A acessibilidade está presente na vida de todas as pessoas. É só você pensar: como foi a última vez que você precisou atravessar uma rua movimentada? Ou descer as escadas no escuro no meio da sessão de cinema? Acessar aquele cardápio via QR Code? Ou computar seu voto na urna durante as eleições?
Sem o mínimo de acessibilidade, você não conseguiria executar nenhuma dessas ações. Então, vamos entender a importância da acessibilidade para as eleições.
Se você não sabe o que é acessibilidade, alguns exemplos: filme legendado, elevador, rampa, semáforo sonoro, vagas de estacionamento, sinalizações de degraus, eletrodomésticos com alarme ou sensor, ampliador de texto, assentos espaçosos, arquitetura Montessoriana e por aí vai.
Tudo isso colabora com a autonomia de cada pessoa, a depender de suas especificidades, não apenas para quem tem alguma deficiência. O objetivo deste texto da Politize! é falar sobre como a acessibilidade para as eleições no Brasil tem se desenvolvido.
Pessoas com deficiência estão votando cada vez mais
De acordo com o censo de 2010 do IBGE, mais de 45 milhões de brasileiros – ou seja, 23,9% da população – têm algum tipo de deficiência, seja auditiva, visual, motora, intelectual ou múltipla (quando envolve mais de uma).
Mesmo com a evolução nas leis e com o desenvolvimento de políticas públicas de inclusão, muitos brasileiros se deparam com várias barreiras na acessibilidade para as eleições.
Quando se fala em eleições, é fácil lembrar das principais dificuldades enfrentadas pelos cidadãos na hora de votar, mesmo com um sistema eleitoral mais acessível com a inclusão de urnas eletrônicas e biometria.
Quem não se recorda de pontos negativos como as lotações das seções, filas longas, informações confusas, sinalizações inadequadas? Agora, imagina essa mesma realidade sendo vivida por pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 156 milhões de eleitores brasileiros estavam aptos a votar nas eleições de 2022. Desse número, 1,2 milhões (0,81% do total) declararam ter algum tipo de deficiência.
A participação desses eleitores no último pleito foi de 820 mil pessoas – 30% maior do que o de 2018 -, devido às novas medidas de acessibilidade adotadas pela Justiça Eleitoral.
Novas medidas de acessibilidade para as eleições
Nas últimas eleições, houve o aprimoramento de softwares já existentes e a instalação de novos recursos de acessibilidade nas urnas eletrônicas. Pessoas idosas e com analfabetismo, que têm voto facultativo, também se beneficiaram com essas adaptações.
Há também a permissão para o uso de instrumentos que possam auxiliar durante a votação, mas a Justiça Eleitoral não é obrigada a fornecê-los.
Leia também: as urna eletrônica são seguras?
Algumas ações, como o atendimento prioritário a pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, já haviam sido implementadas para garantir aos cidadãos o acesso aos locais de votação, mas não foi suficiente.
Então, com a participação efetiva desse público nas eleições, a cobrança por melhorias voltadas para a acessibilidade e o direito das pessoas com deficiência também ganharam maiores proporções.
Listamos as principais mudanças em 2022:
- Direito de votar em seção com ou sem acessibilidade, sendo adotadas medidas de acordo com a necessidade do eleitor e da eleitora com deficiência ou mobilidade reduzida;
- Possibilidade de contar com a ajuda de uma pessoa de confiança no momento de votar, inclusive auxiliando a apertar as teclas, em casos específicos;
- Intérprete de Libras disponível na tela de todas as 577.125 urnas, incluindo modelos novos e antigos;
- Recurso de sintetização de voz e melhoria na qualidade do áudio da urna para eleitores com deficiência visual, informando, além da candidata ou do candidato titular, os nomes dos suplentes e dos vices;
- Braille no teclado para facilitar a identificação das teclas para pessoas com deficiência visual;
- Fones de ouvido nas seções com acessibilidade ou quando houver solicitação específica.
De acordo com o Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA Internacional), o Brasil possui, há mais de 20 anos, um dos sistemas mais avançados de votação, que é a urna eletrônica. O modelo é exemplo de acessibilidade e segurança para vários outros países.
Todavia, um dos grandes problemas enfrentados por pessoas com deficiência durante o processo eleitoral começa no acesso às informações sobre os candidatos e as candidatas que estão pleiteando as vagas.
As campanhas eleitorais da televisão ainda utilizam alguns recursos, como audiodescrição e janela de Libras, previstas em lei, mas a barreira muitas vezes está na comunicação com os concorrentes, que geralmente acontece pela internet, sem o uso de ferramentas com linguagem ou navegabilidade acessível, mesmo quando acessadas por tecnologias assistivas.
O que a legislação brasileira tem feito para garantir a acessibilidade para as eleições?
A Hand Talk é uma plataforma que traduz simultaneamente conteúdos em português para a Língua Brasileira de Sinais (Libras), colaborando com a inclusão de pessoas surdas. E há algo que ela lembrou bem: a primeira lei a dispor sobre os direitos das pessoas com deficiência (Nº 7.853, de outubro de 1989) tem praticamente o mesmo tempo da nossa Constituição (1988).
Veja também: tudo sobre a Constituição de 1988
Já a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Nº 13.146 foi criada para assegurar e promover os direitos fundamentais das pessoas com deficiência em prol da sua inclusão social e da sua cidadania. Todavia, isso só aconteceu recentemente, em 2015, o que mostra o quanto o Brasil ainda avança a passos lentos quando o assunto é acessibilidade.
