Este é o oitavo texto de uma trilha de conteúdos sobre correntes de pensamento político. Confira os demais posts da trilha: 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9
Ao terminar de ler este conteúdo, você terá concluído 89% desta trilha! 🙂
Imaginamos que você já tenha visto esse A com um círculo em volta, todo “rabiscado”. Pois bem, esse é o símbolo da Anarquismo que, assim como o socialismo ou o liberalismo, é uma ideologia. Vamos entender o que significa ser anarquista?
O QUE É ANARQUISMO?
A palavra “anarquismo” tem origem na palavra grega anarkhia, que significa “ausência de governo”. O anarquismo é uma corrente de pensamento, uma teoria e ideologia política que não acredita em nenhuma forma de dominação – inclusive a do Estado sobre a população – ou de hierarquia e prega a cultura da autogestão e da coletividade.
Alguns dos valores defendidos pelos anarquistas são:
- liberdade individual e coletiva, para o desenvolvimento de pensamento crítico e todas as capacidades individuais das pessoas;
- igualdade – em termos econômicos, políticos e sociais, valor que inclui questões de gênero e raça;
- solidariedade – a teoria anarquista só tem sentido se há entre as pessoas apoio mútuo, com colaboração e espírito de coletividade.
O anarquismo critica principalmente exploração econômica do sistema capitalista e o que chama de dominação político-burocrática e da coação física do Estado. Os anarquistas não buscam uma revolução política, mas uma revolução social, que parta da maioria da população, dos trabalhadores, da classe que sofre alguma forma de dominação. Sua ideia principal é a horizontalidade: um território em que não exista Estado, nem hierarquia e em que a população faça a autogestão da vida coletiva.
Veja também: o que é nacionalismo?
QUAIS SÃO OS PILARES DO ANARQUISMO?
Cada corrente de pensamento estrutura seus argumentos de formas variadas. A anarquista é conhecida principalmente por buscar um “governo de todos” e defender a ausência do Estado. Entenda quais são os pilares do anarquismo:
Crítica à dominação do Estado
O pilar mais conhecido da teoria anarquista é a crítica ao Estado e a crença em um território baseado na autogovernança. A crítica se estende a todo e qualquer tipo de sistema em que há Estado, dos que agem com intervenção mínima à máxima, dos mais autoritários aos mais liberais.
Existem duas formas de dominação, de acordo com a teoria anarquista: a do poder de decisão e da coerção física. A primeira consiste no que chamam de dominação político-burocrática, que seria responsável:
1) pela alienação política da maioria da população, que fez com que se estruturasse um sistema que permitiria só um pequeno grupo privilegiado adentrar o meio político e tomar decisões em nome da população – o que também critica a democracia representativa;
2) a existência de uma hierarquia entre os governantes e os governados, à qual os anarquistas se opõem, que é gerada por esse sistema de poder.
A segunda forma de dominação das classes dominadas seria o uso de coação física por parte do Estado, que além de poder fazer uso da força, tem seu monopólio. O anarquismo afirma que a força é utilizada pelo Estado quando sua legitimidade não é suficiente.
Crítica ao capitalismo
A ideologia anarquista critica o capitalismo, argumentando que esse sistema implica na exploração dos trabalhadores por meio dos proprietários dos meios de produção – uma reflexão similar às correntes socialistas.
O entendimento de exploração dentro do capitalismo para os anarquistas pode ser ilustrado com o seguinte exemplo exemplo: os donos de uma fábrica montadora de carros não trabalham montando os carros, mas pagam funcionários para prestar esse serviço. Logo, os proprietários são a classe dominante e os trabalhadores a classe produtiva – e dominada –, que trabalha a fim de transferir recursos ($) para a classe dominadora. A classe dominadora, por sua vez, se apropria de um excedente produzido pelos trabalhadores e lucra em cima de seu trabalho, o que caracterizaria a exploração, de acordo com Michael Schmidt e Lucien van der Walt.
Esse entendimento não é diferente num contexto de trabalho rural: acreditam que os proprietários de terra exploram o trabalho dos camponeses e, por isso, também fazem críticas às sociedades pré-capitalistas, cuja economia dependia do campesinato.
