O termo “incel” tem ganhado notoriedade ao longo dos últimos anos, especialmente com o aumento da popularidade de discussões sobre questões de gênero e relacionamento, muitas vezes marcadas por um tom negativo.
Mas, o que exatamente significa ser um “incel”?
Neste artigo, vamos explorar o conceito de incel, a história de sua origem, as crenças predominantes dessa comunidade e o que a torna tão polêmica e, em muitos casos, perigosa.
O que significa “incel”?
“Incel” é a abreviação de “involuntary celibate” (celibatário involuntário, em tradução livre). O termo surgiu nos anos 1990, de forma relativamente inocente, como uma expressão para descrever pessoas que, por diversas razões, não conseguiam estabelecer relacionamentos românticos ou sexuais.
A palavra foi inicialmente criada por uma mulher chamada Alana, que buscava um espaço para discutir sua própria experiência com o celibato e a timidez, sentimentos comuns a muitas pessoas que se viam socialmente desconfortáveis. A ideia era ser um espaço de apoio para quem estava passando por essas dificuldades.
Entretanto, ao longo dos anos, o termo saiu da bolha de sua criadora e passou a ser apropriado por homens, em sua maioria, que se sentiam excluídos e rejeitados, especialmente em relação a suas interações com mulheres.
O ambiente da internet, com seu anonimato e capacidade de reunir grupos de pessoas com interesses e vivências similares, ajudou a transformar o incel em uma subcultura bem definida.
A evolução do incel e sua presença online
A subcultura incel, como ela é conhecida hoje, se desenvolveu em fóruns da internet. Muitos homens começaram a se reunir em espaços online onde poderiam discutir suas frustrações e sentimentos de inadequação sem serem identificados.

Nesses espaços, as discussões frequentemente giram em torno da incapacidade de estabelecer relacionamentos românticos, geralmente devido à percepção de que eles não são fisicamente atraentes o suficiente ou não possuem as qualidades desejadas pelas mulheres.
A troca de experiências e a busca por apoio também abriram espaço para discursos mais agressivos, com membros da comunidade compartilhando ideias consideradas misóginas e até incitando a violência contra as mulheres.
Um exemplo notável desse comportamento extremo foi o ataque em Isla Vista, Califórnia, em 2014, onde Elliot Rodger, um autoproclamado incel. Ele matou seis pessoas antes de cometer suicídio, alegando estar se vingando das mulheres que o rejeitavam.
Outro caso é o de Alex Minassian. Em 2018, o rapaz de 25 anos foi o autor do atropelamento que causou a morte de dez pedestres, das quais oito eram mulheres. Os investigadores encontraram postagens no Facebook de Alex que faziam referência a Elliot Rodger, mencionado acima. Nas mensagens, ele também declarava que “a rebelião incel começou”.
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O que é a “machosfera” ou comunidade masculinista?
A comunidade incel é parte de um grupo maior de comunidades que circulam na internet, frequentemente referidas como a “machosfera”. Esse termo engloba várias subculturas antifeministas, e, em alguns casos, incitam violência. A machosfera pode ser dividida em quatro principais grupos:
- Pickup Artists (PUAs): são homens que acreditam que podem “manipular” as mulheres para que se envolvam com eles sexualmente por meio de um conjunto de táticas e comportamentos chamados de “jogo”;
- Men Going Their Own Way (MGTOW): defendem que os homens se afastem das mulheres e abandonem as interações sociais tradicionais, adotando uma visão de independência radical;
- Men’s Rights Activists (MRAs): são focados em questões legais e políticas, especialmente em relação a tratamentos percebidos como injustos contra homens, como no caso de divórcios e pensões alimentícias;
- Incels: enquanto os PUAs e MRAs buscam estratégias para atrair ou reivindicar direitos, os incels se veem como vítimas da “hipergamia”, uma suposta preferência das mulheres por homens altamente atraentes, o que, segundo eles, os condena ao celibato involuntário.
Ideias defendidas pelos incels
A comunidade incel compartilha algumas crenças comuns, que incluem uma visão determinista da biologia e da evolução.
Um dos pilares dessa ideologia é a crença na “hipergamia”, que sugere que as mulheres são programadas biologicamente para buscar apenas os homens mais atraentes fisicamente, o que, para os incels, resulta em um sistema de exclusão onde os homens que não atendem aos padrões de beleza ou status são permanentemente excluídos.
Esses homens vêem essa estrutura de relações como uma injustiça biológica, algo que não pode ser alterado sem a intervenção de fatores externos, como mudanças sociais ou políticas.
