Muito se fala, principalmente no contexto de ingresso em universidades públicas, sobre as cotas raciais, sociais e de escolas públicas. Em especial, neste texto, o Politize! trará uma explicação sobre o que são as cotas raciais, como e por que surgiram, o histórico e argumentos usados a favor e contra elas. Fique ligado!
Se preferir, ouça nosso episódio de podcast sobre esse assunto!
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O que são as cotas raciais?
As cotas raciais são ações afirmativas aplicadas em alguns países, como o Brasil, a fim de diminuir as disparidades econômicas, sociais e educacionais entre pessoas de diferentes etnias raciais. Essas ações afirmativas podem existir em diversos meios, mas a sua obrigatoriedade é mais notada no setor público – como no ingresso nas universidades, concursos públicos e bancos.
As cotas raciais são uma medida de ação contra a desigualdade num sistema que privilegia um grupo racial em detrimento de outros – esses, oprimidos perante a sociedade.
Ao contrário do que diz o senso comum, cotas raciais não se aplicam somente a pessoas negras. Em várias universidades, por exemplo, existem cotas para indígenas e seus descendentes, que visam abarcar as demandas educacionais dessas populações. Há, em alguns lugares, cotas diferenciadas para pessoas pardas, também – caso contrário, estão inclusas nas cotas para negros.
Como as cotas funcionam?
Para que usufruam das cotas, as pessoas devem assinar um termo em que se autodeclaram negras, indígenas ou pardas, que então será a garantia documental do uso dessa política afirmativa. Às vezes, quando se trata de concurso público para algum emprego, a pessoa pode passar por uma entrevista.
A existência dessa entrevista, por exemplo, é algo que causa alguma discórdia quando se trata de cotas raciais, em razão de ela ser subjetiva. Afirma-se que existe a possibilidade de haver jogos de influência, pagamento de propina e outras atitudes por meio de quem quer usufruir das cotas raciais ilegalmente – uma pessoa branca, por exemplo.
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Por que cotas raciais existem?
Algumas pessoas explicam as cotas raciais por meio do conceito da equidade aristotélica. Aristóteles, o filósofo grego criou uma teoria que consiste em: tratar desigualmente os desiguais para se promover a efetiva igualdade.
Se duas pessoas vivem em situações desiguais e forem concorrer nas mesmas condições, concretamente a desigualdade será perpetuada. As ações afirmativas seriam uma maneira de colocar essas pessoas no mesmo patamar de concorrência.
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A desigualdade no Brasil abrange o âmbito econômico, social e, principalmente, o da educação e das oportunidades. Segundo dados do IBGE, negros representam 56,1% de toda a população brasileira e, mesmo sendo maioria, são um grupo minoritário em espaços considerados importantes, como chefias de empresas e outros cargos de relevância social.
Em 2020, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou um estudo sobre sobre ação afirmativa e população negra na educação superior que revela a desigualdade no acesso às educação no país. Conforme o estudo, 18% dos jovens negros de 18 a 24 anos estão cursando uma universidade, e se tratando de jovens brancos o número sobe para 36%.
A diferença no nível de escolaridade se reflete também na renda. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada em agosto de 2022 pelo IBGE, revelam que pessoas pretas ganham em média menos que brancos por uma hora trabalhada. Entre abril e julho de 2022, o trabalho de uma pessoa preta valeu 40,2% menos que o de uma pessoa branca. No caso de pessoas pardas, o valor foi 38,4% comparativamente aos brancos.
O quadro da desigualdade social entre negros e brancos ocorre em função dessa diferença de oportunidades. Essa questão porém, está historicamente relacionada à escravidão no Brasil.
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A escravidão negra no Brasil
Há 128 anos, a escravidão no Brasil foi proibida pela Princesa Isabel. Essa é uma história que a maioria das pessoas conhece. Contudo, o processo de abolição da escravatura não foi simples: o sistema de produção latifundiário e de monocultura era o sistema financeiro-econômico predominante há décadas no Brasil, e pôr um fim definitivo a ele demorou. Na verdade, existem ainda hoje muitos casos de trabalho análogo à escravidão em fazendas no Brasil.
Durante 354 anos houve escravos negros no Brasil. Um censo realizado por D. Pedro II em 1872, já próximo ao ano da abolição (1888), estimou uma população de 10 milhões de pessoas, em que 15,24% eram escravos.
Essa mesma população, quando a escravatura foi abolida, não recebeu garantias do Estado nem qualquer ação de políticas públicas em seu favor. Pelo contrário, foram expulsos das fazendas – onde tinham, em condições desumanas, um teto sob onde dormir e comida para se alimentar.
