Você certamente ouviu falar nas últimas semanas do Acordo Mercosul – União Europeia. Fruto de uma negociação de mais de 25 anos, ele surge como um dos principais acontecimentos da Política Externa atual e envolve grandes números, objetivos e opiniões. Mas o que, afinal, significa esse acordo? Por que ele demorou tanto tempo para ser firmado? E, na prática, o que se sabe sobre ele até então?
Nesse texto, o Politize! sintetiza tudo isso e muito mais para você. Antes de mais nada, que tal relembrar um pouco do que são os dois blocos personagens desse acordo? Segue com a gente!
O que é o Mercosul?
Para entender melhor o que significa o Acordo Mercosul – União Europeia, é importante que tenhamos claro o que significa cada um desses dois blocos.
O Mercosul, sigla para Mercado Comum do Sul, na definição do governo brasileiro, é hoje a principal iniciativa de integração da América do Sul. O bloco se formalizou com a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991 e do Protocolo de Ouro Preto, em 1994, que definiu sua estrutura. Seus membros fundadores foram os países do Cone Sul (a parte mais ao Sul da América do Sul): Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai.
Na visão de especialistas, a exemplo do professor Guilherme Casarões – doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Campinas (UNICAMP) – em entrevista concedida ao programa Xadrez Verbal, a construção desse bloco começa bem antes da assinatura desse tratado.
Apesar de formado por uma série de países, seu centro político se encontra na relação entre suas duas maiores economias: Brasil e Argentina. A construção de um bloco sul-americano necessitava de que ambos pudessem confiar um no outro. Até a década de 1970, no entanto, a relação entre os dois países estava conturbada e as desconfianças eram crescentes, em temas como desenvolvimento nuclear e a disputa pelos recursos da Bacia do Prata.
Somente com a assinatura do Tratado Itaipu – Corpus, que estabelecia a gestão compartilhada dos recursos hídricos da Bacia do Prata, em outubro de 1979, foram criadas as condições políticas para a aproximação entre os dois países. Na década seguinte, de 1980, essa relação se fortaleceu com os processos de redemocratização na América do Sul, e o bloco, enfim, se formou em 1991. Daí a importância de considerarmos com certa atenção o posicionamento da Argentina em qualquer negociação que envolva o bloco.
Recentemente, um dos principais assuntos relacionados ao Mercosul tem sido a situação da Venezuela. Primeiro país além dos quatro fundadores a cumprir os critérios de adesão, a Venezuela se tornou membro pleno em 2012. Contudo, devido à grave crise política e social no país, foi suspensa do bloco em 2016 por descumprir obrigações econômicas e normativas, e em 2017 foi afastada definitivamente com base na Cláusula Democrática, que exige que os membros mantenham um regime democrático, algo que continua sendo amplamente questionado em relação ao governo venezuelano.
Saiba mais: Crise na Venezuela!
Todos os demais países sul-americanos possuem status de associados ao Mercosul, com exceção da Bolívia, que concluiu seu processo de adesão em dezembro de 2022, tornando-se o quinto membro pleno do bloco, ao lado de Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai. Contudo, apenas os membros plenos têm poder de decisão nas ações tomadas pelo bloco, como a negociação do Acordo Mercosul – União Europeia. A Venezuela, apesar de ser membro pleno desde 2012, permanece suspensa desde 2017 devido ao descumprimento da Cláusula Democrática, o que a torna ausente dessas deliberações.
Características do Mercosul
O bloco é uma União Aduaneira, ou seja, uma área de livre-comércio (com ausência de tarifas ou tarifas reduzidas para grande parte dos produtos comercializados entre os países membros) que apresenta uma Tarifa Externa Comum (TEC). Na prática, contudo, sua implementação enfrenta desafios devido a divergências nas políticas comerciais entre os membros.
O Mercosul representa um grande mercado consumidor para a Europa, com a inclusão da Bolívia como membro pleno desde 2022, aumentando sua população total para cerca de 295 milhões de habitantes e reforçando sua relevância econômica. Juntos, os países membros do Mercosul representam uma parcela significativa do PIB da América do Sul, com impacto global relevante.
Caso tenha ficado alguma dúvida sobre o Mercosul, confira: Mercosul: saiba tudo sobre esse bloco econômico
O que é a União Europeia?
