Voto feminino: a história do voto das mulheres

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Neste conteúdo, conheça a história do direito ao voto feminino, conquistado a duras penas tanto no Brasil, quanto no resto do mundo – e nem há tanto tempo.

Este é o segundo texto de uma trilha de conteúdos sobre Mulheres e Democracia. Veja os demais textos desta trilha:

  1. Lugar de mulher é na política
  2. Você está aqui
  3. Participação feminina: por que 50% da população não são 50% no governo?
  4. Participação da mulher na política: coletivos e sociedade civil organizada
  5. Direitos da mulher: avanços e retrocessos na legislação e políticas públicas

Até o início do século XX, o voto, na quase totalidade dos países, era um direito exclusivo dos homens – especialmente de homens ricos. No cenário de grandes transformações que foi o século XX, as ativistas que se mobilizaram pelo direito feminino à participação política ficaram conhecidas como sufragistas.

Leia também: Movimento Sufragista: o que foi e qual o impacto no Brasil?

Entre 1890 e 1994, mulheres da maioria dos Estados adquiriram o direito de votar e se candidatar a um cargo público. Ainda assim, tempo e espaço são duas variáveis que se diferem muito quando tratamos dessa conquista: o que em 1906 foi uma grande vitória para as finlandesas, aconteceu na África do Sul somente em 1993 e na Arábia Saudita em 2011.

O poder sobre as decisões públicas, que deveria ser amplo e irrestrito, representativo e proporcional a toda a população, ainda é marcado por gênero, raça e classe, o que abala a representatividade das instituições políticas e resulta em pouca sensibilidade no mundo político diante desses assuntos – o que será melhor discutido em próximos textos desta trilha.

Vamos, agora, conhecer um pouco da história de lutas das mulheres por participação política.

Veja também nosso vídeo sobre a história do feminismo no Brasil!

Sufrágio universal? história da luta pelo voto feminino

Imagem ilustrativa: Voto Feminino: A História Do Voto Das Mulheres.  Imagem: Registros do Partido Nacional da Mulher/Biblioteca do Congresso dos EUA
Imagem: Registros do Partido Nacional da Mulher/Biblioteca do Congresso dos EUA

Desde a Grécia e Roma antigas, cidadania e voto estão ligados. Apenas a alguns homens era concedida a condição de cidadão e apenas estes poderiam participar da esfera pública política.

Do século XVIII em diante, o ideal ocidental da cidadania plena baseada nos princípios de liberdade, participação e igualdade para todas as pessoas serve como parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania em um país.

O século XIX se caracterizou pelas lutas por direitos. Homens brancos e ricos já foram os únicos portadores de direitos civis, políticos e sociais. Percebendo essa estrutura de poder, a luta pelo sufrágio universal se dá pela busca do reconhecimento de todas as pessoas enquanto indivíduos cidadãos.

Segundo Geneviéve Fraisse e Michelle Perrot, na obra “História das mulheres no Ocidente”, os movimentos feministas do século XIX e início do século XX buscavam a transformação da condição da mulher na sociedade através, principalmente, da luta pela participação na cena eleitoral. De fato, essa é uma das primeiras pautas dos movimentos de mulheres capaz de se difundir pelo mundo industrializado ou em industrialização.

Na Europa, a luta das sufragistas se misturava à luta do movimento operário contra a exploração dos trabalhadores, atuando nos partidos de esquerda, socialistas e comunistas. A Nova Zelândia, em 1893, e a Finlândia, em 1906, foram os primeiros países a reconhecer o direito das mulheres ao voto.

Leia também: A história dos direitos das mulheres

Na Grã-Bretanha, o movimento das mulheres conquistou o direito ao voto feminino após a primeira Guerra Mundial. O exemplo das mulheres britânicas espalhou-se pela Europa. Em alguns países, como Suécia e Noruega, o número de eleitoras superou o de eleitores.