Temos, no nosso país, alguns atos normativos que dispõem especificamente sobre acessibilidade para as eleições, como o Decreto Nº 5.296 de 2004, sobre atendimento prioritário e normas gerais, e a Resolução Nº 23.659 de 2021, que versa sobre a gestão do Cadastro Eleitoral.
Além disso, há várias leis federais sobre acessibilidade na web, que também deveriam ser colocadas em prática com mais seriedade e urgência, já que é um dos meios mais utilizados pelos eleitores para acessar e conhecer informações sobre os políticos e candidatos.
A acessibilidade dos dados, inclusive, é um direito garantido pela Constituição Federal, que afirma ser “assegurado a todos o acesso à informação”, também presente no Manual de Comunicação Acessível do Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
De acordo estudo do Movimento Web Para Todos (MWPT) e da BigData Corp, realizado em 2020, 99,26% dos sites brasileiros apresentam algum problema de acessibilidade.
Esses sites contêm barreiras como a falta de descrição de imagens, vídeos sem audiodescrição, Libras e legendas, que impedem o acesso à informação e infringem uma série de leis federais, tornando-se passíveis à autuação pelo Ministério Público Federal.
O acesso à informação é um direito também regulamentado pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), com consequências mais rígidas às violações.
Para que as leis sejam de fato regulamentadas e colocadas em prática, é preciso que as pessoas com deficiência participem ativamente de todo o processo eleitoral. É o que diz Alana de Farias, servidora pública com deficiência visual que atuou como mesária nas eleições de 2022.
Além de exercer a cidadania, é possível tornar o sistema ainda mais democrático e acessível com o desenvolvimento de ferramentas de acessibilidade.
Confira também nosso vídeo sobre os direitos das pessoas com deficiência!
Algumas ações e diretrizes de acessibilidade para as eleições em outros países
A principal lei sobre acessibilidade, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, é a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York, em 2007, e promulgada no Brasil, em 2009. Ela tratou sobre os direitos das pessoas com deficiência com exclusividade. Até então, não havia ainda um ato normativo destinado apenas a esse tema.
Para quem desconhece, uma convenção funciona como um acordo realizado entre países para obedecerem a uma lei comum sobre um assunto específico, tornando-se um compromisso legal e um guia para as ações dos governos.
Há alguns materiais que apresentam um comparativo e outras curiosidades sobre as eleições dos países:
- O documento elaborado pela Câmara dos Deputados, em 2008, que faz uma comparação sobre as leis de acessibilidade dos países do Mercosul;
- A série de reportagens sobre as eleições pelo mundo, produzida pelo TSE.
Desses conteúdos, podemos pontuar algumas questões sobre acessibilidade.
A urna eletrônica é um avanço em relação à praticidade de voto acessível e, além do Brasil, outros 22 países, como Equador, Bélgica, Venezuela, Mongólia etc., também utilizam esse tipo de processo. E há países, como a Estônia, que permitem ainda o voto pela internet.
Na Gâmbia, país da África Ocidental, eles criaram uma forma de estimular o voto de quem não é alfabetizado. Os eleitores votam colocando bolinhas em tambores coloridos com fotos dos candidatos e o som que elas fazem ao cair é diferente para que as pessoas não votem mais de uma vez.
Em Londres, foi criado, e atualizado recentemente, o estatuto de orientação para mesários e mesárias – que eles chamam de “ROs” (abreviação de Returnig Officers) -, voltado especificamente para a assistência a pessoas com deficiência.
Lá, de acordo com a Lei de Igualdade (Equality Act 2010), eles precisam pensar em ajustes necessários para que os eleitores com diferentes tipos de deficiência possam votar com mais autonomia naquele pleito.
No Canadá, o voto acontece em cédulas e existem alguns serviços e ferramentas para garantir a acessibilidade, principalmente para pessoas com deficiência auditiva e visual, como lupas, lápis em tamanhos grandes, cédulas e letras com tamanhos maiores.
São muitas as diferenças e adaptações nos processos eleitorais dos países. E, de acordo com o TSE, as eleições refletem a cultura, a realidade e a democracia de cada nação.
Entretanto, a mudança para uma vivência mais acessível é responsabilidade de cada um de nós, como cidadãs e cidadãos, no acompanhamento e na cobrança pelo direito de todos e todas, levando em conta as especificidades de cada indivíduo.
E aí, conseguiu entender a importância da acessibilidade para as eleições e como ela torna a democracia mais inclusiva? Se este conteúdo faz sentido para você, compartilhe com alguém que também gostaria de ler.
Referências:
- ENAP – Cartilha do Censo 2010 – Pessoas com Deficiência
- IBDD – Primeira lei voltada para as pessoas com deficiência
- Lei Brasileira de Inclusão (Nº 13.146, de 6 de julho de 2015)
- Lei Geral de Proteção de Dados (Nº 13.709, de 14 de agosto de 2018)
- Resolução Nº 23.659, de 26 de outubro de 2021
- Planalto – Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
- Planalto – Decreto Nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004
- TRE – Manual de Comunicação Acessível
- TSE – A JE Mora ao Lado: mesária defende maior inclusão de pessoas com deficiência nas eleições
- TSE – Acessibilidade nas eleições
- TSE – Comparecimento de eleitores com deficiência cresceu 30% em 2022
- TSE – Da obrigatoriedade dos recursos de acessibilidade à propaganda eleitoral após a edição da lei 13146/2015
- TSE – TSE publica série de reportagens sobre Eleições pelo Mundo
- W3C Brasil – Cartilha: Acessibilidade na Web