Imagem: Wilson Dias/ Agência Brasil.
Ainda hoje, muitas pessoas continuam a defender uma intervenção militar no Brasil e a rejeitar a democracia. As Forças Armadas são a instituição com maior credibilidade da população brasileira, com declaração de confiança de 56% dos brasileiros. Para efeito de comparação, apenas 7% dos brasileiros confiam nos partidos políticos.
Nos últimos anos, têm sido recorrentes manifestações e pedidos por intervenção militar no Brasil. Após o resultado das Eleições Gerais de 2022, esse movimento ganhou ainda mais força com parcela dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro indo às ruas manifestar a favor da intervenção das Forças Armadas no país.
Mas você sabe a origem desses pedidos? Quais são as suas motivações? A Constituição Federal prevê a intervenção militar? É constitucional reivindicar pela intervenção militar?
Tradição militar no Brasil
Vale lembrar que o Brasil possui uma forte tradição militar em sua história política. Nossa república foi proclamada por um marechal: Deodoro da Fonseca. Em nossa história republicana, já tivemos nove presidentes militares, incluindo os dois primeiros (Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto) e outros cinco em sequência, durante a ditadura que perdurou entre 1964 e 1985.
Apenas os dois restantes – Hermes da Fonseca e Eurico Gaspar Dutra – foram eleitos pelo voto direto. Militares aparecem em nossa política em diversos momentos do século XX, como no movimento tenentista dos anos 1920, na revolução de 1930, na intentona comunista de 1935 e no golpe militar de 1964.
Dessa forma, a tradição militar brasileira vem de longa data e continua impactando o cenário político-social do país até os dias de hoje.
O que é intervenção militar?
A intervenção militar é um processo em que as Forças Armadas do país intervêm no Estado, derrubam a autoridade instituída e tomam o controle do país, como ocorreu na Ditadura Militar no Brasil, em 1964. Ainda, a intervenção militar com o objetivo de controlar os poderes de um país configura uma ação inconstitucional e, consequentemente, um golpe de Estado.
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Origem recente dos pedidos de intervenção militar no Brasil
Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil.
Os pedidos por intervenção militar tornaram-se recorrentes em manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a partir de 2015. Os defensores do intervencionismo argumentavam a necessidade de intervenção por problemas de corrupção nos últimos governos.
Em novembro de 2016, após a manifestação de um grupo pró-intervenção militar na Câmara dos Deputados, a pauta do militarismo ganhou ainda mais espaço. O grupo de cerca de 40 pessoas invadiu o plenário da Câmara, quebrando a porta de acesso ao local.
Eles permaneceram na mesa da presidência da Câmara por algumas horas, com postura hostil, e só saíram após ação da Polícia Legislativa. Entre outras reivindicações, pediam a presença de um general no local. Os manifestantes afirmavam apoiar iniciativas de combate à corrupção e se mostravam favoráveis a uma intervenção militar “com apoio do povo”.
Os manifestantes que invadiram o Congresso defendem a ideia de que a sociedade deve ser governada por militares. Esses governantes, por sua vez, devem aplicar conceitos incorporados ou associados às organizações militares.
O que se entende por militarismo?
Na história do Brasil, assim como da América Latina em geral, essa doutrina confunde-se com o autoritarismo – pode até mesmo ser encarada como uma forma particular dessa forma de governo.
De modo geral, o autoritarismo baseia-se em valores como ordem, disciplina, hierarquia, segurança e respeito absoluto à autoridade. Também é bastante presente o elemento nacionalista, a defesa da pátria e dos costumes e convenções nacionais.
Defensores de governos militares ou autoritários costumam se queixar da corrupção e da desordem supostamente promovidas por regimes democráticos. A saída para esse alegado caos seria um regime militar, mesmo que isso signifique o sacrifício de algumas liberdades e direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de associação.
O militarismo, quando alcança o governo, costuma se expressar por medidas incompatíveis com aquelas normalmente instituídas em regimes democráticos. Para isso, podemos olhar para exemplos históricos. Governos militares latino-americanos de meados do século XX, por exemplo, eram tipicamente autoritários.