Na Inglaterra, Mary Wallstonecraft já tratava dessa demanda em “Reivindicação dos direitos da mulher”, publicado em 1792. Mas o movimento pela participação política feminina chamou a atenção da opinião pública em 1903, as suffragettes fundaram o grupo Women’s Social and Political Union, que se organizou em quatro tipos principais de militância (técnicas de propaganda, desobediência civil, não violência ativa e violência física) e exerceu influência sobre outros movimentos de mulheres em quase todo o mundo ocidental.

Nas Américas, a Constituição dos Estados Unidos, promulgada em 1787, só em 1919 definiu o direito de voto para as mulheres, através da Emenda Dezenove. O movimento sufragista nasceu com a luta contra a escravidão em meados do século XIX e teve grande impulso das sufragistas inglesas.

As estadunidenses conquistaram o direito ao voto no início da década de 1920 por mudar sua abordagem – não mais falando sobre direitos femininos e feminismos, mas sim em direitos da raça humana e democracia – e por seu contato com as militantes inglesas. O Equador foi o primeiro país latino-americano a permitir que suas cidadãs votassem, em 1929. Alguns anos depois, seria a vez das brasileiras.

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As sufragistas brasileiras

Em 2022 marca 90 anos que as mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto, adotado em nosso país em 1932, através do Decreto nº 21.076 instituído no Código Eleitoral Brasileiro, e consolidado na Constituição de 1934.

A luta pelo voto já havia começado há tempos. O Brasil poderia ter sido a primeira nação do mundo a aprovar o voto feminino.

No dia 1º de janeiro de 1891, 31 constituintes assinaram uma emenda ao projeto da Constituição conferindo direito de voto à mulher. Tal emenda foi rejeitada. A ideia de mulheres atuando na esfera pública fora rejeitada por séculos em todo o mundo e levaria algumas décadas para que os mais elementares direitos fossem obtidos, ainda que mais no papel do que na prática.

Em 1832, Nísia Floresta publicou “Direitos das mulheres e injustiças dos homens”, artigo em que exigia igualdade e educação para todas. Segundo Nísia, a situação de ignorância em que as mulheres eram mantidas era responsável pelas dificuldades que enfrentavam. Submetidas a um círculo vicioso, não tinham instrução e não podiam participar da vida pública; não participando da vida pública, continuavam sem instrução.

A escritora também realizou conferências defendendo a emancipação dos escravos, a liberdade de culto e a federação das províncias sob um sistema de governo republicano.

Na Bahia, Amélia Rodrigues protestava contra o envio de cativos para a Guerra do Paraguai em artigo publicado no jornal O Monitor. Em Pernambuco, Maria Amélia de Queiróz redigia artigos em favor da república e da participação das mulheres nas “lutas dos homens”. Já no Ceará, Maria Tomásia Figueira de Melo presidia a sociedade abolicionista feminina Cearenses Libertadoras.

Luta pelo sufrágio após a República

Depois do golpe militar que proclamou a República, em 1889, a vida urbana se acelerou e as indústrias se multiplicaram. Imigrantes trabalhavam mais de 12 horas diante de máquinas, nas piores condições de salubridade. A melhor porta-voz de suas dificuldades foi Patrícia Galvão, conhecida pelo pseudônimo Pagu.

Veja também: Democracia racial: o que significa? é um mito

As mudanças trazidas pelo novo sistema político abriram caminho para a criação de organizações de luta. O Partido Republicano Feminino (PRF) foi fundado em 23 de dezembro de 1910, tendo como sua primeira presidenta a feminista baiana Leolinda Daltro. A organização se propunha a promover a cooperação feminina para o progresso do país, combater a exploração relativa ao sexo e reivindicar o direito ao voto.

Em novembro de 1917, o PRF levou dezenas de simpatizantes do sufrágio universal às ruas do centro de Salvador. Daltro lutou para que um senador apresentasse o primeiro projeto de lei, em 1919, em favor do voto feminino. Em 1921, tal projeto passou pela primeira votação, mas jamais foi realizada a segunda e necessária rodada de votação para converter o projeto em lei.

