INCISO XXIV – DESAPROPRIAÇÃO
O mecanismo de desapropriação é descrito no Inciso XXIV do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Nele, estão previstos direitos fundamentais, com objetivo de assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os cidadãos do país.
O inciso XXIV determina que bens privados poderão ser tomados pelo Estado em casos de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social. Mas a desapropriação difere de um confisco, pois o proprietário do bem desapropriado deve receber uma indenização justa e prévia em dinheiro. O inciso dita que o procedimento de desapropriação deve ser regulamentado em leis específicas, com base no cumprimento, ou não, da função social pela propriedade.
Este conteúdo é parte de uma parceria entre o Instituto Mattos Filho, a Civicus e a Politize!, que juntos explicam os direitos fundamentais descritos no Artigo 5º da Constituição. Para conhecer outras liberdades e direitos garantidos na Constituição de maneira didática e descomplicada, não deixe de visitar a página do projeto Artigo Quinto.
O MECANISMO DA DESAPROPRIAÇÃO
Esse inciso é definido da seguinte forma:
A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição […].
Para entender o inciso XXIV, é preciso lembrar que o direito de propriedade no Brasil não é absoluto. O inciso XXIII, visto no texto anterior, demonstra o entendimento de que, em circunstâncias excepcionais, o interesse público pode prevalecer sobre o direito de propriedade individual.
O inciso XXIV, por sua vez, estabelece os mecanismos para que o Estado possa privar – total ou parcialmente – o indivíduo de bens e direitos de propriedade. Desse modo, é prerrogativa do poder público tomar uma propriedade privada sob a justificativa de necessidade ou utilidade pública, ou de interesse social, desde que mediante prévia indenização.
Um bem é considerado de necessidade pública quando é indispensável para alguma atividade essencial ao Estado, como em casos urgentes. A utilidade pública, por sua vez, ocorre quando o bem não é indispensável, mas seu uso é vantajoso ou oportuno para uma atividade estatal. Por fim, a justificativa do interesse social é aplicável para casos em que a distribuição ou condicionamento da propriedade pode contribuir para o seu melhor aproveitamento em benefício da coletividade.
O inciso XXIV autoriza a desapropriação nesses três casos, não sendo permitido realizar desapropriação com base puramente no interesse de uma pessoa física ou de empresas privadas.
Para além da justificativa baseada na necessidade ou utilidade pública, ou no interesse social, o inciso também enfatiza que a desapropriação só é possível mediante o pagamento de uma indenização prévia e justa ao proprietário do bem.
O HISTÓRICO DA DESAPROPRIAÇÃO NO BRASIL
Desde 1821, o ordenamento jurídico brasileiro prevê o mecanismo da desapropriação. Ele surgiu por decreto, junto com a proibição da expropriação de bens privados para atender a qualquer necessidade do Estado. Até então, o governo podia simplesmente confiscar bens privados, sem indenização.
A Constituição do Império, em 1824, estabeleceu o direito de propriedade. A única limitação a esse direito era que, se fosse necessário ao bem público, o Estado poderia tomar a propriedade, mediante o pagamento de uma indenização. Naquela época, consideravam-se “necessários ao bem público” casos relacionados à defesa do Estado e à segurança pública, ou ao socorro público em situações extremas. Previsões de desapropriação em situações similares constaram nas Constituições seguintes, de 1891, 1934 e 1937.
Uma mudança significativa no texto constitucional ocorreu apenas na Constituição de 1946, que acrescentou a possibilidade de desapropriação em função do interesse social.
A partir de então, passou-se a reconhecer que o Estado poderia desapropriar por razões que não fossem apenas relacionadas à necessidade ou à utilidade pública.
Ainda sob vigência da Constituição de 1946, publicaram-se leis relacionadas à desapropriação. O Estatuto da Terra, por exemplo, regula até hoje o procedimento de desapropriação para reforma agrária. Também a Lei n. 4.132/1962, atual Lei n. 6.513/1977, define os casos de desapropriação por interesse social.
Por fim, a Constituição Federal de 1988 (em vigor) reafirmou o que já era previsto sobre desapropriação nas cartas constitucionais anteriores e acrescentou critérios específicos para a desapropriação de propriedades urbanas e rurais.
Determinou, por exemplo, no artigo 185, que uma propriedade produtiva ou uma propriedade de pequeno ou médio porte (sendo a única do proprietário) não pode ser desapropriada para fins de reforma agrária. Mais recentemente, a EC nº 81/2014 deu nova redação ao artigo 243 da Constituição, que trata da expropriação de propriedades urbanas e rurais onde há cultura ilegal de plantas psicotrópicas ou exploração de trabalho escravo. Em tais casos, não há o dever de indenização por parte do Estado.