Tiveram de procurar casas e se inserir no mercado de trabalho numa sociedade racista e que não estava interessada na criação de mecanismos de inclusão, para conceder oportunidades às pessoas negras. Das senzalas, portanto, foram para as favelas.
Como as cotas surgiram no Brasil?
Em 1997, apenas 1,8% dos jovens entre 18 e 24 anos que se declararam negros havia frequentado uma universidade, segundo o Censo. As políticas públicas em torno do direito universal de acesso ao ensino, principalmente superior, começaram a ser reivindicados, então, pelo movimento negro.
Quando a questão das cotas para estudantes negros chegou ao Supremo Tribunal Federal, em 2012, foi votada como constitucional por unanimidade. Mas foi em 2000 que, por conta de uma lei estadual, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) foi a pioneira em conceder uma cota de 50% em cursos de graduação, por meio do processo seletivo, para estudantes de escolas públicas.
Depois da UERJ, a Universidade de Brasília (UnB) se propôs a estabelecer as ações afirmativas para negros no vestibular de 2004. A instituição foi a primeira no Brasil a adotar as cotas raciais. De lá para cá, várias universidades e faculdades vêm adotando sistemas de ações afirmativas para os vestibulares e exames admissionais.
A consolidação das cotas aconteceu principalmente com a lei nº 12.711, de agosto de 2012, conhecida também como Lei de Cotas. Ela estabelece que até agosto de 2016 todas as instituições de ensino superior devem destinar metade de suas vagas nos processos seletivos para estudantes egressos de escolas públicas. A distribuição dessas vagas também leva em conta critérios raciais e sociais, pois considera fatores econômicos.
Cotas raciais: o que diz quem é contra e quem é a favor da medida?
Ao longos dos anos, as cotas raciais foram objeto grande e interminável debate. Entenda as principais alegações de quem é favorável e quem é contrário a elas.
Argumentos favoráveis
- Sociedade brasileira é racista: para defender as cotas raciais, vários grupos do movimento negro alegam que pela sociedade ser racista, eles não terão oportunidade de estudo e empregos bons, por um motivo simples: existe um sistema de opressão que privilegia um grupo racial em detrimento de outros.
- As oportunidades de negros e brancos são muito desiguais no país: argumento que já puxa também a conversa sobre questões históricas e o entendimento de que a população negra foi escravizada no Brasil por muito tempo e a escravatura abolida há pouco (em termos históricos). O Estado também não concedeu políticas a fim de dar oportunidades mínimas de sobrevivência – moradia e emprego – a essa população. Dessa maneira, apenas seis gerações depois, entende-se que a disparidade de oportunidades de uma menina negra e de uma menina branca tende a ser muito grande no país, por exemplo.
- Preocupação do Estado em democratizar mais o acesso à universidade e em incluir a população negra nesse processo: quanto mais as pessoas negras acessarem as universidades e permanecerem lá, tiverem formação universitária e oportunidade de boa inserção no mercado de trabalho, maiores serão as chances de que as próximas gerações de brancos e negros seja menos desigual em termos de oportunidades. A partir desse cenário, poderia ser pensado no fim das cotas, pois…
- Trata-se de uma medida profilática de inclusão, porém necessária: o movimento negro, além de reivindicar cotas raciais, pede também pela melhoria do ensino de base (primário, fundamental e médio). De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), demoraria por volta de 50 anos para que a educação de base fosse de qualidade. Argumenta-se que uma bandeira não exclui a outra: ainda é requerido ensino de qualidade, mas não se pode esperar tanto tempo pelo ingresso mais justo nas universidades. As cotas são medidas emergenciais temporárias que devem existir até as disparidades de oportunidade diminuírem.
Argumentos contrários
- Meritocracia: os grupos contrários à instituição de políticas afirmativas para negros afirma que elas são uma forma de tornar o caminho mais fácil e que as pessoas não chegaram ao cargo ou vaga na universidade por mérito e capacidade própria.
- Possibilidade de fraude: é muito difícil definir quem tem direito a essas políticas, porque raça é um conceito social e não biológico. Atualmente, a política é dada por meio do critério da autodeclaração da pessoa negra, indígena ou parda. Porém, algumas pessoas defendem que sejam criadas comissões avaliadoras que utilizem critérios objetivos e subjetivos para decidir quem teria direito às cotas.
- “A Constituição de 1988 estabelece a igualdade entre todos os brasileiros”: existia a polêmica da constitucionalidade, em razão de a Constituição de 1988 estabelecer a igualdade entre todos os brasileiros independente de “raça” e “cor”, por exemplo. Por outro lado, as cotas já foram avaliadas em 2012 no STF como constitucionais.
