Em dezembro de 2016 o governo Temer apresentou uma proposta de Reforma da Previdência que, em seus dois anos de governo, passou por diversas alterações e não chegou a ser aprovada. A principal justificativa para a necessidade da reforma é de que existe um déficit da previdência e que, sob as regras vigentes, esse sistema estaria fadado a quebrar.
Desde então, a proposta tem enfrentado forte resistência por parte da população e pela oposição política, o que tem dificultado sua aprovação.
Eleito, Bolsonaro colocou a Reforma da Previdência como prioridade do primeiro ano de governo, alegando que todos os demais problemas do país só seriam resolvidos com a aprovação da proposta.
No entanto, a existência de um déficit da previdência – principal justificativa para a reforma – não é um consenso entre políticos e especialistas. Há quem argumente que o sistema previdenciário é, na verdade, superavitário. Por outro lado, há opositores à proposta que concordam que trata-se de um sistema insustentável, mas argumentam que a atual proposta de reforma da previdência não é a melhor solução para esse problema.
Afinal, existe um déficit da previdência? Neste post o Politize! explora esse debate, apresentando os principais argumentos dos dois pontos de vista.
Déficit e superávit no cálculo da previdência
O debate sobre a existência de um déficit ou superávit da previdência é central para compreender a discussão sobre a Reforma. Mas, afinal, o que cada um desses termos significa?
Um déficit da previdência significaria que os gastos do sistema previdenciário são maiores do que sua arrecadação, de forma que o pagamento dos benefícios estaria criando um rombo nos cofres públicos.
Por outro lado, um superávit significaria que o valor arrecadado pela previdência social é maior do que o valor gasto com ela.
Para determinar se há ou não um déficit da previdência, portanto, é preciso observar o cálculo: valores arrecadados – valores pagos. Se esse cálculo tiver um resultado negativo, há um déficit.
Por essa razão, é de suma importância observar quais são os valores contabilizados como arrecadação e quais valores entram na soma dos gastos. Esse é o cerne do questionamento do caráter deficitário da previdência.
A previdência é superavitária: argumentos
Despesas com a previdência rural
Segundo defensores da ideia de que existe um superávit ao invés de um déficit da previdência, a Previdência rural não deve ser considerada na conta da Previdência Social. Isso porque os trabalhadores rurais contribuem muito pouco para o sistema. De fato, em 2017, segundo o Ministério da Fazenda, foram apenas R$ 9,3 bilhões arrecadados de trabalhadores do campo, enquanto os benefícios para aposentados e pensionistas rurais chegou a R$ 120 bilhões. A pouca contribuição leva alguns a defender que a previdência rural pode ser considerada benefício assistencial.
Removendo a conta amplamente deficitária da previdência rural, fica apenas a previdência urbana. De fato, essa parte do sistema tem sido superavitária desde 2009. Em 2015, porém, o superávit entre os trabalhadores urbanos foi muito menor que nos anos anteriores: R$ 5,5 bilhões – frente a superávits próximos a R$ 30 bilhões entre 2011 e 2014. Por fim, em 2017, a previdência urbana, ainda segundo o Ministério do Trabalho, teve seu segundo déficit consecutivo: se a arrecadação cresceu 4,4%, o pagamento de benefícios, 10,2% (em relação a 2016).
A Seguridade Social é superavitária – graças às contribuições
O argumento mais significativo de que a previdência tem superávit é que o governo desconsidera na contabilidade oficial receitas que deveriam ser integralmente designadas para o Orçamento da Seguridade Social – que inclui Previdência, Saúde e Assistência Social. Essas receitas são as contribuições sociais, como a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Juntas, a Cofins e a CSLL somaram mais de R$ 260 bilhões em 2015, segundo o Tesouro Nacional.
De acordo com a economista Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, se levadas em conta essas receitas, a Seguridade Social é superavitária há anos. Porém, a União apresenta a Seguridade Social junto com o Orçamento Fiscal, contrariando a Constituição de 1988, que determina a apresentação desses dois orçamentos separadamente (artigo 165, § 5º). Isso dificulta a identificação da transferência de recursos da Seguridade Social para outras áreas, afirma Gentil.