Crítica à dominação de gênero
Como é da identidade do anarquismo criticar qualquer forma de dominação, isso ocorre também quanto à dominação de gênero. A união de princípios anarquistas e feministas foi chamada de anarcofeminismo, que acredita na exploração da mulher pelo capitalismo por ele difundir o sexismo em suas instituições, desvalorizar economicamente o seu trabalho doméstico e reprodutivo, além de que os direitos adquiridos seriam válidos apenas a quem integrasse as classes dominantes. A luta do feminismo contra o patriarcado, o sistema social em que o homem é a figura referencial e de maior poder, só é vista como possível pelo anarcofeminismo com o fim do sistema capitalista.
A pensadora e militante anarquista Emma Goldman foi uma das fundadoras do anarcofeminismo e defendia, além desses seus princípios básicos, a liberdade da mulher de um jeito mais abstrato: “Busco a independência da mulher, seu direito de se apoiar; de viver por sua conta; de amar quem quer que deseje, ou quantas pessoas deseje. Eu busco a liberdade de ambos os sexos, liberdade de ação, liberdade de amor e liberdade na maternidade”, disse em 1857.
Já Lucy Parsons, anarquista estadunidense, considerada uma opositora das ideias de Emma Goldman dentro do anarcofeminismo, enfatizava que as mulheres seriam “escravas dos escravos” ao serem exploradas pelo capitalismo e sendo vítimas da dominação de gênero. Por isso, defendia também o protagonismo da mulher nessa luta.
COMO SURGIU O ANARQUISMO?
O anarquismo surgiu no século XIX, no contexto de expansão e fortalecimento do capitalismo ao redor do globo. Por conta da Segunda Revolução Industrial, integraram-se estruturas econômicas mundiais e foram consolidados os Estados modernos. A difusão das ideias racionalistas da Revolução Francesa, como a liberdade individual, de expressão e a igualdade em todos os sentidos contribuíram para o fortalecimento da ciência e no enfraquecimento da influência da religião. Outro fator importante foi o socialismo e o comunismo, cujos ideais trouxeram a classe trabalhadora para a linha de frente o protagonismo, o que também influenciou o anarquismo.
O surgimento do anarquismo ocorreu por meio da Associação Internacional dos Trabalhadores, localizada em Londres, na Inglaterra, na década de 1860. A ideologia foi inspirada principalmente nos pensamentos de Pierre-Joseph Proudhon, cujas ideias foram tidas como a base do pensamento dos trabalhadores europeus no século em questão. Entre 1868 e 1894, já havia se desenvolvido significativamente e também havia sido difundido globalmente e teve grande influência dentro dos movimentos operários até 1949. A ideologia teve cinco grandes ondas, que diferenciam a atuação do movimento no mundo e a sua influência até os dias atuais.
COMO SERIA UM PAÍS ANARQUISTA?
Um país anarquista não teria um governo, nem qualquer forma de hierarquia e caberia ao povo fazer a autogestão política, em um autogoverno democrático. Haveria um poder político totalmente socializado e a substituição do Estado seria feita pelos conselhos: “representariam uma rede entrelaçada, composta por uma infinita variedade de grupos e federações de todos os tamanhos e graus, locais, regionais, nacionais e internacionais, temporárias, mais ou menos permanentes, para todos os objetivos possíveis”, como disse o teórico anarquista Kropotkin. Esse seria o modelo de autogestão anarquista, em que haveria a possibilidade da participação social ativa e efetiva em todas as decisões relativas à coletividade e à vida comum.
Grupos e associações livres formariam um conjunto de conselhos, com o objetivo de tomar as decisões local e democraticamente, com participação generalizada e ampla, controlando a execução dessas decisões e solucionando conflitos, reunindo todas as funções do que conhecemos como os “três poderes” – Legislativo, Executivo e Judiciário. Essas esferas teriam a responsabilidade de discutir, deliberar e executar todas as tarefas relativas aos serviços públicos.
Uma sociedade anárquica teria uma grande noção de ética para a convivência em comunidade, em que todas as pessoas estariam envolvidas econômica, política, ideológica e culturalmente a fim de alcançar o bem comum. Os anarquistas defendem a socialização da propriedade privada dos meios de produção, o que implicaria na coletivização das máquinas, equipamentos, ferramentas, tecnologias, instalações, fontes de energia, meios de transporte, matérias primas, etc.
Uma sociedade fundada nos princípios anarquistas reorganizaria a produção “com base nas necessidades do povo”, como se fosse uma economia de subsistência, em que se produziria o necessário para viver, sem pensar em lucros ou excedentes. Como seria uma sociedade sem dominação e não-capitalista, os trabalhadores usufruiriam de todos os frutos de seu trabalho.
Você conhecia a ideologia anarquista? O que pensa dela? Deixe seu comentário!