INCISO XIII – LIVRE EXERCÍCIO PROFISSIONAL
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 garante os direitos e liberdades fundamentais da população brasileira. Em seu inciso XIII, ele trata do Livre Exercício Profissional no país, que permite a prática de qualquer profissão, trabalho ou ofício que atender às qualificações profissionais estipuladas em nosso ordenamento jurídico.
Esse texto que você está lendo é fruto da parceria entre o Instituto Mattos Filho, a Civicus e a Politize!, que busca explicar de que forma a Constituição de 1988 garante nossos direitos fundamentais, em seu quinto artigo.
Analisando o que o artigo 5° diz sobre o livre exercício profissional
O artigo 5º, em seu inciso XIII, afirma que:
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”;
Fonte primária de renda, o trabalho é essencial para a estabilidade econômica e social de qualquer nação, porque permite ao povo comprar alimentos, habitar imóveis e se entreter.
No sistema capitalista em que vivemos, o acesso a recursos financeiros através do trabalho é primordial para a coexistência, a segurança, o bem-estar e a qualidade de vida humana.
Além disso, as atividades laborais costumam ocupar uma parte relevante dos projetos de vida dos indivíduos, constituindo um espaço importante para o exercício de sua autonomia e para o livre desenvolvimento de sua personalidade.
Por isso, entender como funciona o livre exercício profissional no Brasil é de extrema importância para compreender os direitos e os limites existentes.
O inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil a liberdade de escolha e execução de qualquer trabalho, ofício ou profissão de acordo com o interesse e a vocação de cada pessoa.
Dessa forma, se tal trabalho puder ser exercido por esforço próprio, o Estado não pode proibir ou constranger a escolha do indivíduo.
Além disso, para que a liberdade profissional seja protegida, as ações do trabalhador não podem ir contra as leis, e devem se guiar pelas diretrizes das profissões que foram regulamentadas.
Portanto, o livre exercício profissional admite, sim, certas restrições. A seguir, vamos ver em quais casos essa restrição é legal.
Limites ao livre exercício profissional
Entendido como a autonomia para escolher um trabalho, ofício ou profissão, o livre exercício profissional é um direito individual e inviolável.
Todavia, o livre exercício profissional pode ser restringido se a profissão ou ofício escolhido não respeitar as leis do Brasil. Além do mais, é importante ressaltar que a liberdade de escolha não implica, necessariamente, a liberdade de exercício da atividade.
Determinadas atividades estão submetidas ao preenchimento de requisitos estabelecidos em lei. A partir do momento em que os requisitos são definidos, o livre exercício profissional passa a ser restrito, sendo que sua execução só será possível e legalmente reconhecida mediante o cumprimento de tais obrigações.
Alguns trabalhos, ofícios e profissões podem, por exemplo, exigir uma certificação extra além do diploma de curso técnico ou superior, isto é, a aprovação em exames que atestem que o profissional tem os conhecimentos necessários e essenciais para a prática da atividade profissional. É o caso, por exemplo, daqueles que estão previstos em lei federal, como a aprovação no exame de ordem da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para o exercício da profissão de advogado ou a inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRM) para o exercício da medicina. Essas restrições, contudo, não podem atingir o núcleo essencial da liberdade profissional, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal.
O livre exercício profissional poderá sofrer restrições do Estado somente quando for percebido algum risco de que o desempenho da atividade profissional, por qualquer pessoa, possa prejudicar terceiros.
O livre exercício profissional sujeita-se, também, às condições de vida da pessoa. Nem todos têm a possibilidade de exercer o trabalho, ofício ou profissão de sua preferência, sendo obrigados, na maioria das vezes, a escolher uma atividade que não é a desejada, mas que é capaz de sustentar economicamente o indivíduo e, se for o caso, a sua família.
Algumas profissões e ofícios que geram dúvida sobre sua utilidade social – como o trabalho de cartomantes, astrólogos e profissionais do sexo – podem ser confundidos como práticas ilícitas, mas não são.
Essas atividades, do ponto de vista da legislação brasileira, demonstram que a liberdade de escolha de trabalho, ofício ou profissão está sendo respeitada, já que são opções aos indivíduos na escolha de sua prática laboral.
Prostituição: livre exercício profissional ou crime?