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O discurso incel também envolve uma aversão profunda ao feminismo, que, segundo eles, teria dado às mulheres o poder de decidir com quem elas se relacionam, excluindo os homens que não são considerados “Alfas”.
O que é referência ao “red pill”?
A referência vem do filme Matrix (1999). No filme, existe uma realidade ilusória, a Matrix, onde a maioria das pessoas vive, e para voltar ou não à realidade, são oferecidas duas pílulas de cores diferentes.
A pílula azul mantém as pessoas na realidade ilusória, já a pílula vermelha, ou red pill, traria os personagens do filme de volta à realidade, por mais dura que ela fosse.

A metáfora é amplamente utilizada na machosfera, e quando um novo integrante a adota, significa que concorda com a ideia da comunidade de que as mulheres não são subjugadas. Portanto, esta seria uma ilusão criada para esconder que, na verdade, são os homens que são explorados e oprimidos por um sistema ginocêntrico.
A red pill dada por eles traria a “verdade” sobre a realidade social e sobre a “natureza” feminina. Sob essa suposição, sexo e relacionamentos se tornam quase como um jogo com desafios específicos a serem superados.
Alguns outros exemplos de gíria incel são:
- Chads: usado para se referir a homens atraentes e masculinos que os incels percebem no topo da hierarquia social masculina;
- Stacys: mulheres atraentes no topo da hierarquia social feminina, essas mulheres devem ser desejadas e desprezadas, pois na cultura incel, mulheres atraentes são a razão de seus fracassos sexuais;
- Looksmaxxing: alguns grupos de incels estão menos preocupados com as razões sociais e políticas percebidas para sua situação. Em vez disso, eles se concentram, positiva ou negativamente, em suas próprias falhas percebidas. Looksmaxxing é o ato de se tornar o mais atraente possível, por meio de cuidados pessoais, estilo ou exercícios.
Ginocentrismo
A crença no ginocentrismo afirma que as mulheres estão em uma posição social privilegiada, sendo colocadas no centro do bem-estar social.
Para esses grupos, o fato de as mulheres terem sido mantidas restritas ao ambiente privado era apenas por uma questão de proteção, que, em última instância, colocava os homens em uma posição de subserviência, tendo que trabalhar para manter e “servir” as mulheres.
De acordo com a comunidade incel, as práticas relacionadas ao ginocentrismo remontam à sociedade medieval, tendo suas origens no cavalheirismo e no amor cortês, na qual as mulheres eram tratadas quase como “deidades”.
Para os incels, uma sociedade ginocêntrica tenta oprimir os homens que não são considerados “valiosos” pelas mulheres. Os incels acreditam que o comportamento das mulheres determina os homens fisicamente pouco atraentes como os membros menos valiosos da sociedade.
A crença dos incels no ginocentrismo significa que eles veem qualquer apoio ou conselho oferecido pela sociedade dominante como um meio de sustentar uma estrutura de poder ginocêntrica.
Questões relacionados a comunidade incel
Psicólogos observam que a cultura incel também pode ser perigosa para os próprios homens que encontram conforto nela.
Um estudo de 2022 publicado na “Evolutionary Psychology Science” estudou uma amostra de autodeclarados incels. Os pesquisadores descobriram que 75% dos incels que eles questionaram eram clinicamente diagnosticáveis com depressão grave ou moderada, e 45% com ansiedade grave.
“Os incels estão sofrendo níveis extraordinariamente altos de ansiedade, depressão e solidão”, disse William Costello, o principal autor do estudo e aluno de doutorado na Universidade do Texas em Austin. “Eles também são, como um grupo, particularmente avessos a buscar ajuda de profissionais de saúde mental.”
Outro estudo de 2022 no “Journal of Sexual Medicine” descobriu que aqueles que se identificavam como incels eram mais propensos a experimentar taxas mais altas de depressão, paranóia e pensamentos negativos sobre seus relacionamentos com outras pessoas.
Giacomo Ciocca, autor principal do estudo, concluiu que esses atores psicopatológicos negativos contribuem para o comportamento extremo dos incels, e tratar as principais razões pelas quais as pessoas buscam tais identidades pode ajudar a mitigar os perigos que tais comportamentos representam.
“Pessoas incels lutam contra sua condição e sentem que as mulheres são responsáveis por isso”, disse Ciocca ao PsyPost sobre o estudo. “Eles estão sofrendo, mas são incapazes de mudar sua situação, então culpam os outros. A violência vem daí, do ressentimento. Mais uma vez, a educação emocional e o aconselhamento psicológico devem ser promovidos nas escolas como programas preventivos.”
Diante da proposta das autoridades britânicas de classificar os incels como “terroristas”, um estudo da Universidade de Swansea concluiu que o problema deveria, na verdade, “ser combatido mais como uma questão de saúde mental do que por meio de operações antiterroristas”.