A União Europeia é uma união política e econômica entre 27 países da Europa: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia, Chipre, Chéquia, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha e Suécia.
Apesar de sua origem oficial ser o Tratado de Maastricht, em 1992, o ideal de cooperação europeia começou bem antes, na década seguinte ao final da Segunda Guerra Mundial, com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, formada por Alemanha, Itália, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, em 1952. Cinco anos depois, em 1957, foi assinado o Tratado de Roma, que criou a Comunidade Econômica Europeia (CEE) com 12 países, que manteve esse nome até sua transformação em União Europeia em 1992.
Vale lembrar que o Reino Unido deixou oficialmente a União Europeia em 31 de janeiro de 2020, um processo conhecido como Brexit. Para entender mais sobre o impacto disso.
Quais as características da União Europeia?
O bloco hoje é um Mercado Comum, ou seja, uma União Aduaneira com livre circulação de pessoas, serviços e capitais, e políticas comuns de regulamentação de produtos entre seus 27 Estados membros.
Suas principais características são:
- A presença de uma moeda comum, o Euro, adotada por 20 dos 27 países membros (Zona do Euro).
- A Área Schengen de livre circulação, na qual as pessoas não necessitam de autorização para cruzar as fronteiras entre os 27 Estados que fazem parte dela (incluindo países não membros da UE, como Noruega e Suíça).
- A presença de diversos órgãos de administração interna, sendo o Parlamento Europeu o mais conhecido como órgão legislativo.
Em números, o PIB da União Europeia é um dos maiores do mundo, estimado em cerca de 16 trilhões de euros em 2022, segundo a Comissão Europeia. Embora represente aproximadamente 5,6% da população global, sua participação no comércio mundial continua em torno de 15%. A população total é de aproximadamente 450 milhões de habitantes após a saída do Reino Unido.
Relação do Mercosul com a União Europeia
O bloco hoje é um Mercado Comum, ou seja, uma União Aduaneira com livre circulação de pessoas, serviços e capitais, e políticas comuns de regulamentação de produtos entre seus 27 Estados membros.
Suas principais características são:
- A presença de uma moeda comum, o Euro, adotada por 20 dos 27 países membros (Zona do Euro).
- A Área Schengen de livre circulação, na qual as pessoas não necessitam de autorização para cruzar as fronteiras entre os 27 Estados que fazem parte dela (incluindo países não membros da UE, como Noruega e Suíça).
- A presença de diversos órgãos de administração interna, sendo o Parlamento Europeu o mais conhecido como órgão legislativo.
Em números, o PIB da União Europeia é um dos maiores do mundo, estimado em cerca de 16 trilhões de euros em 2022, segundo a Comissão Europeia. Embora represente aproximadamente 5,6% da população global, sua participação no comércio mundial continua em torno de 15%. A população total é de aproximadamente 450 milhões de habitantes após a saída do Reino Unido.
O Acordo Mercosul – União Europeia
Em 6 de dezembro de 2024, o Mercosul e a União Europeia anunciaram oficialmente a conclusão do tão aguardado acordo de livre-comércio, encerrando um processo de negociações que durou mais de 25 anos. O anúncio foi feito durante a cúpula do Mercosul em Montevidéu, Uruguai, marcando um momento histórico para os dois blocos.
O pacto prevê a eliminação progressiva de tarifas de importação e exportação em diversos setores, a ampliação de oportunidades comerciais e investimentos, além de estabelecer compromissos para fortalecer a cooperação em questões políticas, sociais e ambientais, como mudanças climáticas e sustentabilidade.
Apesar da assinatura, o acordo ainda precisa passar pelo processo de ratificação. Isso inclui a aprovação pelos parlamentos dos países do Mercosul, pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu, etapas consideradas desafiadoras devido à resistência de alguns países da UE, como França e Áustria, que expressaram preocupações relacionadas ao impacto ambiental e à proteção de seus setores agrícolas.
A implementação do acordo é vista como uma oportunidade significativa para reforçar a integração econômica entre os blocos, mas também levanta debates sobre as concessões feitas para alcançar um consenso.
Trajetória histórica do acordo no Brasil
Ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, após uma aproximação na década de 1990, o acordo começou a ser pensado, em 1999.
