Às vezes, é preciso fazer cortes… E normalmente, é pensando nisso que começa um ajuste fiscal.
Você já deve ter reparado que o Brasil não anda muito bem das pernas. Depois de quase uma década de crescimento econômico consistente, o país tem enfrentado desde 2011 um desaquecimento da economia, com o PIB crescendo menos, a inflação ficando cada vez mais alta e o consumo em níveis menores.
Em 2014, a crise se agravou de vez e chegou ao Governo Federal. Pela primeira vez em 18 anos, o governo fechou o ano com déficit de R$17,24 bilhões em suas contas, ou seja, gastou mais do que arrecadou. Sem superávit, o governo não consegue fazer economia para pagar os juros da dívida pública, causando desconfiança nos investidores.
Por causa dessa situação delicada, a nova equipe econômica começou seus trabalhos com a promessa de realizar um ajuste fiscal, que também pode ser chamado de medidas de austeridade. Neste post, o Politize! vai explicar para você em 4 passos por que o governo decidiu por esse ajuste, como ele vai realizá-lo e o debate que existe em torno dele.
1) Por que um ajuste fiscal?
Para entender o porquê de um ajuste fiscal, primeiro a gente precisa entender o papel que o governo tem no desenvolvimento do país e como ele consegue exercê-lo.
No Brasil, o Estado é encarregado de fornecer uma série de serviços públicos, especialmente aqueles que são considerados direitos de todos os cidadãos, como educação, saúde, justiça, etc. Além disso, a responsabilidade pela infraestrutura também recai sobre o governo. Assim, o Estado precisa levantar verbas para construir escolas, hospitais, creches, estradas, entre muitas outras coisas.
Para conseguir os recursos necessários para tanta obra e projeto, o governo conta com um sistema de arrecadação de impostos. Mas apenas isso não basta. É preciso também criar um ambiente favorável para os negócios, para que o setor privado invista no país, gerando também mais impostos, e também atraindo mais investidores (que emprestam dinheiro para o governo através de títulos da dívida pública).
Para mostrar que o país é seguro para os negócios e que investir no governo é um bom negócio, o governo se compromete a cumprir metas que demonstrem responsabilidade com as suas finanças. Todo ano, o Governo Federal aprova um orçamento que prevê todos os seus gastos, além de estabelecer uma meta de superávit primário [preparamos um post no nosso dicionário para explicar melhor esse termo para você], que é a quantidade de recursos que o governo procura economizar para sinalizar que suas contas estão saudáveis.
Quando o governo não consegue cumprir o superávit primário e ainda mostra outros sinais de desequilíbrio em suas contas, uma solução comum é fazer um ajuste fiscal, que é nada mais nada menos que uma operação para reequilibrar as contas públicas. É o que o Brasil está tentando fazer agora: o país adota um conjunto de várias medidas, visando tanto o corte de gastos, quanto o aumento de receita.
A ideia é “arrumar a casa”, para que o setor público equilibre suas contas, volte a ter a confiança do mercado e, assim, tenha as condições de realizar os investimentos necessários para fazer do Brasil um país melhor.
2) Entendi. E como esse ajuste está sendo feito?
Cortar gastos nunca é uma decisão fácil e indolor. Quase todo mundo já passou pela situação de estar no vermelho e ter de abrir mão de lazer, de comprar coisas mais caras, de fazer aquela viagem dos sonhos… Imagine agora essa situação acontecendo para uma pequena “família” de 200 milhões de pessoas! Os efeitos do corte de gastos do governo são muito grandes e mexem de uma forma ou de outra com o dia-a-dia de toda a população.
Algumas mudanças poderão ser sentidas na vida de muita gente: alguns programas do governo, como o Minha Casa Minha Vida e o Minha Casa Melhor, poderão ficar bem menores; provavelmente vai ficar mais difícil ter acesso a benefícios sociais; a conta de luz vai ficar mais cara; pegar um empréstimo também vai ficar mais caro; muita gente pode vir a perder o emprego.