A prostituição, em si, não é um crime no Brasil. Logo, sua prática é admitida segundo o princípio da legalidade, garantido no inciso II do próprio artigo 5º da Constituição Federal. Todavia, ela não é uma atividade regulamentada, ou seja, não há uma lei que regulamente as condições e limites desse ofício.
Contudo, nem todo trabalho, ofício ou profissão exige regulamentação. No Brasil, por exemplo, existem apenas 68 profissões regulamentadas – e, mesmo entre essas, discute-se se a regulamentação é válida ou se restringe, de forma desproporcional, a liberdade profissional.
Sobre a questão, o STF já decidiu, por exemplo, que o exercício da profissão de jornalista não pode ser restrito àqueles que têm o diploma de graduação na faculdade de jornalismo, como exigia a legislação que regulamentou a profissão.
Portanto, no caso da prostituição, não há proibição legal de exercício da profissão, nem regulamentação que crie condições para o seu exercício, sendo possível concluir que a prostituição é, na verdade, uma profissão admitida pelo direito para o livre exercício profissional.
Muito da ligação que existe entre prostituição e criminalização está no fato de que, geralmente, outras atividades ilícitas ocorrem no mesmo ambiente que ela é praticada. Há também de se diferenciar essa profissão da exploração sexual, essa sim um crime.
O Código Penal brasileiro, em seus artigos 227, 228, 229 e 230, tipifica os crimes daqueles que exploram sexualmente os indivíduos, por exemplo os que mantém casa de prostituição ou os que tiram proveito financeiro da prostituição alheia. Tais atividades, evidentemente, encontram-se fora dos limites do exercício da liberdade profissional.
A parte mais complexa da prostituição é que ela não é aceita plenamente como atividade formal, já que não é regulamentada pelo Ministério do Trabalho e Previdência, não apresenta representação de classe, nem um regimento/regulamento específico. Logo, não há direitos trabalhistas assegurados para esses profissionais, o que gera uma situação de vulnerabilidade e favorece a associação negativa entre criminalização e prostituição.
A história por trás do inciso XIII
A Constituição de 1824, primeira da história do Brasil, marcou o início do livre exercício profissional no ordenamento jurídico do país. Antes da sua promulgação, algumas profissões eram exercidas por meio das corporações de ofício, que eram associações que reuniam indivíduos que desempenhavam as mesmas atividades na sociedade. Existiam corporações de diversos tipos, como as de carpinteiros, ferreiros, sapateiros, padeiros, entre outras.
À época, uma pessoa só podia trabalhar em determinado ofício se fosse membro de uma corporação, sob pena de sofrer alguma sanção caso esse costume fosse desobedecido.
A organização das corporações de ofício era baseada em um sistema de hierarquia composta por mestres, oficiais e aprendizes e controlada por determinada camada da sociedade. Todos aqueles que integravam uma corporação de ofício, obrigatoriamente, iniciavam com o cargo de aprendiz, passando posteriormente ao cargo de oficial e, por último, ao cargo de mestre.
Com a Constituição de 1824, as corporações de ofício foram extintas e o direito ao livre exercício profissional passou a existir. Porém, ela não tratava da regulamentação e das limitações das profissões, as quais só foram estabelecidas na Constituição de 1891.
A primeira Constituição que condicionou o livre exercício profissional, colocando requisitos legais para algumas profissões, foi a de 1934. As Cartas Magnas seguintes, de 1937, 1946, 1967, Emenda Constitucional nº 01/1969 e a atual, de 1988, mantiveram esses princípios, reconhecendo o livre exercício profissional como um direito passível de condicionamento.
Funcionamento do inciso XIII no Brasil
O Brasil tem o livre exercício profissional assegurado pela Constituição, mas ele não é absoluto, podendo ser restringido pela legislação. A intervenção do Estado no processo de escolha de trabalho, ofício ou profissão pode ser feita visando ao interesse público, desde que demonstrado que o exercício daquela atividade apresenta riscos a terceiros. Portanto, o Estado não pode estabelecer restrições a toda e qualquer profissão, de forma desmedida e sem justificativa.
Em relação aos ofícios ou profissões que dependem do preenchimento de requisitos mínimos para o seu desempenho, a maior dificuldade encontrada para efetivação do direito assegurado pelo inciso XIII é que a maioria das pessoas não tem condições de exercer a atividade profissional de acordo com seus interesses e suas vocações, seja por falta de oportunidade, seja pela situação econômica do indivíduo, não existindo meios de acesso para o desenvolvimento de capacitação técnica.