Conforme resumido por Daniel Rittner, repórter do Valor Econômico, em entrevista ao programa Xadrez Verbal, na primeira fase, de 2001 e 2004, as negociações avançaram em paralelo com as negociações da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), que era pensada pelos Estados Unidos. A força de barganha que uma negociação dava a outra (como alternativa) era importante ao seu prosseguimento.
Quando a negociação da ALCA parou, dessa forma, houve também um esfriamento da negociação entre o Mercosul e a União Europeia. Os grandes pontos de discussão nesse momento eram os subsídios agrícolas fornecidos pela Europa, que poderiam prejudicar os concorrentes brasileiros e as proteções através de barreiras tarifárias e não tarifárias concedidas sobretudo à indústria pelo lado dos países do Mercosul.
Em 2010 as negociações foram retomadas, com avanços nos textos, mas sem grandes avanços práticos. Os governos de Dilma Rousseff, no Brasil e Cristina Kirchner, na Argentina, mantiveram posturas protecionistas, visando defender os produtores e incentivar o desenvolvimento local. Da mesma forma que em momentos anteriores, essas barreiras conflitavam com os interesses europeus.
Em relação à essa postura protecionista, um dos fortes argumentos dos que a defenderam ao longo dos últimos 25 anos é o medo de uma reprimarização da economia. Ou seja, tendo em vista que os produtos europeus, em média, possuem maiores investimentos, infraestrutura produtiva e bagagem tecnológica que os produtos locais, uma entrada deles sem barreiras poderia representar uma competição desleal sobretudo aos industriais brasileiros. Dessa forma, não conseguindo competir a nível industrializado, o país estaria fadado a produzir permanentemente produtos primários.
No governo Temer essa não foi uma grande preocupação. Com a maior propensão a abertura econômica, houveram novos avanços nas negociações, com diálogos em uma maior variedade de temas.
Seguindo na proposta de abertura, o Acordo Mercosul – União Europeia foi um dos objetivos buscados pela Política Externa do governo Jair Bolsonaro, tendo sua assinatura concluída em 28 de junho.
No atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o acordo foi finalmente concluído em dezembro de 2024, após a negociação e aprovação de uma Carta de Compromissos Adicionais que aborda preocupações ambientais e trabalhistas. O governo Lula enxerga o pacto como uma oportunidade estratégica para fortalecer a imagem internacional do Brasil e abrir novas oportunidades comerciais, enquanto trabalha para alinhar os compromissos do acordo às metas de sustentabilidade, especialmente em questões como a redução do desmatamento e a promoção de práticas econômicas mais sustentáveis.
Alguns pontos importantes do Acordo Mercosul – União Europeia
O Acordo Mercosul-União Europeia, finalizado em 6 de dezembro de 2024, representa um marco nas relações comerciais e políticas entre os dois blocos após 25 anos de negociações. Ele surge como uma resposta às crises do sistema multilateral de comércio, ao aumento do protecionismo nos Estados Unidos e à crescente dependência econômica em relação à China. Esse contexto levou Mercosul e União Europeia a buscar maior integração econômica, garantindo acesso a mercados e estabelecendo mecanismos ágeis de solução de controvérsias.
O acordo é abrangente, incluindo o comércio de bens e serviços, fluxos de investimentos, compromissos de desenvolvimento sustentável, compras governamentais e barreiras comerciais. Além disso, incorpora uma Carta de Compromissos Adicionais, detalhando metas relacionadas a normas ambientais, como a redução do desmatamento em pelo menos 50% até 2025, e promovendo práticas como rastreabilidade produtiva e economia circular. Também reafirma compromissos com o Acordo de Paris e a proteção de populações indígenas.
Do ponto de vista comercial, o acordo prevê a eliminação de tarifas de importação para mais de 90% dos produtos negociados entre os blocos, com implementação gradual em até 15 anos. Produtos sensíveis terão cotas específicas com isenção ou redução tarifária. Para o Brasil, os ganhos são estimados em até R$ 500 bilhões em exportações nos próximos 15 anos, especialmente em setores como automotivo, químico, farmacêutico e de máquinas. Já a União Europeia busca fortalecer sua posição na América do Sul frente à competição com os Estados Unidos e a China, com benefícios para seus setores industriais e acesso a compras governamentais no Mercosul.
