Este conteúdo que fala sobre o acordado sobre o legislado é o segundo texto de uma trilha sobre reforma trabalhista. Veja os demais textos desta trilha: 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7
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Em dezembro de 2016, o Presidente da República Michel Temer anunciou um dos principais projetos de seu governo: a reforma trabalhista. Apresentada pelo Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, a proposta foi enviada como Projeto de Lei para o Congresso Nacional e uma das suas principais proposições é a prevalência do acordado sobre o legislado. A proposta é polêmica, mas já encontrava jurisprudência em decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF).
Entenda o que propõe a mudança da prevalência do legislado para o acordado e qual a principal polêmica em relação ao projeto.
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ENTENDA A PROPOSTA DO GOVERNO PARA O ACORDADO SOBRE O LEGISLADO
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Hoje, as regras sobre os direitos dos trabalhadores e a relação entre trabalhador e empregador são firmadas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A proposta de reforma do governo busca alterar as leis trabalhistas para, assim, priorizar os acordos e negociações coletivas entre empresas e sindicatos, ao invés de atender às rígidas leis da CLT. Se aprovada, a mudança dará força de lei aos acordos trabalhistas.
De acordo com o governo, a reforma busca solucionar uma de suas principais preocupações, que é a retomada da economia e a redução do quadro de desempregados, estimado em 12 milhões de pessoas pelo IBGE. Para o ministro Nogueira, a proposta se concentra em três eixos: a segurança jurídica, a criação de empregos e a consolidação dos direitos.
Contudo, o ministro afirma que não existe a intenção de alterar os direitos adquiridos com a CLT, apenas de aprimorar os direitos do trabalhador. A medida permite mudanças em doze pontos específicos, que dizem respeito ao salário e à jornada de trabalho. Não podem ser alteradas normas de saúde, segurança e higiene do trabalho. As mudanças são proibidas também no que diz respeito a direitos como FGTS, 13º salário, seguro desemprego e salário família, repouso semanal remunerado, licença maternidade de 120 dias, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, entre outros.
Confira quais são os pontos que podem ser mudados no acordado sobre o legislado:
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Parcelamento das férias em até três vezes, sendo que uma das frações deverá corresponder a um mínimo de 15 dias, e o restante do período de férias poderá ser objeto de negociação coletiva. O pagamento das férias deverá ser feito de forma proporcional aos respectivos períodos.
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O cumprimento da jornada de trabalho poderá ser negociado entre patrões e empregados, mas deve ser respeitado um limite de 12 horas diárias e 220 horas mensais. Segundo o Ministro do Trabalho, a proposta não busca a ampliação da jornada de trabalho, mas que a convenção coletiva possa determinar de que maneira a jornada de 44 horas semanais será cumprida, desde que de forma vantajosa para o trabalhador.
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O intervalo dentro de uma jornada de trabalho poderá ser negociado, desde que respeitando um limite mínimo de 30 minutos.
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Os acordos coletivos poderão prever a criação de um banco de horas, para contabilizar tanto as horas extras trabalhadas, quanto a forma de pagamento. As horas extras deverão ser pagas com um acréscimo mínimo de 50%.
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Poderá ser negociado se as horas gastas no trajeto de casa até o trabalho serão remuneradas. Atualmente essas horas não são pagas e seriam mais aplicadas aos casos em que a empresa fornece transporte aos trabalhadores que moram em áreas muito afastadas da empresa.
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Poderão ser firmados acordos coletivos sobre o trabalho remoto, ou seja, a atuação dos trabalhadores fora da sede da empresa.
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Poderá ser acordado o direito dos trabalhadores à participação nos lucros e resultados da empresa.
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Estabelecimento de um plano de cargos e salários.
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Poderá ser negociado também o estabelecimento de remuneração por produtividade.
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O ingresso no Programa Seguro-Emprego (PSE).
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Dispor sobre a extensão de um acordo coletivo mesmo após a expiração do seu prazo de validade.
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Flexibilização em relação ao registro de ponto na jornada de trabalho, que hoje é obrigatório e deve ser feito por ponto manual, mecânico ou eletrônico para empresas com mais de 10 funcionários. Com a mudança, a forma de registro e acompanhamento de ponto poderá ser definida por acordo coletivo.
Você conhece os direitos previstos na CLT? Explicamos alguns deles aqui!
QUEM É CONTRA E QUEM É A FAVOR DA MUDANÇA?
Segundo o presidente Temer, a medida dará mais autonomia aos trabalhadores nas negociações e fortalecerá o movimento sindical. Além disso, irá desonerar as empresas, possibilitando a criação de mais empregos. O governo defende também que o projeto manterá as leis trabalhistas e garante que as relações de trabalho não serão precarizadas.
