No dia 12 de dezembro de 2015, 195 países e a UE se comprometeram, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP21), em Paris, a deter o aumento da temperatura do planeta abaixo dos 2ºC, quando comparado à temperatura média pré-industrial, e a ajudar economicamente os países mais vulneráveis ao aquecimento global. Para a entrada em vigor do acordo, que substituirá a partir de 2020 o atual Protocolo de Kyoto, 55 países que representam 55% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) precisavam ratificá-lo, o que foi alcançado em 4 de novembro de 2016. Até junho de 2017, 195 membros da Convenção assinaram o acordo, e 147 destes, entre eles o Brasil, o ratificaram.
QUAL A IMPORTÂNCIA DO ACORDO?
O aquecimento global é cada vez mais evidente. Os primeiros seis meses de 2016 foram os mais quentes da história das medições, que começaram em 1880, apresentando temperatura média 1,3ºC acima da média do fim do século XIX. Além disso, recentemente a atmosfera atingiu a marca de concentração de 400 ppm de CO2 (gás de efeito estufa, diretamente relacionado ao aquecimento do planeta) pela primeira vez em 4 milhões de anos. Mudanças climáticas relacionadas a este aumento de temperatura também estiveram bastante presentes em 2016: com o El Niño (“fenômeno atmosférico-oceânico caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais no Oceano Pacífico Tropical, e que pode afetar o clima regional e global, mudando os padrões de vento a nível mundial, e afetando, assim, os regimes de chuva em regiões tropicais e de latitudes médias”, de acordo com o CPTEC) intenso no período 2015-2016, a região Sul do Brasil viu um regime de chuvas muito acima da média histórica, com vários eventos extremos, enquanto que a região Nordeste passou por uma seca histórica no primeiro semestre de 2016.
Como mostra a figura abaixo, para haver, pelo menos, uma estabilização da concentração de CO2 na atmosfera, de modo a atingir a meta de limitar o aumento de temperatura média do planeta a 2ºC, deve haver redução aguda das emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos.
Figura 1: Para a concentração de gás carbônico estabilizar no nível atual, as suas emissões devem ser reduzidas drasticamente. (Fonte: US Climate Change Science Program)
O Acordo de Paris é considerado como o principal compromisso assumido para frear o aquecimento global no mundo, já que muito poucos países cumpriram as metas estabelecidas no documento predecessor, o Protocolo de Kyoto.
QUAIS OS PRINCIPAIS PONTOS DO ACORDO?
O principal objetivo do acordo é reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar o aumento médio de temperatura global a 2ºC, quando comparado a níveis pré-industriais. Mas há outras metas e orientações que também são levantadas no acordo, como:
- esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5ºC;
- promover a cooperação entre a sociedade civil, o setor privado, instituições financeiras, cidades, comunidades e povos indígenas para ampliar efortalecer ações de mitigação do aquecimento global;
- recomendações quanto à adaptação dos países signatários às mudanças climáticas, especialmente para os países menos desenvolvidos, de modo a reduzir a vulnerabilidade a eventos climáticos extremos;
- estimula o suporte financeiro e tecnológico por parte dos países desenvolvidos para ampliar as ações para cumprir as metas para 2020 dos países menos desenvolvidos;
- promoção do desenvolvimento tecnológico e transferência de tecnologia e capacitação para adaptação às mudanças climáticas.
O ACORDO POSSUI CARÁTER OBRIGATÓRIO?
Não há obrigatoriedade no cumprimento das metas estabelecidas. Porém, por ser um acordo internacional, é um fator importante na agenda da política externa dos países que o ratificaram, até porque este deve ser um assunto cada vez mais discutido, dada a urgência de medidas para conter o aquecimento global.
COMPROMISSO BRASILEIRO
O Brasil já tinha um histórico de comprometimento com redução de emissão de GEE, como ilustrado pela criação da Política Nacional sobre Mudanças do Clima em 2009. Com a ratificação, o Brasil assumiu como objetivo cortar as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025, com o indicativo de redução de 43% até 2030 – ambos em comparação aos níveis de 2005.
Essas metas, as chamadas INDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas – “Intended Nationally Determined Contribution”), foram apresentadas ao longo de 2015 e convertidas em NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) quando da ratificação do acordo por cada uma das 197 partes da UNFCCC. Estas metas podem ser modificadas pelos países após a conversão para NDC, desde que para uma mais ambiciosa em termos de redução. Além disso, a cada cinco anos as metas de todos os países devem passar por uma revisão geral, de modo a ampliar ainda mais a meta de redução coletiva do acordo.
