Foto: Phelan M. Ebenhack/AP
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Você sabia que o Brasil possui uma legislação que visa combater ações terroristas que venham a acontecer em território nacional?
Antes de falarmos sobre a legislação brasileira, vamos relembrar um caso que chocou o mundo! Em 2016, ocorreu o massacre ocorrido na boate Pulse, na cidade de Orlando, Estados Unidos, chocou o mundo. Trata-se do maior atentado registrado nos Estados Unidos desde os ataques de 11 de setembro de 2001. Agências de notícias relataram que o atirador da boate Pulse, Omar Mateen, expressou lealdade ao grupo auto-denominado Estado Islâmico, que esteve por trás de inúmeros ataques na Europa desde o ano passado e também está envolvido diretamente na guerra civil na Síria. De fato, o EI já reivindicou a autoria do ataque, mesmo que haja poucas evidências de que Omar tivesse uma relação próxima com o grupo.
A grande discussão é se o ataque de Omar pode ser de fato considerado um ato terrorista. A definição desse conceito é objeto de muita controvérsia mesmo entre acadêmicos especialistas na questão.
Além disso, os atos de Brasília em janeiro de 2023 levantaram hipóteses e discussões sobre a possibilidade (ou não) de caracterizar as ações executadas nas manifestações como terroristas.
Afinal, o que diferencia uma ação chamada de terrorista de outras ações violentas que não chegam a ser classificadas dessa forma?
Veja também: como funciona o financiamento do terrorismo?
Terrorismo: definição
O termo terrorismo pode ser extremamente vago e servir meramente para fins retóricos. É bem possível que você já tenha ouvido falar em terrorismo eleitoral, terrorismo midiático, terrorismo econômico, entre outros usos incomuns dessa palavra. De todo modo, existem algumas tentativas de elaborar uma definição precisa do que “terrorismo” de fato significa. A Organização das Nações Unidas, por exemplo, define terrorismo da seguinte forma:
“Atos criminosos pretendidos ou calculados para provocar um estado de terror no público em geral […]“
— Declaração sobre Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional
(Resolução 49/60 da Assembleia Geral, para. 3)
Dessa forma, de acordo com a definição ONU, para que se possa diferenciar uma ação terrorista de outras ações violentas, é preciso analisar o contexto geral em que tal ação foi tomada. Normalmente, terroristas agem não tem como fim apenas atingir as vítimas diretas de seus ataques. Matar um grupo de pessoas X ou Y não faz tanta diferença: o que realmente importa é que o ato seja chocante o suficiente para aterrorizar o resto da sociedade, movimentando a imprensa, as redes sociais e os órgãos governamentais.
No fim das contas, um ato terrorista serve como uma vitrine para grupos terroristas se promoverem, mostrarem força e desafiarem seus inimigos. O grupo terrorista consegue dessa forma chamar atenção para suas causas políticas, que geralmente são bastante radicais.
De maneira semelhante, o governo dos Estados Unidos também traz uma definição explícita do que seria o terrorismo: “[…] violência premeditada e politicamente motivada, perpetrada contra alvos não-combatentes e praticada por grupos ou agentes clandestinos, normalmente com a intenção de influenciar um público”. Ou seja, os ataques terroristas teriam alguns fatores em comum, que seriam:
- Premeditação: sempre são planejados previamente pelos seus perpetradores
- Fim político: o grupo pretende causar algum efeito na esfera política, como motivar governantes a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
- Vítimas são civis: atos terroristas não acontecem em um campo de batalha, onde o conflito e a violência já são esperados; o terrorismo ocorre de maneira inadvertida em espaços públicos de grande circulação (prédios, praças, shoppings, voos comerciais, aeroportos, boates, etc)
- Grupos clandestinos: os grupos políticos que realizam ataques terroristas existem sem reconhecimento e respaldo legal: não são partidos políticos, entidades governamentais, intergovernamentais. Normalmente são grupos que procuram justamente derrubar governos ou até mesmo a ordem internacional de uma forma geral
- Objetivo é obter audiência: o ato terrorista serve tanto para aterrorizar a população, quanto para convencer outras a aderir às causas do grupo (o Estado Islâmico, por exemplo, tem conquistado novos adeptos ao longo do tempo, até mesmo em países ocidentais)
E um Estado nacional, pode ser terrorista também?
Um dos problemas com as definições mais aceitas de terrorismo é que elas geralmente se referem a organizações políticas que estão à margem do poder, ou seja, não são Estados nacionais ou grupos que controlam tais Estados. O problema é que existem de fato Estados que financiam ações violentas, incêndios, explosões, torturas, sequestros e desaparecimentos de pessoas como forma de intimidar e coagir pessoas a aderir ao regime de governo vigente, sem questioná-lo.
Esse tipo de ação é chamado de terrorismo de Estado e causa, evidentemente, muita polêmica. O Estado de Israel, por exemplo, já foi classificado como terrorista, da mesma forma que os Estados Unidos. Os Estados Unidos, por sua vez, mantêm uma lista de países “patrocinadores do terrorismo internacional”, que inclui o Irã, a Síria e o Sudão. No Brasil, o regime militar entre 1964 e 1985 seria um exemplo de adepto do terrorismo de Estado, por conta das centenas de pessoas mortas, torturadas e desaparecidas por motivações políticas naquele período.