Na prática, o governo retira grande parcela desses recursos para financiar outras despesas do orçamento. A princípio, essas mudanças de destino não seriam possíveis porque as contribuições são vinculadas pela Constituição para despesas da Seguridade Social. Ocorre que, desde 1994, o governo adota a chamada Desvinculação das Receitas da União (DRU), que permite que um percentual das receitas sejam usadas livremente, sem considerar vinculações constitucionais – a versão mais recente, aprovada em 2016, desvincula 30% das receitas.
Por fim, os que alegam haver superávit previdenciário lembram que houve muitas desonerações fiscais desde 2011 no Brasil. Desse modo, o governo renunciou a dezenas de bilhões de reais que se destinariam a custear a Previdência. Apenas em 2015, essa conta chegou a R$ 104 bilhões.
A previdência é deficitária
Previdência rural faz parte da Previdência Social
Os defensores da tese de que existe um déficit da previdência discordam que benefícios de trabalhadores possam ser desconsiderados do regime geral. Como argumenta Pedro Fernando Nery, consultor legislativo do Senado Federal, em um sistema de seguro, como o da Previdência, é natural haver grupos que contribuem mais do que ganham ou que ganham mais do que contribuem. Há outros grupos deficitários na Previdência, como as mulheres, que se aposentam mais cedo e contribuem por menos tempo e contribuintes de regiões como o Nordeste. Exclui-los da contabilidade não faz sentido, assim como excluir aposentados rurais da conta, argumenta Nery.
Além disso, esse argumento considera que a previdência urbana é superavitária. O problema é que até 2008, ela sempre apresentou déficit. E com a crise econômica dos últimos anos, que aumentou o desemprego no Brasil, é provável que volte a registrar déficits nos próximos anos.
Contribuições da Seguridade Social cobrem o déficit e precisam financiar saúde e assistência
Os que defendem que existe um déficit da previdência ainda rejeitam a ideia de que as contribuições sociais são receitas próprias da Previdência. Em primeiro lugar, porque elas se destinam não apenas a gastos previdenciários, mas também às outras áreas da Seguridade Social – saúde e assistência social, também carentes de recursos.
Com a DRU, o uso das contribuições sociais é expandido para outras áreas. Isso significa que, para que os recursos pudessem financiar a Previdência, outras áreas ficariam subfinanciadas. De todo modo, as contribuições já são usadas para cobrir o déficit existente hoje, afirma Nery.
O problema demográfico
Além dos argumentos relacionados à contabilidade usada pelo governo, ainda existe a questão da transição demográfica. É fato: aos poucos, o Brasil está envelhecendo – e isso tem impacto direto sobre a previdência. Dados do IBGE levantados pelo economista e secretário da Fazenda Mansueto Almeida mostram que a relação entre trabalhadores ativos e inativos cairá de 9 para 1 em 2015 para 4 para 1 em 2040. Trata-se de uma queda rápida e significativa, que pode ameaçar a sustentabilidade do sistema previdenciário. Por isso, Mansueto, Nery e outros defendem a reforma do sistema.
Entretanto, a economista Denise Gentil contesta a preocupação excessiva com o impacto do envelhecimento da população sobre a previdência – que ela classifica como “determinismo demográfico“. Segundo Gentil, mais importante que realizar uma reforma previdenciária será adotar políticas macroeconômicas que levem a altas taxas de crescimento e aumento da produtividade do trabalhador. Isso permitiria o reequilíbrio do sistema.
Conseguiu entender as visões dos dois lados? Para guardar os argumentos de quem sustenta que existe ou que não existe o déficit da previdência, veja os vídeos abaixo:
Sim, existe déficit da previdência
Não, não existe déficit da previdência
Referências do texto:
Carta Capital – Manipulações e desrespeito à Constituição ocultam saldos positivos da Previdência
Folha de São Paulo – Queda nas carteiras assinadas corrói Previdência urbana
Frente Parlamentar em Defesa da Previdência Social – Desmistificando o Déficit da Previdência
Fundação Anfip – A DRU e o falso déficit da Previdência Social
Previdência – RGPS: Previdência Social fecha 2017 com déficit de R$ 182,4 bilhões