Você está no primeiro texto de uma trilha de conteúdos sobre a Democracia. Veja os demais posts:
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- O poder emana do povo? Conheça a democracia representativa
- A democracia participativa é possível? Entenda
“A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo.”
– Abraham Lincoln (1809 – 1865), presidente dos Estados Unidos
“A capacidade do homem para a justiça faz a democracia possível, mas a inclinação do homem para a injustiça faz a democracia necessária.”
– Reinhold Niebuhr (1892 – 1971), filósofo americano
A democracia é invocada constantemente no discurso político: todos querem mais democracia. Os políticos adoram qualificar suas ações como democráticas ou justificam medidas autoritárias como necessárias para defender-se de algum inimigo.
Afinal de contas, o que é democracia?
Muitas pessoas explicariam que democracia é a presença de eleições. Mas também há eleições em ditaduras – como havia no Brasil, durante o regime militar, ou no Egito, em que o ditador ficou décadas sendo reeleito, e até mesmo em regimes totalitários como a Coréia do Norte, um dos mais fechados que o mundo já viu. Eleições ajudam a dar uma máscara de legitimidade a um regime autoritário, mesmo que não sejam livres e nem competitivas.
Outros diriam que é quando a maioria decide no momento de alguma escolha – o que é verdade e importante, mas não define tudo. Outros ainda definiriam como o governo do povo – o que também não é uma definição holística.Não existe uma resposta óbvia e direta: o conceito de democracia pode ser definido por diversos aspectos. Há ainda de se considerar que as democracias se apresentam em vários graus diferentes de desenvolvimento, desde aquelas com características autoritárias até as democracias mais desenvolvidas. E para complicar mais um pouco, a concepção de democracia mudou muito ao longo do tempo, como veremos mais adiante.
O que é necessário numa democracia?
Existem vários modelos e teorias que tentam caracterizar e descrever os sistemas democráticos. Utilizaremos o modelo desenvolvido pelo teórico político Robert Dahl, que listaas condições necessárias para que os processos de escolha representem ao máximo a vontade das pessoas.
A democracia para Robert Dahl
Dahl argumenta que a democracia pura, na qual todos os cidadãos têm igual poder de influenciar decisões, é um ideal inatingível na prática. Em vez disso, ele utiliza o conceito de poliarquia para descrever sistemas políticos que se aproximam desse ideal democrático sem, contudo, nunca alcançá-lo plenamente devido às limitações inerentes ao mundo real.
Ele identifica duas dimensões essenciais para avaliar poliarquias: a contestação política e a inclusão. Contestação política refere-se à liberdade dos cidadãos em expressar suas opiniões, formar partidos de oposição e disputar eleições. Por outro lado, a inclusão diz respeito à extensão do direito de participar do processo político. Ao todo, ele lista nove aspectos para se avaliar um sistema político como poliarquia.
O que define uma poliarquia?
Segundo Dahl, as características da poliarquia são:
- Liberdade de formar e aderir a organizações;
- Respeito às minorias e busca pela equidade;
- Liberdade de expressão;
- Direito de voto;
- Elegibilidade para cargos públicos;
- Direito de líderes políticos disputarem apoio e, consequentemente, conquistarem votos;
- Garantia de acesso a fontes alternativas de informação;
- Eleições livres, frequentes e idôneas;
- Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência do eleitorado.
Um sistema que tenha todas estas características poderia ser classificado como uma poliarquia, ou uma democracia perfeita segundo o modelo desenvolvido por Dahl. Mas nos sistemas democráticos reais, muitas destas qualidades estão ausentes ou não são completamente satisfeitas.
Portanto, como tudo em política, há diversos tons de cinza numa escala que vai de regimes autoritários – sem nenhuma dessas características – à poliarquia – com todas essas características. Existem grupos que monitoram a qualidade da democracia no mundo e para isso desenvolvem suas próprias escalas e critérios. Um deles é o Democracy Index (Índice da Democracia), cuja análise para a democracia do Brasil veremos mais adiante.
Saiba mais: Índices de democracia: como mensurar os princípios democráticos?
A democracia é a melhor opção?
“Muitas formas de governo foram tentadas, e serão testadas neste mundo de pecado e aflição. Ninguém finge que a democracia é perfeita ou onisciente. De fato, diz-se que a democracia é a pior forma de governo exceto todas as outras formas que foram testadas de tempos em tempos.”
– Winston Churchill (1874 – 1965), estadista, militar e historiador britânico
“A pior democracia é preferível à melhor das ditaduras.”
– Rui Barbosa (1849 – 1923), político e jurista brasileiro
É fato que nunca antes tantas pessoas viveram com suas liberdades civis garantidas como hoje. Esse avanço ocorreu com um salto significativo nas décadas de 1980 e 1990 com o fim das ditaduras militares na América Latina e a queda do bloco comunista soviético.