A RELEVÂNCIA DA DESAPROPRIAÇÃO
Quando executada nos termos da lei, a desapropriação tem o propósito de beneficiar toda a sociedade. Prevista no inciso XXIV do artigo 5º, ela facilita a execução de obras públicas ou privadas de interesse social, como a construção de estradas, linhas de metrô ou usinas de geração de energia. A construção de infraestrutura é fundamental para o desenvolvimento econômico e social do país e, sem a possibilidade da desapropriação, isso seria muito mais difícil.
Dessa forma, com o mecanismo da desapropriação, o governo passa a ter mais ferramentas para realizar políticas de infraestrutura e desenvolvimento nacional.
COMO FUNCIONA A DESAPROPRIAÇÃO NA PRÁTICA?
Conforme mencionado anteriormente, a desapropriação só é legítima em casos de necessidade ou utilidade pública ou de interesse social. Mas o que isso significa na prática? Vejamos cada caso separadamente.
Desapropriação por utilidade ou necessidade pública
A Lei n. 3.365/1941 é a norma legal que dispõe sobre desapropriações por utilidade ou necessidade pública. A lei lista as situações que se configuram como utilidade pública, sem fazer distinção entre utilidade e necessidade.
Na prática, costuma-se diferenciar esses dois tipos de justificativa para desapropriação pela presença ou não do caráter de urgência. Quando se considera que o bem é fundamental para a realização de determinada atividade estatal, com urgência, configura-se uma necessidade pública. Por outro lado, quando o bem é desejável, útil, conferindo vantagem, mas não necessariamente uma necessidade em razão da urgência, diz-se utilidade pública.
Desapropriação por interesse social
Como mencionado, foi a Lei n. 4.132/1962 que definiu a desapropriação por interesse social. Ela ordena que “a desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem-estar social”. Em outras palavras, a desapropriação por interesse social ocorre quando o governo desapropria propriedades urbanas ou rurais para as redistribuir na forma de moradia popular ou reforma agrária.
Qual é o procedimento para a desapropriação?
Na prática, a desapropriação ocorre em duas etapas. A primeira é declaratória, com a emissão da Declaração de Utilidade Pública (DUP). Apesar da sigla, esse documento é aplicável também para desapropriações por interesse social. Trata-se de uma declaração por escrito que apresenta a justificativa para a desapropriação.
A segunda etapa é a executória, e pode ser administrativa ou judicial. A execução é administrativa quando o proprietário concorda com o valor de indenização proposto pelo poder público. No entanto, caso o proprietário discorde do valor de indenização proposto, o procedimento será judicial.
Em ambos os casos, a transferência de propriedade só ocorre após o pagamento da indenização. Isto é, o indivíduo tem o direito à justa indenização em momento anterior à desapropriação. Além disso, o valor da indenização é estabelecido de acordo com o valor real do imóvel na data do pagamento.
A Constituição Federal de 1988 ainda prevê leis para regulamentar casos específicos de desapropriação. O Estatuto da Terra, por exemplo, regulamenta a desapropriação de terras rurais que não cumprem função social, estabelecendo os mecanismos necessários para sua redistribuição por meio de reforma agrária.
Por sua vez, o Estatuto da Cidade regulamenta a desapropriação de imóveis que não cumprem a função social estabelecida no plano diretor da cidade. O procedimento prevê a aplicação de sanções (que geralmente consistem em aumento progressivo do IPTU) antes da desapropriação. Contudo, mesmo nesses casos, o particular terá direito à indenização, ainda que, por vezes, ela não seja prévia, nem em dinheiro.
CONCLUSÃO
Neste post, vimos que o mecanismo da desapropriação segue a lógica social-democrata que norteia nossa Constituição Federal, na medida em que impõe restrições ao interesse individual em prol do bem-estar coletivo. Esse mecanismo permite ao Estado executar políticas de urbanização e infraestrutura visando ao desenvolvimento econômico e social do Brasil. Ao mesmo tempo, o inciso XXIV garante ao indivíduo cuja propriedade foi desapropriada o direito à justa e prévia indenização.
- Esse conteúdo foi publicado originalmente em outubro/2019 e atualizado em agosto/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.
Autores:
- Camila Gomes
- Isabela Moraes
- Mariana Mativi
Fontes:
- Planalto: Lei 4.132
- Planalto: Lei 3.365
- Planalto: Constituição Federal de 1988
- Planalto: Estatuto da Terra
- Planalto: Estatuto da Cidade
- JusBrasil
- FYGADV: Desapropriação por utilidade pública
- SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência.