfilando com “Navio Negreiro”, primeiro samba sobre o tráfico de escravos.
Assim, os sambas enredo passaram a incluir temas da cultura afro-brasileira e suas personalidades marcantes, como Zumbi dos Palmares e Xica da Silva. O que marcou uma evolução já que, anteriormente, havia iniciativas para “desafricanizar” o samba no Brasil.
Uma curiosidade foi que nos anos 1950, os sambas enredo ficaram conhecidos como samba-lençol, por serem extensos e com mais de 40 versos, frequentemente. Exemplo disso é o samba “Aquarela Brasileira” do Império Serrano (1964), cuja música não tem refrão e possui uma letra descritiva e com versos longos.
Outra mudança temática ocorreu a partir de 1966, com o lançamento de enredos literários, como “Memórias de um Sargento de Milícias”, pela Portela, e o enredo sobre a obra infantil de Monteiro Lobato pela Mangueira.
Da década de 1960 em diante, os sambas-enredo começaram a ganhar espaço foram dos desfiles de carnaval, popularizando na cultura brasileira, graças a gravação dos sambas-enredo em LPS, comercializados para o grande público.
Qual é o papel de um samba enredo?
O samba-enredo é um critério fundamental dos desfiles, sendo um quesito de avaliação das escolas de samba durante os desfiles. A sua importância se dá devido à responsabilidade por puxar o desfile e dar vida ao enredo explorado pela escola de samba.
Além disso, o processo de escolha de um samba enredo é criterioso. Muitas escolas organizam uma espécie de “concurso” no qual compositores inscrevem suas letras para ser escolhida pela diretoria da escola por meio de uma disputa.
É comum encontrar nos sambas enredos a presença de:
- Críticas sociais;
- Denúncias ao racismo e a desigualdade social;
- Exaltação à história e à cultura afro-brasileira;
- História de personalidades marcantes;
- Elementos de religiões de matriz africana.
Existe o entendimento do samba enredo também ser um instrumento pedagógico de revisão da história oficial. Exemplo disso, são as letras nas quais os compositores contam a história da abolição da escravatura sem a centralidade da figura da Princesa Isabel e colocam o protagonismo na luta dos povos escravizados.
Dessa forma, o samba enredo tem a proposta de ser visto como um instrumento de educação popular.
A quantidade de sambas enredo que assumem este papel é incontável, mas a seguir, você pode conferir uma lista de 10 sambas enredo que contam a história do Brasil.
1. Exaltação a Tiradentes (Império Serrano, 1949)
Este é considerado o primeiro samba enredo a fazer sucesso. Nele, exalta-se a figura de Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, personagem marcante da Inconfidência Mineira (1789-1792).
Esse samba fez parte da propaganda ufanista do governo Vargas e tornou-se o principal clássico do gênero no período.
“Joaquim José da Silva Xavier
Morreu a 21 de abril
Pela Independência do Brasil
Foi traído e não traiu jamais
A Inconfidência de Minas Gerais
Joaquim José da Silva Xavier
Era o nome de Tiradentes
Foi sacrificado pela nossa liberdade
Este grande herói
Pra sempre há de ser lembrado”
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2. Xica da Silva (Salgueiro, 1963)
A história da ex-escrava que chegou à alta sociedade foi narrada pelo Salgueiro e marcou o primeiro desfile na avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro.
A escola decidiu homenagear personalidades negras importantes e que não eram tão conhecidas pelo público. Essa foi a primeira vez que uma personagem feminina foi tema central do carnaval do Rio.
“Com a influência e o poder do seu amor
Que superou a barreira da cor
Francisca da Silva, do cativeiro zombou
No Arraial do Tijuco
Lá no Estado de Minas
Hoje lendária cidade
Seu lindo nome é Diamantina”
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3. Heróis da liberdade (Império serrano,1969)
Outro samba enredo marcante do Império Serrano foi lançado em 1969 durante a ditadura militar. Neste samba, a escola exalta a liberdade publicamente, um ano depois do Ato Institucional nº 5.
Antes de levar para o desfile, os compositores foram chamados pela censura e obrigados a mudar a frase “é a revolução em sua legítima razão” para “é a evolução em sua legítima razão”.
“Já raiou a liberdade
A liberdade já raiou
Esta brisa que a juventude afaga
Esta chama que o ódio não apaga
Pelo universo é a evolução
Em sua legítima razão”
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4. Festa para um rei negro (Salgueiro, 1971)
Em 1971, Salgueiro segue na temática negra e leva para a avenida o enredo “Festa para um rei negro”, que conta sobre a visita de príncipes africanos a Pernambuco, um momento pouco conhecido na história do Brasil.
O samba, de caráter popular, ficou conhecido como “Pega no Ganzê”.
“Nos anais da nossa história vamos encontrar
Personagens de outrora
Que iremos recordar
Sua vida, sua glória
Seu passado imortal
Que beleza a nobreza do tempo colonial
O-lê-lê, ô-lá-lá
Pega no ganzê
Pega no ganzá!”
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5. Onde o Brasil aprendeu a liberdade (Vila Isabel, 1972)
Este samba conta uma parte importante da história do Brasil, através das manifestações culturais de Pernambuco.