Mas para Aristóteles (384 – 322 a.C.), o filósofo grego, ainda há um sistema melhor que a democracia. Em seu livro “Política”, ele esquematiza os tipos de governos possíveis conforme o seu entendimento, analisando os regimes políticos de seu tempo.
Os argumentos de Aristóteles
Para ele existem três formas possíveis de governo: o governo de um, o governo de alguns e o governo de muitos. Eles são respectivamente a monarquia, a aristocracia e a politeia. Mas cada uma destas formas de governo também apresenta uma forma “corrompida”, ou degradada, que são, respectivamente, a tirania, a oligarquia e a democracia.
Segundo Aristóteles, os governos tendem a se degenerar com o tempo: uma aristocracia se degenera numa oligarquia, que por sua vez se degenera numa monarquia, até chegar na tirania. Para esse filósofo, a democracia era a melhor forma de governo possível no mundo real, e mesmo sendo a versão corrompida da politeia, ainda assim era preferível à aristocracia.
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Mas então, qual a diferença entre uma democracia e a politeia?
A diferença é que, segundo Aristóteles, numa democracia, assim como em todas as formas degradadas de governo, os indivíduos agem somente em seu próprio interesse ou de seu grupo, enquanto que nas formas virtuosas de governo, os indivíduos preocupam-se com o bem estar da sociedade como um todo.
Aristóteles já alertava que numa democracia, se o governo ficasse submetido diretamente à vontade do povo, sem limites ou regras, haveria o risco da tomada de decisões equivocadas e desastrosas, pois a maioria das pessoas não tem conhecimento para tratar diretamente dos assuntos do Estado. Nesse caso, a democracia transformar-se-ia numa oclocracia, ou governo das multidões.
Ao contrário do que afirma a expressão em latim “Vox Populi Vox Dei” (Voz do Povo, Voz de Deus), nem sempre o que a maioria da população quer ou apoia é uma boa escolha para a sociedade como um todo. O problema de não deixar o governo totalmente nas mãos da multidão seria endereçado mais tarde pelo desenvolvimento da democracia moderna e com a adoção de democracias representativas.
Assista também nosso vídeo sobre a menina que desafiou a ditadura:
A democracia é, então, a melhor forma de governo disponível?
Para muitas nações, a resposta provável é sim. Mas a democracia não acontece porque algo está escrito num pedaço de papel, mas está, acima de tudo, na cultura e no pensamento da sociedade – como veremos nos próximos conteúdos desta trilha.
Você agora entende melhor o que é democracia? Deixe seu comentário! No próximo texto, começamos a compreender o que são democracias diretas, indiretas e representativas.
Referências:
- ARISTÓTELES. Política. Editora Universidade de Brasília: Brasília, 1985.
- DAHL, Robert Alan; LIMONGI, Fernando; PACIORNIK, Celso. Poliarquia: participação e oposição. Edusp, 1997.
- DE MATTOS, Alessandro Nicoli. O Livro Urgente da Política Brasileira, 4a Edição: Um Guia para entender a política e o Estado no Brasil. Alessandro Nicoli de Mattos, 2017.
4 comentários em “O que é democracia? Aprenda agora em até 10 minutos”
Minha mãe nasceu ao término da 2ª Guerra (em 10/1945), passou pela 4ª República, pela Ditadura Militar e processo de redemocratização.
Percebo nela resquícios de uma mentalidade rígida, típica de uma época sem direitos, sem liberdades, de tabus e regras sociais marcadas pelo machismo, pela religião, etc. Mas também fruto da história de vida pessoal. Ela e irmãos ficaram órfãos a partir dos 4 anos, criados por familiares, enfrentaram a pobreza (condição comum no Brasil), lutaram de forma independente e tiveram certas conquistas, o que os levou a enaltecer ainda mais o trabalho árduo. Porém, é difícil explicar para ela que hoje, o poder emana do povo. Que um vereador não é uma autoridade. Que o prefeito, o governador, e até mesmo o diretor de escola não pode fazer tudo que quer. Que a sociedade tem representatividade política, seja através do voto ou através de movimentos sociais ou instâncias colegiadas. Que a obediência cega não existe mais.
Sugiro um video para explicar para muitas pessoas, como o mesmo pensamento fechado, que vivemos em uma época de igualdade social e legal, ao menos teórica.
Clareou ..café o vídeo indicado.
Muito bom
Democracia é um sistema de governo no qual o poder político é exercido pelo povo, seja diretamente ou através de representantes eleitos. Nesse sistema, os cidadãos têm o direito de participar das decisões políticas, seja por meio do voto em eleições ou de outras formas de participação cívica. A democracia também envolve o respeito aos direitos individuais e às liberdades civis, assim como a separação de poderes entre os diferentes órgãos do Estado. Em resumo, a democracia busca garantir a participação, a igualdade e a liberdade dos cidadãos na condução dos assuntos públicos.