Já ouviu falar sobre a Teoria da Evolução proposta por Charles Darwin? Você sabia que ela foi a base para uma das correntes de pensamento mais controversas do século XX, conhecida como Darwinismo Social?
Divulgada em meados do século XIX, ela representou uma revolução na área das Ciências Biológicas. Foi, também, um dos grandes marcos no progresso científico da humanidade.
As ideias de Darwin também foram utilizadas para desenvolver uma teoria sociológica, conhecida como darwinismo social, esta teoria causou grandes impactos na sociedade moderna entre os séculos XIX e XX.
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Neste texto, a Politize! vai te explicar em mais detalhes o que foi o Darwinismo Social. Veremos como este pensamento foi influenciado pelas ideias de Darwin e qual foi seu impacto na história. Vem com a gente!
- Como surgiu a teoria do Darwinismo Social?
- Darwinismo Social, o colonialismo e a eugenia
- O Darwinismo Social na sociedade europeia
- Colonialismo e o evolucionismo social
- O surgimento da teoria eugenista
- Impactos da eugenia ao redor do mundo
- O Darwinismo Social no Brasil
- O fim do Darwinismo Social
- Referências
Como surgiu a teoria do Darwinismo Social?
A divulgação do livro A Origem das Espécies em 1859, por Charles Darwin, abalou o meio científico da época. Seus estudos trouxeram ao mundo uma explicação completa sobre como a evolução das espécies ocorria na natureza. Por meio dela, Darwin impulsionou o progresso das áreas que compunham as Ciências Biológicas.

Suas ideias foram amplamente aceitas pela população, não se restringindo aos estudiosos de Biologia e áreas afins. Após a publicação de seus estudos, outros campos as utilizaram para explicar questões da sociedade da época.
Nos ramos da Sociologia e da Antropologia, pensadores tentavam explicar os desafios sociais da civilização. As desigualdades sociais oriundas do capitalismo industrial e a relação com povos tidos como primitivos eram algumas delas.
A partir disso, aspectos da teoria de Darwin, como a seleção natural das espécies, foram absorvidos a teorias sociológicas. Foi assim que alguns pensadores buscaram explicar as relações sociais humanas no contexto do século XIX.
O Darwinismo Social floresceu inicialmente na Europa, e teve como principal proponente o filósofo inglês Herbert Spencer. Foi ele quem introduziu, por exemplo, a ideia darwinista de “sobrevivência do mais apto” para justificar relações sociais.

Darwinismo Social, o colonialismo e a eugenia
Não demorou até que hipóteses surgissem visando explicar as diferenças sociais existentes no mundo. Principalmente ao se considerar o avanço do neocolonialismo e o florescer do Darwinismo Social na sociedade europeia.
Se os mais aptos prosperavam na natureza e os países europeus eram potências econômicas, militares e científicas, fazia sentido que os europeus fossem naturalmente mais avançados que os demais povos.
Ao menos foi esta a proposta a partir da qual diversos intelectuais europeus desenvolveram suas teorias.
O Darwinismo Social na sociedade europeia
A partir dessas crenças, Spencer desenvolveu teorias sociológicas amplamente aceitas por parte da sociedade. O britânico absorveu conceitos do darwinismo para justificar a disparidade social vigente em sociedades industriais da época.
No contexto de sobrevivência do mais apto, segundo Spencer, as pessoas mais adaptadas ao ambiente social naturalmente se destacariam. Portanto, indivíduos ricos seriam inerentemente mais evoluídos que suas contrapartes em camadas sociais mais pobres. E, por essa razão, encontravam-se no topo da pirâmide social.
Para o pensador inglês, inclusive, ações de suporte à população carente por parte do Estado eram prejudiciais à suposta seleção natural pela qual as diferentes camadas sociais passavam.