O problema estaria no fato de que esses jovens superestimam o poder de atração física e o poder aquisitivo dos outros, ao mesmo tempo em que subestimam qualidades como gentileza, senso de humor e lealdade.
“Quando você supervaloriza mentalmente a importância da aparência física para as mulheres e subestima o peso da gentileza, começa a buscar evidências que confirmem essa visão de mundo”, afirma o psiquiatra.
Jack Peterson, um ex-incel, publicou um vídeo no YouTube explicando por que decidiu deixar os grupos de incels.
“Percebi que não dava para passar o dia todo num fórum, falando sobre o quanto eu me sentia péssimo e gravando podcasts sobre isso. Eu precisava mudar”, disse Peterson à BBC.
Durante anos, ele manteve um podcast no qual propagava as ideias que fundamentam a visão incel, mas hoje acredita que é preciso mudar de atitude.
Ele teve acne grave quando criança e foi intimidado por isso. Afirmou sentir uma forte sensação de rejeição, especificamente, de mulheres.
Ele tinha 11 anos quando descobriu o 4chan, o site anônimo de postagem de imagens que serviu como uma porta para a cultura online, memes e, em alguns de seus fóruns que continham visões antifeministas, racistas, xenófobas e antissemitas.
“Foi aí que mergulhei, muito jovem, na cultura da rejeição”, diz Peterson. “Era um lugar para desabafar.”
Recomendações para evitar o risco de violência
Como observado, o movimento incel pode chegar a níveis extremos, ao incitar ou motivar a violência em certos casos. Nesse sentido, um trabalho da União Europeia trouxe análise inicial sobre o tema, contendo medidas que podem ser tomadas para lidar com o assunto em casos mais graves. O objetivo é minimizar os riscos de violência e proporcionar apoio eficaz para aqueles que enfrentam esse fenômeno. Sendo assim, seguem as práticas que a organização recomenda.
Atenção ao “Shitposting”
O “shitposting”, tática utilizada também por extremistas para mascarar mensagens violentas com humor irônico, pode ser observado em comunidades incel. Profissionais devem levar a sério qualquer conteúdo extremista, independentemente da intenção por trás de uma postagem. Mesmo que algumas declarações possam ser disfarçadas como piadas, elas ainda têm o potencial de influenciar membros vulneráveis da comunidade.
Riscos de doxxing e assédio online
Trabalhar com comunidades misóginas violentas implica no risco de doxxing (prática virtual de pesquisar e de transmitir dados privados sobre um indivíduo ou organização) e assédio online. Portanto, os profissionais devem estar cientes da segurança digital e adotar medidas para proteger sua identidade e dados pessoais.
Conscientização sobre a ideologia incel
É importante que os profissionais da linha de frente, como os que trabalham em saúde mental, educação e violência de gênero, estejam informados sobre a ideologia incel. A conscientização permitirá que esses profissionais identifiquem e atuem quando confrontados com membros dessa comunidade, prevenindo potenciais riscos de violência.
Estratégias de intervenção online
Devido ao ambiente online em que os incels se encontram, as intervenções devem ser adaptadas a essas plataformas. Oferecer suporte online, como serviços de mensagens de texto, pode ser mais eficaz, dado que muitos incels se sentem mais confortáveis nesses espaços virtuais. Iniciativas como a Crisis Text Line nos Estados Unidos demonstram a importância de adaptar os serviços para as necessidades digitais dessa comunidade.
Criar espaços alternativos e positivos
A comunidade incel oferece um espaço de apoio emocional tóxico, segundo o relatório. Para combater isso, é necessário desenvolver plataformas alternativas, onde os homens possam expressar suas preocupações de forma positiva e saudável. Exemplos incluem iniciativas como o Center for Digital Youth Care, que proporciona um ambiente seguro para discutir questões de masculinidade positiva e saúde mental.
Alfabetização digital e resistência ao extremismo
Desenvolver a alfabetização digital é fundamental para ajudar os indivíduos a refletirem sobre as narrativas extremistas presentes nas comunidades incel. Ensinar as pessoas a pensar criticamente sobre as informações recebidas pode ser uma estratégia eficaz para prevenir o extremismo. A técnica da inoculação atitudinal, que prepara os indivíduos para resistirem à manipulação ideológica, pode ser uma ferramenta valiosa no combate à ideologia incel.
Essas recomendações visam não só reduzir os riscos de violência, mas também fornecer alternativas positivas e construtivas para aqueles vulneráveis à ideologia incel. A abordagem envolve tanto a segurança digital quanto a criação de espaços seguros para promover o diálogo saudável e a superação do extremismo.