O governo pretende gerar um superávit primário de 1,2% do PIB em 2015. Isso quer dizer que o setor público terá de economizar R$ 66,3 bilhões ao longo deste ano. É muito dinheiro, principalmente se lembrarmos que ano passado o governo gastou R$17 bilhões a mais do que arrecadou.
E de onde vai vir essa grana toda?
3) Os cortes e os aumentos
Para fazer essa economia toda, o Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou uma série de cortes de gastos em várias áreas importantes, além de aumento de impostos em outros pontos. Veja a seguir quais são essas áreas:
Que tal baixar esse infográfico em alta resolução?
Com todas essas medidas, o governo já prevê economia de R$ 50 bilhões, o que ainda está abaixo dos R$ 66 bilhões anunciados. Por isso, novos cortes e aumentos de impostos devem ser anunciados em breve.
4) Orçamento do governo também é uma questão política
Uma coisa importante para se ter em mente sobre o ajuste fiscal é que ele também é fruto de uma decisão política e, portanto, é passível de debate. Existe uma discussão sobre a eficácia das medidas de austeridade para resolver os problemas fiscais de países endividados.
Para alguns especialistas, a austeridade pode até equilibrar as contas públicas, mas o custo desse esforço é a tendência de um menor e mais incerto crescimento econômico no longo prazo. A falta de investimentos do governo na economia, dizem, gera recessão, desemprego e redução da demanda interna, fatores que são essenciais para o desenvolvimento de uma nação.
O capital humano fica sub-utilizado em cenários de austeridade: o problema do desemprego atinge especialmente jovens recém-formados em curso superior, em geral ávidos por mostrar serviço e gerar valor. Esse fenômeno tem sido observado em países que adotaram medidas de austeridade nos últimos anos, como a Espanha e a Grécia. Nesses dois países, o desemprego entre jovens alcançou a casa dos 50%.
Além disso, a experiência da Grécia ainda demonstra que a austeridade dificilmente salva um país de uma situação de extremo endividamento. Mesmo fazendo um programa de corte de gastos, o nível da dívida da Grécia não diminuiu, mantendo-se em assustadores 175% do PIB nacional. Economistas calculam que, mesmo mantendo essa política de austeridade, dentro de 15 anos, o nível da dívida grega ainda estará na casa dos 118% do PIB. No caso do Brasil, a dívida pública encontra-se em um nível menor (58,9% do PIB).
Por outro lado, manter as contas do governo no vermelho por muito tempo não é uma situação agradável, pois causa insegurança tanto na população, quanto nos investidores. Por todos esses fatores, a decisão do ajuste nunca é fácil, apesar de que em certos momentos ela se faz necessária.
Atualização (setembro/2015): no final do mês de agosto, o governo entregou ao Congresso uma proposta de orçamento para 2016 com mais de R$ 30 bilhões de déficit. Essa proposta repercutiu negativamente e fez o governo perder credibilidade junto a investidores, inclusive perdendo o grau de investimento junto à agência de classificação de risco Standard & Poor’s. Por isso, duas semanas depois, a equipe econômica do governo voltou atrás e apresentou uma proposta de cortes estimados em R$ 26,5 bilhões no orçamento do ano que vem. A intenção é viabilizar superávit primário de 0,7% no ano que vem.
Além dos cortes de gastos, que envolvem medidas como a suspensão dos concursos públicos federais, o governo também estuda maneiras de aumentar as receitas, como a criação de um novo imposto sobre movimentações financeiras, a famosa CPMF.
Entretanto, para que realmente aconteça, esse ajuste precisa passar pelo Congresso, que tem a prerrogativa de aprovar ou reprovar quase todas as medidas. Muitas delas foram aprovadas por medida provisória. Veja mais nesta reportagem.
Fonte dos dados:
Entenda medidas do ajuste fiscal (G1)