Colonialismo e o evolucionismo social
Junto do desenvolvimento de teorias sociológicas envolvendo a teoria darwinista, surgiram também proposições antropológicas.
Isso ocorreu em um contexto no qual a Antropologia, enquanto ramo científico, ainda dava seus primeiros passos. Muitos pensadores aproveitaram-se da ampla aceitação da teoria evolucionista para propor ideias também neste ramo. Foi assim que surgiu a corrente antropológica conhecida como Evolucionismo Social.
Esta corrente propunha uma escala de evolução nas sociedades humanas, semelhante ao processo evolutivo biológico descrito por Darwin. Dentre os estudiosos que mais se destacaram nesta frente estava Edward Tylor. Ele foi um dos mais célebres antropólogos a propagar ideias vinculadas ao Darwinismo Social.
Sua principal tese era a de que existiam níveis de evolução em uma sociedade. E esta ideia era diretamente vinculada ao contexto social colonialista da época. Segundo ele, assim como as espécies, as sociedades humanas evoluíam de contextos simplórios para estruturas mais complexas.
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Ao se deparar com diferentes povos, principalmente na África e nas Américas, Tylor defendeu a existência de três diferentes níveis de desenvolvimento social. Eram eles:
- Selvageria: sociedades nesta etapa eram as consideradas menos evoluídas. Segundo Tylor, a principal característica destas sociedades era a incapacidade de pensamentos abstratos. A capacidade de realizar operações matemáticas elaboradas, de agrupar diferentes objetos similares em grupos ou de compreender logicamente eventos naturais. Ao invés de aplicar a lógica a este tipo de situação, estas sociedades recorreriam às emoções. Uma seca era causado por uma entidade (ou um deus) irritada; uma árvore deixava de dar frutos pois seu espírito estava infeliz. A incapacidade de compreender situações reais eram compreendidas através de justificativas sobrenaturais.
- Barbarismo: sociedades no processo de “Barbarismo” representavam o meio do caminho. Ainda eram contextos em que o sobrenatural existia como explicação para eventos desconhecidos. No entanto, estas sociedades começavam a desenvolver estruturas sociais mais elaboradas, como um sistema de linguagem, leis e instituições.
- Civilização: por fim, a Civilização representava o auge do desenvolvimento social humano. Sociedades nesta etapa tinham como norte a razão e a ciência. Desta forma, eram capazes de avanços tecnológicos, de pensamento crítico elaborado e debates aprofundados sobre diferentes áreas do conhecimento. Era aqui que estes estudiosos posicionavam a sociedade britânica da época.
Tendo explorado e estabelecido colônias ao redor do mundo, os europeus se enxergavam como o ápice da civilização. A teoria do Evolucionismo Social surgiu como uma base científica para justificar esta suposta vantagem natural europeia.
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Tylor acreditava que todas as sociedades passavam pelos três estágios, e que as civilizações não europeias ainda caminhavam em direção ao ápice evolutivo, representado pela civilização européia da época.
Nesse contexto, portanto, povos africanos de áreas remotas e indígenas americanos ainda encontravam-se nas duas etapas iniciais. E isso explicava, segundo estes teóricos, a submissão destes povos aos exploradores e colonizadores europeus.

O surgimento da teoria eugenista
Como vimos no decorrer deste texto, muitas áreas utilizaram-se da teoria de Darwin para desenvolver hipóteses em outras áreas.
Com a crescente popularidade das teorias e ideias racistas que fervilhavam na Sociologia e na Antropologia, não demorou até que surgissem propostas que vinculasse este tipo de pensamento a políticas de Estado.
Foi assim que surgiu a teoria eugenista, fundada por Francis Galton, o qual, curiosamente, era primo de Charles Darwin.
Galton propôs a ideia de que o Estado deveria favorecer uma elite genética por meio do controle da procriação humana. Basicamente, o Estado deveria selecionar as pessoas consideradas mais “evoluídas” e aperfeiçoar a raça humana a partir delas.
Pessoas que não atendessem aos critérios mínimos deveriam ser eliminadas (ou, no mínimo, impedidas de gerar descendentes).
Embora tido como fundador da teoria eugenista, Galton não foi o precursor do racismo científico.
Antes dele, outros pensadores propuseram a existência de grupos naturalmente superiores, e que diferenças físicas e biológicas justificariam esta superioridade. George Lapouge é reconhecido como o precursor das conexões entre o Darwinismo Social e o racismo científico.
Impactos da eugenia ao redor do mundo
Amplamente aceita ao redor do mundo, a teoria eugenista se espalhou pela Europa. Chegou até mesmo a definir políticas públicas nos Estados Unidos e no Brasil.
Um dos casos mais marcantes da eugenia enquanto política de Estado na história, é representado pela Alemanha nazista de Adolf Hitler. Além do genocídio de diversas minorias, como ciganos, negros e homossexuais, a Alemanha nazista foi responsável pelo extermínio de mais de seis milhões de judeus.
As ações da nação germânica tinham como base o explícito reconhecimento e aceitação de Hitler pela ideia de um grupo superior, representado pela raça ariana.
Na América do Norte, foram adotadas políticas de esterilização forçada e de limpeza étnica de pessoas consideradas inferiores. Nos Estados Unidos, por exemplo, isso ocorreu com a população negra e com pessoas com algum tipo de deficiência. No Canadá, a esterilização de mulheres dos povos nativos ocorreu ao longo do século XX.