Diversas foram ainda as tentativas sem êxito de emenda à Constituição e alteração da legislação eleitoral para conferir direitos políticos plenos às mulheres. Nessa época, ocorreram campanhas sistemáticas contra as mulheres, estampadas nas páginas da imprensa e endossadas em diversos espaços da vida social. Eram ridicularizadas e vistas como incapazes de ocupar postos eletivos públicos – um movimento parecido com o que ainda se vê quando as mulheres buscam ampliar sua participação nos espaços políticos.

Imagem ilustrativa: Voto Feminino: A História Do Voto Das Mulheres. Bertha Lutz
Bertha Lutz. Imagem:

Depois, foi a vez da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Lideradas pela bióloga Bertha Lutz, as sufragistas encontraram no senador Juvenal Lamartine um aliado na luta pelo voto. A parceria foi duradoura, pois ela acompanhava o político em seus deslocamentos. Junto com Carmem Portinho, Bertha aproveitava para fazer discursos, distribuir panfletos e dar entrevistas.

 Primeira eleitora e primeira prefeita

Posse de Alzira Soriano como prefeita, em 1929. Imagem: Wikimedia Commons.
Posse de Alzira Soriano como prefeita, em 1929. Imagem: Wikimedia Commons.

O Rio Grande do Norte foi o primeiro Estado brasileiro a conceder o voto à mulher: em 1927, lá foi registrada a primeira eleitora, Celina Guimarães Viana, que requereu o alistamento baseada no texto constitucional do estado que mencionava o direito ao voto sem distinção de sexo.

Entretanto, na primeira eleição em que as mulheres votaram, seus votos foram anulados por decisão da Comissão de Poderes do Senado Federal, em 1928, sob a alegação de que era necessária uma lei especial a respeito. Em seguida, o estado elegeu, em 1929, a primeira prefeita da América do Sul, Alzira Soriano, na cidade de Lajes.

Veja também nosso vídeo sobre o direito das mulheres!

1930 – 1932: o projeto do voto feminino no Senado

Panfleto de campanha eleitoral de Leolinda de Figueiredo Daltro em 1933. Foto: Arquivo Nacional.
Panfleto de campanha eleitoral de Leolinda de Figueiredo Daltro em 1933. Foto: Arquivo Nacional.

Em 1930, começou a tramitar no Senado o projeto que garantiria o direito de voto às mulheres, mas com a revolução ocorrida naquele ano, as atividades parlamentares foram suspensas. Depois da vitória das forças democráticas, foi nomeado um grupo de juristas encarregado de elaborar o novo código eleitoral – dentre eles estava Bertha Lutz.

Em fevereiro de 1932, Getúlio Vargas assinou o tão esperado direito de voto. No ano seguinte, as brasileiras puderam participar da escolha dos seus candidatos para a Assembleia Constituinte em todo o país, mas o voto feminino ainda era facultativo. Somente com a promulgação da nova Carta Magna de 1934 o direito feminino de se alistar foi transformado em dever.

Muitos movimentos sufragistas presumem que suas ações eram parte de uma luta coletiva expressamente internacional, e eles ganharam um sentido de camaradagem universal das mulheres, mesmo em face da oposição interna significativa. Outras linhas de pensamento, ao contrário, localizam a mudança social nos processos nacionais de modernização e de desenvolvimento político, colocando a aquisição do sufrágio feminino como uma vitória nacional peculiar.

De toda forma, o direito ao voto feminino – acompanhado do direito de se candidatar e ser eleita – foi conquistado com lutas históricas de longa duração com mulheres desbravadoras que lideraram as primeiras conquistas feministas e mostraram que lugar de mulher é também nos centros de decisão do país.

Leia também: O que são os direitos das mulheres?

Hoje, à mulher não cabe mais somente o papel de esposa, mãe e dona de casa, como coube durante um longo período de nossa história. Ampliou-se significativamente seu protagonismo na sociedade. Porém, a discriminação ainda perdura, o que faz com que elas sigam lutando pelos seus direitos e, sem dúvida, a grande batalha ainda está relacionada à ocupação de espaços de poder.

Veja também nosso vídeo sobre polícia e mulheres!