- Menor grau de cobrança para ingresso das universidades: alguns críticos às cotas afirmam que por – normalmente – a nota para ingresso abaixar para cotistas, que isso pioraria a qualidade do ensino superior. Argumentam que o ingresso de pessoas com ensino básico “mais deficiente” iria aumentar ainda mais as diferenças dentro da sala de aula e a dificuldade de professores nivelarem a turma.
Veja também nosso vídeo sobre desigualdade social e meritocracia!
Balanço das cotas raciais no Brasil: houve mais inclusão?
Em dados objetivos, sim. Em 1997 era 1,8% da população negra que ingressou no ensino superior. Em 2011, saltou para 11,9% – ou seja, houve um aumento de quase 1000%. Em 2014, 30,9% das vagas em institutos federais e 22,4% nas universidades foi destinada a pretos, pardos e indígenas – 1/3 e 1/4 do total de vagas, respectivamente.
O salto no número de ingressos se deve às cotas raciais e também à capacidade dos estudantes. Segundo dados do Sistema de Seleção Unificada, a nota de corte para os candidatos convencionais a vagas de medicina nas federais foi de 787,56 pontos. Para os cotistas, foi de 761,67 pontos. A diferença entre eles, portanto, ficou próxima de 3%.
Segundo o Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA), a taxa líquida de matrícula de jovens de 18 a 24 anos – que mede o número de matriculados no nível esperado de ensino para aquela faixa etária – mais que quintuplicou entre os negros.
No Boletim Políticas Sociais: acompanhamento e análise nº 19, também do IPEA – criado por ocasião da programação em torno do Ano Internacional dos Afrodescendentes no ano de 1992 – apenas 1,5% dos jovens negros nesta faixa etária estavam na universidade. Em 2009, eram 8,3%. A frequência dos jovens negros na universidade, que correspondia a 20,8% da frequência dos brancos em 2002, passou a corresponder a 38,9% em 2009.
Por serem recentes, é bastante difícil coletar dados qualitativos e realizar estudos de todas as universidades em relação às cotas raciais. Porém, a Universidade de Brasília, a primeira a ter cotas raciais, fez estudos e uma análise sobre a aplicação e os resultados das ações afirmativas. Os dados nacionalmente integrados que mensurem a permanência de cotistas, em números e termos qualitativos, ainda não foram sistematizados.
E qual a sua opinião sobre as cotas raciais? É a favor ou contra? Deixe seu comentário!
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Nota: alguns dos argumentos são utilizados pela pesquisadora na área de Filosofia Política e secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, negra, Djamila Ribeiro.
Referências:
- Agência Senado – Negros representam 56% da população brasileira, mas representatividade em cargos de decisão é baixa
- Carta Capital – Ser contra cotas raciais é concordar com a perpetuação do racismo
- Fundação Cultural Palmares – População escrava do Brasil é detalhada em Censo de 1872
- Gife – Apesar do aumento de pessoas negras nas universidades, cenário ainda é de iniquidade
- G1 – Trabalhadores pretos ganham 40,2% menos do que brancos por hora trabalhada
- G1 – Negros são 56% da população, mas presença na Câmara Federal ainda não chega a 30%: ‘Representação é necessária para toda a sociedade’
- Planalto – LeIi nº 12.711, de 29 de agosto de 2012.
- PNAD 2014 – breves análises
2 comentários em “Cotas raciais no Brasil: o que são?”
Primeiramente gostaria de agradecer um espaço para ter a oportunidade de poder expor a opinião sobre o assunto.
Bem a ideia de cotas parece algo reparador para a sociedade, de modo geral. Isso é muito bom.
Más até que ponto ela beneficia?
Porque ela não atende a todos?
Se a cota é para Pretos, porque usar comparativos com pessoas Brancas?
O benefício da cota veio para os Pretos, e a Mulher Preta? Onde ficou? Abaixo dos Homens Pretos?
A cota é somente para os Pretos: e a Mulher Branca e POBRE, fica onde, e nesse caso…o Homem Branco e POBRE, ficam onde?
Na minha opinião, nossa sociedade é muito triste e muito desigual. As pessoas tentando subir umas em cima das outras para chegar em um lugar que lhes é de direito. E isso é a própria sociedade é que vem criando.
Não deveria existir cotas, esse pensamento não inclui todas as pessoas, ficam de fora pessoas POBRES BRANCAS.
Nossa sociedade tem discriminação de COR, de SEXUALIDADE, de poder Financeiro. E como há uma cota que não atende a todas as pessoas?
Oque falta para nossa sociedade é um entendimento de igualdade, de oportunidades, de direitos….de tudo. E através da educação e da vontade de mudança talvez conseguiremos algum progresso no sentido de igualdade para todos.
Bom dia! Você chegou a ler a lei?