Atualmente, segundo a tabela da Classificação Brasileira de Ocupação (CBO), o Brasil tem cerca de 2.638 profissões reconhecidas. E, como já dissemos, atualmente existem cerca de 68 profissões regulamentadas no Brasil, como médico, advogado, bombeiro, farmacêutico, entre outras.
A CBO foi instituída com base legal na Portaria n. 397, de 9 de outubro de 2002, e é o documento que reconhece a existência de determinada ocupação no mercado de trabalho brasileiro – não diferenciando entre as profissões regulamentadas e as de livre exercício profissional. Sua principal função é servir de fonte para a formulação de políticas públicas de emprego. A inclusão de ocupações na CBO ocorre anualmente, com novas modalidades sendo inseridas com o passar do tempo e de acordo com sua proliferação no país.
É importante esclarecer que a CBO apenas evidencia a existência de determinada ocupação, não tendo poderes para regulamentar qualquer ofício ou profissão. A regulamentação da profissão é feita pelo Congresso Nacional, por meio de seus Deputados e Senadores, e submetida à aprovação do Presidente da República.
A importância do livre exercício profissional
O inciso XIII, embora à primeira vista não pareça, engloba muitos outros direitos. Ter a liberdade de escolha de trabalho, ofício ou profissão, mesmo que condicionada ao cumprimento de alguns requisitos, é um dos meios necessários para a realização pessoal e profissional.
Isso significa que você é livre para fazer suas próprias escolhas de acordo com a sua vontade, sendo dever do Estado não intervir em sua decisão.
Entre os direitos que estão ligados ao inciso XIII, temos o da livre escolha do regime jurídico para o exercício do ofício ou profissão, ou seja, o indivíduo pode optar entre ser empregado ou trabalhador autônomo. Tal liberdade também inclui, na medida do possível, o direito de escolher com quem e, sobretudo, para quem serão prestados os serviços, bem como o valor salarial.
Portanto, desde que legalmente admitidas, o trabalhador pode propor e impor as condições para a prática de determinado ofício ou profissão, mas isso não significa que elas serão aceitas pelo empregador. Deve haver a liberdade de negociação dos termos de contrato.
Há também correlação com o direito de mudar de profissão. Do mesmo modo que é permitida a escolha do trabalho, ofício ou profissão, admite-se que o indivíduo mude sua atividade profissional por vontade própria.
Além disso, o indivíduo pode exercer mais de um ofício e profissão, tendo a liberdade de ter duas ou mais ocupações ao mesmo tempo, desde que sejam respeitados os limites impostos por lei.
Por último, o indivíduo pode optar por não trabalhar, o que é um direito seu. O inciso XIII oferece ao indivíduo a oportunidade de escolha do trabalho, ofício ou profissão, mas não obriga que ele opte por algum deles.
Trata-se de uma liberdade particular do indivíduo e somente ele pode escolher o trabalho, ofício ou profissão que está de acordo com seus interesses e sua vocação, não podendo o Estado forçá-lo a fazer uma escolha, caso não esteja de acordo com a sua vontade.
O poder de escolher (e ser feliz no trabalho)
Neste texto, aprendemos que o livre exercício profissional é um direito fundamental garantido pelo inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal. O ato de escolher uma profissão – ou de não exercer alguma – por sua vontade, e não por pressões sociais e econômicas, embora seja o que nosso ordenamento jurídico defenda, nem sempre é o que ocorre na prática.
Das 2.638 profissões reconhecidas no Brasil, muitas não têm uma regulamentação, nem vinculação aos direitos trabalhistas, o que pode dificultar o livre exercício profissional pleno no país. Porém, elas são livres para serem praticadas.
Um direito consolidado desde a nossa primeira Constituição, de 1824, o livre exercício profissional compõe nosso ordenamento jurídico e é fundamental para a consolidação de uma sociedade livre, justa e igualitária.
Esse conteúdo foi publicado originalmente em agosto/2019 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.
Autores:
- Mariana Braga
- Mariana Mativi
- Pedro Parada Mesquita
- Thamires Loduca
Fontes:
Entendendo a estrutura das leis;
Constituição Federal de 1988: entenda a Constituição Cidadã
Constituição da República Federativa do Brasil (texto atual);
Lista das Profissões Regulamentadas;
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO);
Portaria nº 397, de 09 de outubro de 2002;