Por exemplo: todos surgiram após a destituição de um governo democraticamente eleito – portanto, por meio de golpes de Estado. Também limitaram as liberdades individuais e o pluralismo político ao impedir manifestações contra o governo, censurar a imprensa, perseguir grupos políticos, banir eleições, proibir a existência de todos ou a maior parte dos partidos políticos e eventualmente dissolver parlamentos. Tais ações foram tomadas durante a ditadura militar brasileira, por exemplo.
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Prioridade à defesa nacional
Além disso, governos militaristas se caracterizam pelo investimento prioritário em defesa – algo esperado, uma vez que esta é considerada uma das áreas prioritárias para o desenvolvimento nacional por militares.
Se definido apenas como a priorização da defesa nacional, o militarismo pode ser visto como traço de regimes democráticos que dão especial atenção ao arsenal bélico, como os Estados Unidos – fortemente munido de armas nucleares e equipamentos militares de ponta.
Economia
Na condução da política econômica, o militarismo não está associado a nenhuma corrente específica de pensamento. Isso varia de acordo com o contexto de cada governo militar.
Muitos grupos militares com atuação política relevante no século XX foram inclinados ao socialismo – Cuba e Coreia do Norte, por exemplo, até hoje são governados por militares socialistas/comunistas. Por outro lado, regimes militares latino-americanos foram inclinados ao capitalismo e anticomunistas. Mesmo assim, havia divergências entre eles.
O regime brasileiro, iniciado em 1964, foi marcado por forte intervenção do Estado na economia – houve grande investimento estatal em infraestrutura, por exemplo. Já o regime militar de Augusto Pinochet, no Chile, aderiu a teses da Escola de Chicago, de cunho liberal, e promoveu, entre outras medidas privatizações de estatais chilenas.
Valores
Em boa parte dos casos, a ideia de intervenção militar parte de setores conservadores da sociedade. Seus defensores, pelo menos no Brasil, costumam ser contrários a medidas como legalização do aborto, das drogas e reconhecimento do casamento homoafetivo. Há também uma defesa à família tradicional e valores religiosos.
O que diz o artigo 142?
Após o resultado das Eleições Gerais de 2022, ocorreram uma série de manifestações em que, parcela dos apoiadores de Bolsonaro, citam o artigo 142 da Constituição Federal para pedir intervenção militar. Entretanto, esse pedido é baseado numa interpretação equivocada, pois o artigo mencionado não permite intervenção militar.
O artigo 142 da Constituição dispõe que:
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Ou seja, as Forças Armadas só podem ser acionadas em situações excepcionais, como, por exemplo: estar em guerra com outros países. Contudo, não deve ser empregada por um poder contra outro, visto que isso configuraria um golpe de Estado. Nesse caso, o processo deve ser aprovado pelo Congresso Nacional.
Veja também nosso vídeo sobre 4 golpes de Estado que mudaram o Brasil!
A própria Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados emitiu um parecer no qual esclarece que o artigo 142 não autoriza uma intervenção militar a pretexto de “restaurar a ordem”. De acordo com o parecer, a interpretação de que as Forças Armadas podem sobrepor as decisões de representantes eleitos pelo povo se configura como uma fraude ao texto constitucional.
Confira o parecer sobre a interpretação do art. 142 na íntegra!
No parecer é destacado ainda que “nenhuma autoridade está fora do alcance da Lei Maior”. O presidente da República dispõe de autoridade que é suprema em relação as autoridades militares, mas isso não se aplica em relação à ordem constitucional do país.
E, aí? Conseguiu entender como seria uma intervenção militar no Brasil? Deixe suas dúvidas nos comentários!
Referências:
- Agência Câmara de Notícias – Câmara emite parecer esclarecendo que artigo 142 da Constituição não autoriza intervenção militar
- Brasil de Fato – Pedir artigo 142 vai contra ordem institucional, afirma procuradora de SP
- FGV – ICJBrasil 2017: Confiança da população nas instituições cai
- FGV – Relatório ICJBrasil 1º semestre/2017
- InfoEscola – Militarismo
- Jorge da Silva – Militarismo
- Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999
- UOL Notícias – Artigo 142 não prevê intervenção militar nem federal; entenda
1 comentário em “Intervenção militar no Brasil”
Fico com o artigo 5° da Constituição de 1988.