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ENTENDENDO OS NÚMEROS
O documento base que dispõe sobre os resultados e os métodos utilizados para quantificação dos gases no Brasil chama-se Inventário. O governo brasileiro adotou como critério para projeção das metas o “2º Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa”, do ano de 2010. As emissões são medidas em toneladas de gás carbônico equivalente(ton CO2 eq), ou seja, para o cálculo das emissões de outros gases de efeito estufa que não o CO2, é feita a multiplicação do total emitido pelo potencial de ação de efeito estufa. Para ilustrar isso: o potencial de ação de efeito estufa do gás metano é de 23, então a emissão de 1 tonelada deste gás equivale a 23 ton CO2 eq.
Tabela 1. Emissão brasileira de gases de efeito estufa em 2005, e o quanto deverão ser para cumprir a meta de redução progressiva assumida no Acordo de Paris, em milhões de ton CO2 eq. (Adaptado de: SEEG)
Em termos relativos, conforme cada setor, as emissões que mais destoam provêm da mudança do uso do solo, em especial devido ao desmatamento da Amazônia:
Figura 2: Evolução das emissões brutas de GEE no Brasil entre 1990 e 2013, em ton CO2eq. (Fonte: SEEG)
Quando analisamos a tendência do setores de caráter mais previsível (resíduos, processos industriais, agropecuária e energia), e retiramos da análise o setor “Mudança do Uso do Solo”, percebemos que as emissões dos demais setores são crescentes, com destaque para o setor de energia.
Figura 3: Emissões de GEE por setor, exceto mudança de uso do solo, em ton CO2eq. (Fonte: SEEG)
Saiba mais sobre as emissões brasileiras aqui.
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS SOBRE A META BRASILEIRA?
Como mencionado, o governo brasileiro propôs reduzir suas emissões com base no “2º Inventário”. No entanto, atualmente, já existe o “3º Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa”, o qual, por diferenças metodológicas, contou com uma revisão dos dados de emissão em toda série histórica. A mudança da metodologia resultou em aumento das emissões em 2005 (ano-base) de 2,133 para 2,837 bi ton CO2eq, quando analisados o 2º e 3º inventários nacionais.
Uma vez que o compromisso brasileiro assumido foi de 37% e 43% com base no 2º inventário, o Observatório do Clima lidou apenas com a meta absolutas de redução (em ton CO2eq), com relação a 2005, o que levou a modificação das percentagens das metas.
Tabela 2. Emissões por setor ajustadas com os dados do 3º Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções de GEE para 2005 e as ações e compromissos expressos da INDC brasileira para 2025 e 2030, em milhões ton CO2eq. (Adaptado de: SEEG)
*A remoção se trata da absorção de CO2 por florestas naturais em áreas protegidas.
O resultado significa que a meta pode ser aumentada para 52% (2025) e 57% (2030), sem prejuízo para ações que o país se compromete a traçar a partir do acordo. Veja como fica a projeção das emissões brasileiras ajustadas pela NDC, adaptada pela metodologia do 3º inventário (em milhões ton CO2eq).
Figura 4: Histórico de emissões líquidas de GEE, e previsão das emissões até 2030, de acordo com o compromisso brasileiro no Acordo de Paris. Fonte: SEEG.
Portanto, o governo brasileiro pode ajustar a sua meta de redução de emissões a partir dos valores absolutos de limite de emissões para 2025 e 2030, projetados na NDC, revisando a sua expressão percentual de redução de 37% para 52% em 2025 e de 43% para 57% em 2030.
QUAIS AS MEDIDAS O GOVERNO SE COMPROMETEU PARA ATINGIR O OBJETIVO?
Na área de energia e industrial:
- Aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para 18% até 2030, expandindo o consumo de biocombustíveis e incrementando a porcentagem de biodiesel na mistura de diesel;
- Alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030, incluindo:
- expandir o uso de fontes renováveis, além da energia hídrica, na matriz total de energia para uma participação de 28% a 33% até 2030;
- expandir o uso doméstico de fontes de energia não fóssil, aumentando a parcela de energias renováveis (além da energia hídrica) no fornecimento de energia elétrica para ao menos 23% até 2030, inclusive pelo aumento da participação de eólica, biomassa e solar;
- alcançar 10% de ganhos de eficiência no setor elétrico até 2030.