24 de fevereiro: dia da conquista do voto feminino no Brasil

O movimento feminista só conquistou o direito do voto feminino  em 24 de fevereiro de 1932, através do Decreto 21.076, pelas mãos do então presidente Getúlio Vargas, sendo incorporado à Constituição de 1934, entretanto esse voto era facultativo. Apenas em 1965 é que o voto se tornou obrigatório, se equiparando ao voto dos homens.

Assim, em 1933, na eleição para a primeira Assembleia Constituinte, as mulheres puderam votar e ser votadas pela primeira vez.

E aí, entendeu como se deu a conquista do voto feminino na história do Brasil e do mundo? Deixe sugestões de filmes, séries ou livros que tratem do tema nos comentários!

Referências:
  • ABREU, Maria Zina Gonçalves de. Luta das Mulheres pelo Direito de Voto. Movimentos sufragistas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Arquipélago – Revista da Universidade dos Açores. Ponto Delgada, 2ª série, VI, 2002.
  • ALVES, Branca Moreira. Ideologia e feminismo: a luta pelo voto no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980.
  • ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O Que é Feminismo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
  • HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil, 1850-1940. Tradução de Eliane Lisboa. Florianópolis: Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003.
  • KARAWEJCZYK, Mônica. As filhas de Eva querem votar. Dos primórdios da questão à conquista do sufrágio feminino no Brasil (c.1850-1932). 398 f. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
  • STANSELL, Christine. The feminist promise: 1792 to the present. New York: Modern Library, 2010.
  • Câmara dos Deputados – 24 DE FEVEREIRO – DIA DA CONQUISTA DO VOTO FEMININO NO BRASIL
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3 comentários em “Voto feminino: a história do voto das mulheres”

  1. Gerdeson Lucas Martins Oliveira

    Presenciei um erro sobre a história do direto ao voto feminino durante a leitura do quase excelente material produzido pela Politize: Celina de Guimarães não foi a primeira a ter o direito ao voto, o voto dela foi anulado pelo Senado apesar de está dentro dos critérios estabelecido pelo código eleitoral do Rio Grande do Norte na época assim como outras mulheres que tentaram antes e não conseguiram como Isabel de Souza Matos, No máximo Celina teve a documento eleitoral, mas não foi a primeira a votar (não é a primeira eleitora). Na verdade a primeira mulher a obter o direito ao voto foi a advogada Mietta Santiago, em 1928, que após perceber que a não contemplação do voto as mulheres contradizia o artigo 70 da constituição de 1891. Nesse cenario ela impetrou um mandato de segurança que the concedeu como consequência o direito ao voto ativo-passivo (podia votar e ser votada) the permitindo vota em si mesma para um mandato de deputada federal. Em sintese: ela realmente foi a primeira a ter o seu direito politico de votar ativo e passivo. Fato reconhecido e amparado em sentença fundamentada em direito liquido e previsto na constituição federal.

    E também gostaria de indicar uma sugestão de tema para ser trabalhado com a Politize ainda envolvendo a conquista feminista do direito ao voto a mulher. Existe um um livro escrito por uma deputada e historiadora que orgulha se de ter escrito o primeiro livro antifeminista brasileiro, Feminismo: Perversão e Subversão, livro rejeitado pela academia por suas ideias errôneas. Ela afirma que o voto está ligado ao deve de ir pra guerra e está a disposição do Estado servindo ao exército. Na verdade voto está relacionado a cidadania e não ao dever de ir pra guerra, a escritora é inteligente e certamente opta por um revisionismo não fundamentado e repleto de teorias da conspiração para difamar o feminismo chegando a usar falacias argumentativas e até distorcer as obras e frases de autoras feministas. Seria bom além de desmistificar essa falsa ideia da relação voto e serviço militar além de outras mentiras propostas em seu perigoso livro.

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Conteúdo escrito por:
Marcela Tosi é internacionalista pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Escreve principalmente sobre direitos humanos, gênero e política.
Tosi, Marcela. Voto feminino: a história do voto das mulheres. Politize!, 18 de agosto, 2016
Disponível em: https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/.
Acesso em: 2 de dez, 2024.

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