O Darwinismo Social no Brasil
No Brasil, não demorou até que as ideias darwinistas sociais chegassem à camada mais educada da população.
Fortemente influenciados pelos pensamentos vigentes na Europa, especialmente em Portugal, os pensadores e políticos brasileiros também adotaram o Darwinismo Social, o racismo científico e a eugenia como explicação para muitos dos desafios enfrentados no país.
A difusão do Darwinismo Social no Brasil se deu em diferentes esferas da sociedade. Ocorreu em debates políticos, em discussões éticas e até mesmo em representações culturais.
A Liga Brasileira de Higiene Mental, baseada no Rio de Janeiro, foi uma representação institucional da visão eugenista no país. Inicialmente fundada com o intuito de prestar auxílio psiquiátrico à população, teve seu objetivo alterado rapidamente.
Dentre as ações propostas pela Liga estavam a esterilização forçada de indivíduos doentes, a não miscigenação racial e a proibição de imigrantes não brancos. Esta última proposta, inclusive, foi feita durante o Congresso Brasileiro de Eugenia de 1929, por Miguel de Oliveira Couto, presidente da Academia Nacional de Medicina.
Estas ações, inclusive, não eram atos isolados. No Brasil do início do século XX, fortemente influenciado pelas ideias eugenistas e racistas propagadas na Europa, faziam parte de uma política de Estado voltada ao embranquecimento da população brasileira.
Na esteira do incentivo à não miscigenação e da tentativa de dificultar a entrada de imigrantes não brancos, surgiram leis que combatiam diretamente a população e a herança cultural negra no Brasil.
A Lei da Vadiagem de 1941 e a proibição da capoeira no fim do século XIX são outros exemplos concretos de políticas de Estado focadas em sufocar a população negra e sua cultura em vistas de uma imagem de Brasil como um país embranquecido.
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As opiniões racistas e eugenistas maquiadas de ciência não se limitaram ao meio médico. Raimundo Nina Rodrigues, no âmbito legal, defendia a ideia de que negros, índigenas e mestiços não deveriam ter o mesmo tratamento que brancos no Código Penal, por serem considerados grupos inferiores.
Outros pensadores aceitavam, em partes, características inerentes à população brasileira. Isso ocorria com a condição de que elementos do branco europeu também participassem do processo de construção da sociedade.
No que diz respeito a aspectos culturais, duas das principais figuras da história brasileira são Monteiro Lobato e Gilberto de Melo Freyre.
O primeiro, conhecido por seus contos infantis, trazia elementos racistas ao enredo de suas histórias. A inferiorização de personagens negros consistia em uma exemplificação de suas ideias eugenistas.
O segundo, por sua vez, representa o índio como a figura subdesenvolvida na formação da população brasileira em seu livro Casa grande e senzala (1933).
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Em um país cuja formação social se deu pela exploração da população negra e indígena, não foi de se surpreender que o Darwinismo Social florescesse entre a população branca dominante.
O fim do Darwinismo Social
Com o passar dos anos, conceitos caros ao Darwinismo Social caíram em descredibilidade.
As consequências práticas de se levar a cabo ideais eugenistas foram evidenciadas com o desenrolar da Segunda Guerra Mundial. O Projeto Genoma trouxe provas contundentes de que diferenças físicas entre humanos não representam diferenças genéticas.
No campo das Ciências Sociais, o conceito de relativismo cultural surgiu como principal antagonista do Darwinismo Social. A partir desta teoria, estudiosos da antropologia passaram a analisar culturas e sociedades com base em seus contextos individuais.
A ideia de que determinada civilização era objetivamente superior ou mais avançada que outra foi descartada de forma praticamente unânime.
Isso não significa, contudo, que não existam grupos minoritários extremistas que ainda se apoiam nestas teorias. Em âmbito macro e, principalmente, no meio científico, por sua vez, as ideias caras ao Darwinismo Social não prevalecem.
E aí, você conhecia toda essa história por trás do Darwinismo Social, suas consequências e repercussões mundo afora? Conta aqui nos comentários o que achou deste texto!
Referências
- Academia Brasileira de Letras – Silvio Romero
- APNews – Indigenous women in Canada forcibly sterilized decades after other rich countries stopped
- BBC News Brasil – Eugenia: como movimento para criar seres humanos ‘melhores’ nos EUA influenciou Hitler
- BBC News Brasil – O que é a teoria da evolução de Charles Darwin e o que inspirou suas ideias revolucionárias
- Branch Collective – Peter Melville Logan, “On Culture: Edward B. Tylor’s Primitive Culture, 1871″
- Brasil Escola – Darwinismo social
- Brasil Escola – Relativismo cultural
- Darwinismo social, eugenia e racismo / BOLSANELLO, M. A. Educar, Curitiba, n.12, p.153-165. 1996. Editora da UFPR.
- História do Mundo – Projeto Genoma e a espécie humana
- History Hit – What Is Social Darwinism and How Was It Used in Nazi Germany?
- Holocaust Encyclopedia – How Many People did the Nazis Murder?
- Anuario de Antropología Ibeiroamericana – OS LIMITES DA ANTROPOLOGIA: IMPACTOS DO DARWINISMO SOCIAL E DA EUGENIA NAS PROPOSTAS DE ENGENHARIA SOCIAL ENTRE OS FINAIS DO SÉCULO XIX E MEADOS DO (SÉCULO) XX / Daniel Florence Giesbrecht
- The Conversation – Forced sterilization policies in the US targeted minorities and those with disabilities – and lasted into the 21st century
- The University of Alabama – Social Evolutionism
- Wikipedia – Charles Darwin
- Wikipedia – Edward Tylor
- Wikipedia – Francis Galton
- Wikipedia – Gilberto Freyre
- Wikipedia – Herbert Spencer
- Wikipedia – Monteiro Lobato
- Wikipedia – A Origem das Espécies