O acordo também trata do comércio de serviços e investimentos, estruturado para evitar discriminação contra prestadores estrangeiros e garantir maior transparência e segurança jurídica. Ele promove a redução de barreiras à entrada, protegendo os interesses de investidores e prestadores de serviços de ambos os blocos.
A aprovação do acordo ainda enfrenta desafios. Na União Europeia, a ratificação requer aprovação do Conselho da UE, do Parlamento Europeu e, possivelmente, dos parlamentos nacionais dos 27 países-membros. A oposição liderada por países como França, Polônia, Itália e Áustria pode bloquear o processo, especialmente devido a preocupações ambientais e agrícolas. No Mercosul, a ratificação depende dos congressos nacionais, com previsão de conclusão em até cinco anos.
Esse acordo é visto como o mais ambicioso já negociado pelo Mercosul, fortalecendo sua presença no comércio global e impulsionando negociações com outros parceiros, como EFTA e Emirados Árabes Unidos. Apesar dos obstáculos, ele sinaliza uma abertura econômica significativa e promete benefícios estratégicos para ambos os blocos. No entanto, seus impactos práticos dependerão de uma implementação cuidadosa e de esforços para superar resistências políticas e setoriais.
O que está sendo dito sobre o acordo?
Apesar de reconhecer a importância de acordos comerciais, o presidente argentino Javier Milei vê o pacto Mercosul-União Europeia como mais um exemplo do que ele chama de amarras impostas pelo Mercosul, que dificultam o crescimento individual de seus integrantes. Ele propõe uma reavaliação completa do modelo de integração regional, favorecendo maior autonomia e flexibilidade para os países membros.
O Mercosul e suas restrições também foram um empecilho para o progresso dos argentinos. O Chile exporta 50 vezes mais cereja do que nós, exporta US$ 50 bilhões por ano de cobre, enquanto nós, zero. Quantos mercados novos poderíamos ter desenvolvido se estivéssemos abertos ao mundo?
O presidente brasileiro, Lula, enxerga o Acordo Mercosul – União Europeia como uma grande conquista
As condições que herdamos eram inaceitáveis. Foi preciso incorporar ao acordo temas de alta relevância para o Mercosul. Conseguimos preservar nossos interesses em compras governamentais, o que nos permitirá implementar políticas públicas em áreas como saúde, agricultura familiar e ciência e tecnologia. Alongamos o calendário de abertura do nosso mercado automotivo, resguardando a capacidade de fomento do setor industrial. Criamos mecanismos para evitar a retirada unilateral de concessões alcançadas na mesa de negociação
Conseguiu entender o que significa o Acordo Mercosul – União Europeia? Conte pra nós nos comentários a sua opinião sobre ele!
Atualizado 12 de dezembro 2024.
Referências:
- Agreement in principle
- BBC (UE fechou acordo com pressa)
- BBC (Mercosul e UE fecham acordo histórico)
- BBC (oposição de políticos franceses)
- ComexVis
- Coletiva de imprensa sobre o acordo
- DW (Acordo divide opiniões na Alemanha)
- Economia.Uol (Bolsonaro comemora acordo)
- Estadão (Compromisso do Brasil sobre o clima foi chave)
- Estadão (O acordo UE – Mercosul)
- Exame (Sobre o acordo)
- G1 (Agricultores criticam acordo)
- Folha (Voto francês no acordo não está garantido)
- Folha (UE reduzirá tarifas mais rápido que Mercosul)
- Folha (Brasil negocia cláusula para acelerar início do acordo)
- Folha (Acordo inclui restrição à produtos de área desmatada)
- Estadão (O acordo UE – Mercosul) – Folha (Histórico do acordo)
- Folha (Acordo abre mercado para licitações da UE)
- G1 (Acordo com União Europeia tira Mercosul do isolamento)
- Imprensa Livre (O acordo de recolonização)
- Infomoney (Como o acordo pode afetar o bolso do brasileiro)
- Itamaraty (Nota à Imprensa) – Mercosul.gov
- Nexo (O acordo entre Mercosul e União Europeia)
- Planato (Acordo fechado após 20 anos de negociação)
- Press Release da Comissão Europeia
- Revista Fórum (Bresser afirma que acordo entre Mercosul e União Europeia condena Brasil ao atraso)
- Terra (Setor siderúrgico critica acordo) – União Europeia (Perguntas e Respostas sobre o acordo)
- Xadrez Verbal (podcast especial sobre o acordo)