Esta composição é uma homenagem à Festa da Pitomba, que acontece anualmente nos Montes Guararapes, em agradecimento pela vitória contra os holandeses nas Batalhas dos Guararapes.
“Aprendeu-se a liberdade
Combatendo em Guararapes
Entre flechas e tacapes
Facas, fuzis e canhões
Brasileiros irmanados
Sem senhores, sem senzala
E a Senhora dos Prazeres
Transformando pedra em bala
Bom Nassau já foi embora
Fez-se a revolução
E a Festa da Pitomba é a reconstituição”
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6. Palmares, raízes da liberdade (Nenê da Vila Matilde, 1982)
A Nenê da Vila Matilde, escola da Zona Leste de São Paulo, versou sobre o Quilombo dos Palmares em 1982.
Neste samba, a Nenê, também considerado como um quilombo, conta a história de Zumbi dos Palmares e fala sobre a nobreza desse território sagrado. Para a agremiação, o Quilombo dos Palmares é um símbolo da liberdade da população negra.
“Zumbi lutou
Até que a morte o libertou
E uma nova aurora conquistou
Ôôô ôôô
Se ouvia um feroz clamor
Ôôô ôôô
Se cuida branco que o negro não tem senhor
No terrível horror do cativeiro
Ao esplendor
Palmares o quilombo pioneiro
Superou a dor
O negro soube se unir ao índio e ao branco pobre
Eram três raças a sorrir
Era um Brasil mais nobre”
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7. Cem anos de liberdade, realidade ou ilusão? (Mangueira,1988)
A abolição da escravidão no Brasil ocorreu em 1888, no entanto, para que a liberdade fosse conquistada, houve muita disputa e muita luta. Por isso, 100 anos depois, a Estação Primeira de Mangueira questionou se foi tudo uma ilusão, com o enredo de 1988.
“Será…
Que já raiou a liberdade
Ou se foi tudo ilusão
Será…
Que a Lei Áurea tão sonhada
Há tanto tempo assinada
Não foi o fim da escravidão
Hoje dentro da realidade
Onde está a liberdade?
Onde está que ninguém viu
Moço
Não se esqueça que o negro também construiu
As riquezas de nosso Brasil”
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8. Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós (Imperatriz Leopoldinense, 1989)
Em 1989, a Imperatriz Leopoldinense exaltou os 100 anos da Proclamação da República (1889) com este enredo e aborda os acontecimentos dessa época, como o declínio do Império brasileiro, a Guerra do Paraguai, a chegada dos imigrantes e a abolição da escravidão.
No entanto, diferente de outras escolas de samba, a Imperatriz optou por seguir a narrativa “oficial” da história para contar no enredo e foi alvo de críticas, ao retratar a assinatura da Lei Áurea como benevolência da família real, por exemplo.
Além disso, o momento marca o período de redemocratização.
“Liberdade, liberdade!
Abra as asas sobre nós (bis)
E que a voz da igualdade
Seja sempre a nossa voz
Vem, vem, vem reviver comigo amor
O centenário em poesia
Nesta pátria, mãe querida
O império decadente, muito rico, incoerente
Era fidalguia”
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9. Paulicéia Desvairada: 70 anos de Modernismo (Estácio de Sá, 1992)
Este samba enredo fala sobre a semana de 1922, um dos marcos da cultura brasileira, que contou com nomes como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti e Di Cavalcanti.
A letra fala sobre a diversidade de artes abordadas na semana e, principalmente, dos fundamentos do movimento, que retratavam o cotidiano brasileiro, a revitalização da arte barroca e a diminuição da adoração à arte europeia.
“Músicos, atores, escultores
Pintores, poetas e compositores
Expoentes de um grande país
Mostraram ao mundo o perfil do brasileiro
Malandro, bonito, sagaz e maneiro
Que canta e dança, pinta e borda e é feliz
E assim transformaram os conceitos sociais
E resgataram pra nossa cultura
A beleza do folclore
E a riqueza do barroco nacional
Modernismo movimento cultural
No país da Tropicália
Tudo acaba em carnaval”
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Veja também: Aprenda a diferença entre modernismo e pós-modernismo
10. História para ninar gente grande (Mangueira, 2019)
Da história recente dos sambas enredos, trouxemos o samba da Mangueira que retrata os marginalizados pela história do Brasil, defendendo os pobres, negros e indígenas.
Aqui, personagens como Pedro Álvares Cabral, Dom Pedro I e Princesa Isabel são substituídos por personalidades das camadas populares, como Dandara, Cunhambebe, Maria Filipa de Oliveira e Chico da Matilde.
“Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato”
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E aí, conhece outros sambas que poderiam entrar na lista? Conte para a gente nos comentários!
Referências:
- Alma Preta – Conheça 10 sambas enredo históricos que exaltam a resistência negra no Brasil
- Casa Natura Musical – 7 sambas-enredo que entraram para a história
- Galeria do Samba – Acadêmicos do Salgueiro
- Multi Rio – A história do Rio de Janeiro contada por sambas-enredos
- Pragmatismo político – Quando os sambas de enredo contam histórias na avenida em meio ao carnaval
- Sabra – Sambas-enredo que entraram para a história
- Samba Rio – A Evolução dos Desfiles
- Super Interessante – 7 sambas-enredo que ensinam mais do que seu professor de colégio