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Imunidade parlamentar é um assunto que está sempre em alta, normalmente por casos de impunidade de congressistas réus em ações judiciais, que mesmo processados e algumas vezes até presos, continuam exercendo sua função, tem sido destaque por conta de casos como os processos de cassação do presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha e do ex-senador Delcídio do Amaral. O processo de Delcídio, que chegou a ser preso, acusado de obstruir a Operação Lava Jato, durou cerca de meio ano para ser concluído. Já o processo de Cunha correu no Conselho de Ética da Câmara por oito meses, durante os quais ele levou adiante um processo de impeachment e foi afastado de seu mandato pelo STF.
Casos como os citados acima não são tão incomuns no Congresso, nem no Executivo. Mais da metade dos deputados que compunham a comissão do processo de impeachment contra a presidente afastada Dilma Rousseff respondem a inquéritos na Justiça, ações criminais e cíveis, ou tiveram contas rejeitadas pelos órgãos de fiscalização.
Improbidade administrativa, corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha são algumas das acusações que recaem sobre muitos de nossos parlamentares. Parte deles já foram condenados em alguma instância e outros são réus no Supremo Tribunal Federal. Porém, até que tenham todos seus recursos julgados e não tenham mais nenhuma escapatória, eles conseguem preservar seus mandatos.
O fato é que nossos congressistas gozam de imunidades que os protegem da Justiça. A justificativa para que essas imunidades fossem criadas era que eles poderiam ser alvos de perseguição política, uma preocupação válida na época da elaboração da Constituição de 1988, logo após o fim da ditadura militar. A pergunta que se faz é: teriam essas imunidades se tornado uma espécie de blindagem que torna nossos políticos intocáveis, na maior parte dos casos?
As imunidades parlamentares estão elencadas do artigo 53 ao 56 da Constituição Federal. Vamos conhecê-las?
1) Imunidade material
No caput do artigo 53 da CF, encontramos o seguinte trecho: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
Ou seja, para proteger a liberdade de expressão dos parlamentares, essa imunidade parlamentar garante a deputados estaduais e federais, senadores e também vereadores a livre manifestação de pensamento no exercício de sua função, dentro e fora de seu local de trabalho. O mesmo vale para críticas publicadas na imprensa.
Mas e se um parlamentar profere palavras odiosas ou incentiva o cometimento de crimes? Ele continua inviolável? Evidentemente, toda liberdade possui limites e a invocação dessa imunidade costuma levantar controvérsias. Um exemplo recente: o deputado Jair Bolsonaro tornou-se réu no STF por uma declaração feita há alguns anos em relação à deputada federal Maria do Rosário. Bolsonaro, em uma discussão com a deputada, afirmou que “não a estupraria porque ela não merecia”. A declaração levou à denúncia de Bolsonaro por crime por apologia ao estupro. O pedido foi aceito por quase todos os ministros do STF. Teori Zavascki, por exemplo, afirmou que a referida fala do deputado não pode ser amparada pela imunidade parlamentar, já que não tem qualquer relação com o ofício de deputado.
2) Imunidade formal
A imunidade formal é concedida aos membros do Poder Legislativo Federal e Estadual, ou seja, senadores, deputados federais e deputados estaduais. Ela se desdobra em duas imunidades específica: a processual e a prisional.
Imunidade processual
Desde a Emenda Constitucional 35, em 2001, processos de parlamentares não precisam mais da autorização da casa legislativa, ou seja, o STF não precisa mais de qualquer permissão para recebê-los, seu único dever é comunicar o fato à Casa do parlamentar procesado. Mas ainda hoje continua a existir uma outra regra: a Casa do congressista pode sustar o andamento do processo contra o parlamentar a qualquer momento, pelo voto da maioria absoluta dos membros.
A partir da ciência da Casa quanto ao processo, qualquer partido político pode solicitar dentro de 45 dias a sustação dessa ação, independente da fase em que ele estiver. Se assim decidido, o STF terá que ser informado. Trata-se de uma imunidade com grande carga política, já que a decisão depende sobretudo da influência que o processado detém junto aos seus colegas de Casa.
Um detalhe importante: a sustação só pode acontecer se o processo começar após a diplomação do parlamentar. Se o crime tiver ocorrido antes da diplomação, os autos serão enviados ao STF, cumprindo a prerrogativa de foro (vamos falar dela em seguida), mas nesse caso a imunidade processual não está disponível . A suspensão também dura apenas enquanto durar o mandato do parlamentar. Caso ele consiga se reeleger, o processo volta a correr normalmente, sem nova possibilidade de suspensão.