Glossário de termos incel
Confira os principais termos utilizados pela comunidade incel.
Termo | Definição |
Alfa | Homem fisicamente atraente e de alto status social, geralmente considerado o ideal na hierarquia social masculina. |
Betabux | Homem que oferece apoio financeiro, mas é visto como fisicamente inferior ao “Chad”. É considerado um “último recurso” para as mulheres quando elas não conseguem atrair um “Chad”. |
Blackpill | Filosofia ou visão de mundo que acredita que o acesso a relacionamentos sexuais é determinado pela atração física e que é imutável, sendo atribuído ao nascimento. |
Chad | Homem no topo da hierarquia social masculina, visto como extremamente atraente e desejado pelas mulheres. |
Chadlite | Homem que se assemelha a um “Chad”, mas em menor grau de atratividade ou status social. |
Femcels | Mulheres que se identificam como celibatárias involuntárias, mas que não seguem a ideologia dos incels. |
Femoide/Foide | Termo desumanizante para mulheres, utilizado na comunidade incel para sugerir que elas não são verdadeiramente humanas. |
Ginocentrismo | Crença de que a sociedade moderna é estruturada para beneficiar as mulheres e oprimir os homens. |
Hipergamia | A crença de que as mulheres são evolutivamente predestinadas a procurar o homem mais atraente ou com maior status social, em detrimento dos homens considerados “inferiores”. |
Jihadmaxxing | Ideia de que incels muçulmanos devem se juntar a grupos jihadistas para ter acesso a mulheres subjugadas, uma discussão mais hipotética na comunidade incel. |
Looksmaxxing | Processo de tentar melhorar a aparência física de uma pessoa por meio de cuidados pessoais, exercícios, cirurgia plástica ou outros métodos para se tornar mais atraente. |
MGTOW | Movimento que defende que os homens se afastem das interações românticas com mulheres e adotem um estilo de vida independente, negando o envolvimento em relacionamentos convencionais. |
NEET | Sigla para “Not in Education, Employment, or Training” (não em educação, emprego ou treinamento). Descreve indivíduos socialmente isolados e que não participam de atividades produtivas. |
Normie | Pessoa que segue as normas sociais convencionais, considerada parte da maioria, em oposição aos incels, que se veem como “excluídos” da sociedade. |
PUA (Pickup Artist) | Homem que utiliza técnicas de “sedução” para manipular mulheres e obter sexo, com foco no comportamento para conquistar mulheres. |
Redpill | Ideologia que sugere que os homens devem “acordar” para a realidade, acreditando que as mulheres dominam a sociedade e que os homens são os oprimidos. |
Regra 80/20 | A crença de que 80% das mulheres estão atraídas pelos 20% dos homens mais atraentes e bem-sucedidos, deixando os 80% restantes sem acesso a relacionamentos sexuais significativos. |
Shitposting | Uso de humor irônico ou disfarçado para compartilhar ideias extremistas ou violentas, frequentemente usada para mascarar discurso agressivo na comunidade incel. |
Stacy | Mulher muito atraente, geralmente no topo da hierarquia feminina, que os incels veem como inalcançável ou responsável pelas suas dificuldades de namoro. |
Stormcel | Incel que se identifica com a extrema-direita, frequentemente associando-se à ideologia da alt-right e ao nacionalismo branco. |
Stormfront | Site de extrema-direita, frequentemente associado à ideologia incel e a práticas de supremacia branca. |
Subir (Ascender) | A ideia de deixar a condição de incel ao conseguir ter sexo com uma mulher, excluindo sexo pago ou realizado com profissionais do sexo. |
The Wall (Muro) | A teoria que afirma que, a partir de uma certa idade (geralmente 25 anos), as mulheres perdem valor no mercado de namoro devido à diminuição da atratividade física. |
Tire Down And Rot (LDAR) | Filosofia que envolve desistir de tentar melhorar a situação ou o comportamento, aceitando o celibato involuntário e a exclusão social. |
Você já conhecia o termo incel? Conhece alguém que se classifica dessa forma? Deixe sua opinião nos comentários.
Referências
- Comissão Europeia – Incels: Uma primeira análise do fenômeno e sua relevância e desafios para P/CVE
- Harvard Gazette – New Paper Explores the Rise of Incels
- Governo do Reino Unido – Predicting Harm Among Incels: Involuntary Celibates – The Roles of Mental Health, Ideological Belief, and Social Networking
- CNN – Incel: Involuntary Celibate Explained
- LUME – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Pesquisa sobre Incels
- NCBI – Predicting Harm Among Incels: Involuntary Celibates