Lei antiterrorismo no Brasil
O Brasil possui uma legislação de combate ao terrorismo. A Lei 13.260 foi sancionada em 2016 pela então presidente Dilma Rousseff. Antes do Projeto de Lei nº 2.016, de 2015 (nº 101/15 no Senado Federal) ser sancionado, alguns artigos e incisos foram vetados devido a algumas inconsistências. Em sua mensagem de veto, Dilma Rousseff diz ao presidente do Senado:
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade, o Projeto de Lei nº 2.016, de 2015 (nº 101/15 no Senado Federal), que “ Regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista; e altera as Leis n º 7.960, de 21 de dezembro de 1989, e 12.850, de 2 de agosto de 2013 ”.
Entretanto, a lei foi sancionada no mesmo ano, autorizando punições contra o terrorismo, investigações e processos em casos de ações de organizações terroristas.
Veja também nosso vídeo sobre a Lei Antiterrorista no Brasil!
A invasão do Congresso Nacional em Brasília foi um ato terrorista?
No dia 8 de janeiro de 2023, o Brasil presenciou uma invasão ao Congresso Nacional em Brasília, que resultou em depredação e destruição do patrimônio público. No ocorrido, milhares de pessoas foram detidas e autuadas por crimes como: dano ao patrimônio público da União, crimes contra o patrimônio cultural, associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de estado, por exemplo.
Saiba mais: o que é um golpe?
O direito à manifestação política faz parte dos princípios democráticos, porém, a pauta principal de reivindicação do grupo que organizou esse ato, era a contestação do resultado das eleições presidenciais de 2022, o que coloca em dúvida o funcionamento das instituições democráticas.
Veja também nosso vídeo sobre os 4 golpes de Estado que mudaram o Brasil!
Por isso, alguns especialistas ponderaram se essas ações poderiam ser enquadradas na Lei 13.260, a lei antiterrorista. O ministro Alexandre de Moraes classificou os atos como ataques terroristas à democracia e às instituições da República, não podendo ser considerados apenas como manifestação política. O ministro, ainda, pontua os artigos da Lei Antiterrorista que indicaria os crimes cometidos pelos manifestantes: artigos 2º, 3º, 5º e 6º, que dizem, respectivamente
- Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública;
- Art. 3º Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista: Pena – reclusão, de cinco a oito anos, e multa;
- Art. 5º Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito: Pena – a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade;
- Art. 6º Receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos nesta Lei: Pena – reclusão, de quinze a trinta anos.
Terrorismo e islamismo
Uma associação muito comum que vem sendo feita desde os ataques de 11 de setembro é a prática terrorista como algo comum de povos que professam a fé muçulmana. Atos violentos cometidos por islâmicos são muito mais facilmente rotulados como terroristas, mesmo que essas pessoas não tenham ligações diretas com grupos terroristas. É o caso de Omar, que ao que tudo indica apenas demonstrava simpatia pelo chamado Estado Islâmico.
O fato é que o terrorismo não está associado a uma causa política ou religiosa específica: pode ser cometido por qualquer grupo político que queira promover sua causa.
Para não associar terrorismo como algo inerente ao islamismo, leia mais.
Organizações terroristas pelo mundo
Os governos dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Índia, Rússia e União Europeia possui uma lista de organizações classificadas como terroristas. Entretanto, destacamos aqui as organizações que frequentemente são mencionadas como os maiores grupos terroristas da atualidade e seus principais atos.
- Al-Qaeda: grupo fundamentalista, este é um dos mais conhecidos do mundo, fundado em 1980 para defender o Afeganistão contra a URSS, que buscava expandir seu domínio socialista no país. Teve grande destaque na mídia devido ao atentado às torres gêmeas “World Trade Center, em 11 de setembro de 2001”
- Boko Haram: esta é uma organização antiocidental, fundada em 2002. Seus atentados com viés mais radical começaram em 2009, devido ao assassinato de seu líder e fundador “Mohammed Yusuf” pela polícia nigeriana
- Talibã: este é um grupo político que atua no Paquistão e Afeganistão, pretendendo implantar a lei sharia (lei islâmica) e buscam defender seu território, sobretudo, contra a entrada dos EUA.
- Núcleo Armado Revolucionário (NAR): este foi um grupo terrorista de viés neofascista ativo na Itália de 1977 a 1981. Uma de suas ações ocorreu em 1980, em Bolonha-Itália, onde o grupo explodiu uma estação de trem.
As definições de terrorismo são, ainda, imprecisas, por isso alguns grupos podem ser considerados terroristas em alguns países, enquanto outros não. A lista acima não buscou fazer um ranking, mas apenas trazer alguns daqueles que são ou que já foram citados como grupos terroristas.
Afinal, o ataque da boate Pulse foi um ato terrorista?
O ataque a mão armada feito por Omar Mateen pode ou não ser considerado um ataque terrorista. Muitos preferem tratar o caso essencialmente como um crime de ódio, já que há indícios de que Omar seria homofóbico.
Por outro lado, como afirmado no início desta matéria, ele teria expressado lealdade ao Estado Islâmico, grupo conhecido por promover os piores atos terroristas dos últimos anos, como os massacres em Paris em 2015 e em Bruxelas neste ano. O Estado Islâmico se manifestou sobre o caso, assumindo a autoria do ataque e referindo-se a Omar como um “soldado do califado”.
Entretanto, como já observado por jornalistas, o Estado Islâmico recorrentemente reivindica a autoria de vários ataques cometidos por pessoas que tinham pouca ou nenhuma relação com o grupo, e que apenas expressavam simpatia ou lealdade a ele. É o caso de Omar, que aparentemente não conhecia pessoalmente as lideranças do grupo, nem havia sido treinado por elas. Ele seria, portanto, um chamado lobo solitário, que age por conta própria.