O projeto é apoiado pelo empresariado e por alguns sindicatos, sobretudo os sindicatos patronais. Para o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, a proposta visa valorizar a negociação entre trabalhador, sindicato e empresa, o que diminuirá o número de processos na justiça trabalhista. Ele afirma ainda que a proposta não busca negociar os direito sociais em si, mas a forma como o trabalhador usufrui desses direitos.
De forma semelhante pensa o ministro Ronaldo Nogueira, que afirma que dar força de lei às negociações coletiva evitará a judicialização desnecessária, além de proporcionar mais segurança jurídica ao trabalhador e ao empregador.
Contudo, o projeto encontra resistência no Ministério Público do Trabalho, na Justiça do Trabalho e em alguns partidos políticos. Os críticos ao projeto defendem que as medidas ferem direitos fundamentais dos empregados, historicamente garantidos pela CLT, por exemplo a jornada mínima de uma hora de intervalo.
O QUE OS ESPECIALISTAS PENSAM SOBRE A MEDIDA?
A BBC Brasil ouviu diversos especialistas sobre o assunto, que divergem sobre os efeitos da medida, mas concordam em afirmar que as mudanças não devem ter impacto relevante na recuperação do mercado de trabalho, um dos argumentos do Governo Federal ao propor a reforma. Para eles, a queda do desemprego depende do retorno dos investimentos e do consumo, fatores que não devem ser influenciados pelas mudanças nas leis trabalhistas.
Para o advogado trabalhista Sergio Batalha, o efeito vai ser mínimo tanto para a criação de empregos, quanto nos efeitos sobre o trabalhador. Segundo ele, a medida não será tão ruim para o trabalhador quanto afirmam os críticos ao projeto.
Já o economista, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em mercado de trabalho, José Pastore, a medida terá pouco impacto sobre a geração de emprego, mas a possibilidade de negociação entre trabalhadores e empresas é bastante positiva, já que permite a flexibilização de leis trabalhistas. Ele afirma que a atual legislação gera incerteza sobre a validade desses acordos, que muitas vezes são derrubados pela Justiça do Trabalho, gerando insegurança jurídica e medo na hora de fazer contratações.
Por outro lado, o professor de direito do trabalho na faculdade de direito da USP, Flávio Roberto Batista, pensa que a reforma trará resultados bastante pessimistas, com grandes riscos de as flexibilizações trabalhistas causarem ainda mais demissões.
JURISPRUDÊNCIA NO STF
Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu protagonismo em duas importantes decisões, onde estava em discussão a prevalência do acordado sobre o legislado.
No primeiro caso, o STF julgou o Recurso Extraordinário 590.415, onde o Banco do Estado de Santa Catarina (BESC), antes de ser privatizado, firmou um acordo coletivo com o sindicato dos empregados, no qual quitava dívidas com os trabalhadores que concordassem em não entrar na justiça trabalhista após o pagamento da indenização.
A questão chegou ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), que anulou o acordo por entender que a cláusula de quitação era genérica e que os empregados poderiam sim discutir judicialmente outros valores a serem pagos como indenização.
Em interposição de recurso no STF, o ministro Luís Roberto Barroso tomou decisão contrária ao TST e considerou que a cláusula de quitação era válida, fundamentando seu argumento na alegação de que a Constituição Federal prestigia a autonomia coletiva como mecanismo de participação do trabalhador na formulação das normas que regerão sua vida, inclusive no trabalho.
Outro argumento do ministro foi que as convenções coletivas constituem legítimo instrumento de prevenção a conflitos trabalhistas. De forma geral, o ministro Barroso considerou o princípio de boa-fé da negociação coletiva, afirmando que as partes possuem capacidade e legitimidade para decidir o que é melhor para ambas.
Um segundo caso foi julgado em setembro de 2016, após o ministro Teori Zavascki decidir sobre o Recurso Extraordinário 895.759. Também houve decisão contrária à tomada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que havia anulado uma cláusula de acordo coletivo que excluía o pagamento das horas que o trabalhador gasta para ir e voltar do trabalho (in itinere).
O ministro do STF decidiu que era válido o acordo firmado, que permitia à empresa compensar as horas in itinere com outros benefícios que não o pagamento em dinheiro. No caso, o sindicato e a empresa haviam acordado a exclusão desse pagamento em troca de benefícios mais vantajosos aos trabalhadores.
No entendimento de Zavascki, não havia indícios de que o acordo tivesse extrapolado os limites do bom-senso, pois embora tenha limitado legalmente um direito, concedeu outras vantagens em seu lugar, tudo isso em concordância com a entidade sindical.
A reforma trabalhista permanece em discussão no Congresso e será votada no segundo semestre de 2017. E você, é contra ou a favor da reforma? E o que achou das mudanças no acordado sobre o legislado? Deixe seu comentário.
Confira quais são os principais pontos da reforma trabalhista
Fontes: Infomoney | Conjur | UOL Notícias | Estado de São Paulo | G1 | Agência Brasil