- No setor industrial, promover novos padrões de tecnologias limpas e ampliar medidas de eficiência energética e de infraestrutura de baixo carbono;
- No setor de transportes, promover medidas de eficiência, melhorias na infraestrutura de transportes e no transporte público em áreas urbanas.
No setor agrícola, florestal e de mudança do uso da terra:
- Fortalecer o cumprimento do Código Florestal, em âmbito federal, estadual e municipal;
- Fortalecer políticas e medidas com vistas a alcançar, na Amazônia brasileira, o desmatamento ilegal zero até 2030 e a compensação das emissões de gases de efeito de estufa provenientes da supressão legal da vegetação até 2030;
- Restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, para múltiplos usos;
- Ampliar a escala de sistemas de manejo sustentável de florestas nativas, por meio de sistemas de georreferenciamento e rastreabilidade aplicáveis ao manejo de florestas nativas, com vistas a desestimular práticas ilegais e insustentáveis;
- No setor agrícola, fortalecer o Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC) como a principal estratégia para o desenvolvimento sustentável na agricultura, inclusive por meio da restauração adicional de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030 e pelo incremento de 5 milhões de hectares de sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas (iLPF) até 2030.
PRINCIPAIS DESAFIOS
Desmatamento
Como dito, a mudança de uso do solo, relacionada principalmente ao desmatamento ilegal, é a principal fonte de emissões de GEE no Brasil. Apesar dos esforços recentes de reduzir o desmatamento na Amazônia Legal, o desmatamento voltou a crescer nos últimos três anos, e entre 2014 e 2015 foi de 6.207 km2. Para cumprir com a proposta de zerar o desmatamento ilegal até 2030, muitas ações precisarão ser tomadas, entre elas, por exemplo, mais investimento para os órgãos ambientais, para melhorar a fiscalização das áreas não desmatadas, prevenindo a grilagem, e melhorar a integração entre as esferas federal, estadual e municipal na gestão e monitoramento, para assegurar a implementação do Código Florestal e do Cadastro Ambiental Rural. Destaca-se ainda que as ações propostas no Acordo visam somente a eliminação do desmatamento na Amazônia, não ampliando para outras regiões do País.
Setor de energia
- Matriz energética – 80% da energia no Brasil vêm de usinas hidrelétricas. Com a crise hídrica recente, e, com isso, o aumento da demanda de energia elétrica, houve um recente incremento de investimento em usinas termelétricas. De acordo com o Observatório do Clima, 71% de todo o investimento energético planejado para a próxima década é destinado à energias fósseis.
- Uso de combustíveis fósseis – depois de um longo período de crescimento da indústria alcooleira, nos últimos anos se viu um crescente declínio do consumo de etanol como combustível, devido ao aumento de preço muito acima ao da gasolina, o que reduziu bastante sua competitividade no mercado. Políticas públicas, como mudanças na tributação, o incremento de biocombustíveis na mistura de combustíveis fósseis, e incentivo ao uso de veículos híbridos e elétricos, tanto para uso particular como transporte público de passageiros, por exemplo, serão importantes para reduzir o consumo no setor de transportes.
- Pré-sal: o Senado aprovou em 24/02/16 o Projeto de Lei 4567/16, que desobriga a Petrobras de ser a operadora de todos os blocos de exploração do pré-sal no regime de partilha de produção. Com isso, a tendência é que a produção de petróleo cresça, o que vai contra a tendência mundial de redução do consumo de combustíveis fósseis. A Câmara dos Deputados ainda precisa votar emendas ao texto final, mas já o texto-base já foi aprovado no dia 5 de outubro.
Os compromissos assumidos pelo Brasil em âmbito internacional passarão por grandes desafios internamente. Cabe ao governo brasileiro promover políticas públicas eficientes na área de mudanças climáticas, de modo a incorporá-las ao planejamento do desenvolvimento nacional – evitando assim que se encontrem desarticulados entre si em diferentes instâncias de governo. É fundamental, neste momento, converter o compromisso em ação.
QUER SABER MAIS?
Publicações Observatório do Clima:
- Observatório do Clima: nota à imprensa sobre o Acordo de Paris
- Observatório do Clima: quão boas são as metas do Brasil no acordo de Paris
- SEEG Brasil: análise das metas climáticas do Brasil
- Site oficial do Acordo de Paris