Imunidade prisional
Exceto em flagrante de crime inafiançável (crimes hediondos, de racismo, etc), congressistas não podem ser presos no período entre a diplomação e seu encerramento, pois estão protegidos contra a prisão civil e criminal.
“§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.”
Mesmo em caso de flagrante de um crime inafiançável, a Casa do parlamentar ainda pode votar para que ele continue preso ou não. Prisões cautelares, como a preventiva e a temporária não podem ser efetuadas contra parlamentares. O parlamentar só pode ser preso quando já houver uma sentença judicial transitada em julgado, ou seja, sem a possibilidade de mais recursos. O tema ganhou bastante atenção com o julgamento do Mensalão.
Para esclarecer, um caso recente: Delcídio do Amaral. Ele foi preso por ter sido gravado planejando a fuga de um ex-diretor da Petrobras, envolvido no esquema investigado pela Lava Jato. Na sentença do ministro Teori Zavascki vemos a referência ao decreto ao requisito do flagrante de crime inafiançável: “ante o exposto, presentes situação de flagrância e os requisites do art. 312 do Código de Processo Penal, decreto a prisão cautelar do Senador Delcídio Amaral”.
Importante: quando o Ministro diz que decreta a “prisão cautelar”, ele não decretou uma prisão preventiva, e sim por flagrante de crime. Meses depois, Delcídio foi solto. Mesmo assim, ao apreciar a questão, o Senado cassou seu mandato.
3) Foro especial por prerrogativa de função (foro privilegiado)
Outra norma constitucional reservada aos congressistas é encontrada no art. 53, §1º da CF, que garante aos deputados e senadores a prerrogativa de serem julgados penalmente pelo Supremo Tribunal Federal e não pela justiça comum. Assim, eles só podem ser investigados e presos após decisão do STF.
Por esse motivo, o juiz federal Sergio Moro, responsável pela prisão da Lava Jato na primeira instância, não pode decidir sobre os investigados que possuem mandato ou cargo em comissão que ofereça foro privilegiado. Entretanto, é importante notar que ex-parlamentares não possuem mais a prerrogativa de foro. Foi o caso dos ex-deputados André Vargas e Luiz Argolo, que foram condenados na primeira instância, pois ambos já haviam encerrado seus mandatos. Seguindo a mesma lógica, caso o mandato do parlamentar acabe antes da decisão definitiva do STF, seu caso é encaminhado para a Justiça comum. Já os processos por crime comum que tramitavam antes da diplomação também continuam na primeira instância.
Outro detalhe é que em alguns tipos de processo, a prerrogativa de foro não está disponível aos parlamentares. Denúncias por falta de decoro, por exemplo, são julgadas pela Casa do parlamentar (no Conselho de Ética e depois no plenário) e processos de natureza civil são julgados pela Justiça comum.
O foro privilegiado é uma das imunidades mais conhecidas pela população e das que mais geram polêmica. Muitos defendem o fim dessa condição. Segundo os opositores do foro especial, o STF costuma ser moroso em suas decisões, o que propiciaria a impunidade, por conta de prescrições de crimes e arquivamentos das denúncias.
4) Imunidade probatória
O parlamentar também não tem a obrigação de testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas no exercício de suas funções, nem sobre as pessoas que lhes passaram informações ou deles receberam. Essa imunidade parlamentar teria como objetivo preservar a independência e a liberdade dos parlamentares.
5) Prerrogativa testemunhal
Na condição de testemunhas, os parlamentares podem combinar com o juiz o dia, hora e local seu depoimento, ao contrário dos demais cidadãos.
Quão protegidos são os parlamentares brasileiros?
Mapa do índice de imunidade parlamentar. Quanto mais escuro o país aparece no mapa, mais protegidos os seus parlamentares. Fonte: Reddy, Schularick & Skreta, 2016.
Como mostramos neste texto, os parlamentares brasileiros possuem várias imunidades perante a Justiça. Mas afinal, isso é comum no resto do mundo, ou é mais uma das peculiaridades brasileiras?
Segundo estudo de Karthik Reddy, Moritz Schularick e Vasiliki Skreta, o Brasil de fato é um dos países que mais concede imunidades legais aos seus parlamentares. Os autores desse estudo criaram uma escala de 0 a 1 para mensurar o nível de imunidade parlamentar em 90 países. Na escala de 0 a 1, o Brasil atingiu quase 0,8, nível semelhante apenas a três vizinhos: Argentina, Paraguai e Uruguai.
As imunidades parlamentares existem para proteger políticos de perseguição e arbitrariedades do Judiciário, argumentam seus defensores. Mesmo assim, nossos parlamentares estão entre os mais protegidos do mundo.
E você, acha que as imunidades são equilibradas ou excessivas? Deixe sua opinião!