INCISO XXXIX – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE
Você sabe o que é o princípio constitucional da legalidade? Não? Esse é um direito fundamental, previsto no inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal brasileira, que garante que nenhum cidadão seja acusado de crime não previsto na legislação. Ou seja, não há crime sem lei que o defina. Garante-se, assim, a segurança jurídica, isto é, a previsibilidade e a estabilidade das normas e decisões judiciais.
Quer saber sobre como a Constituição define este conceito e por que ele é tão importante, bem como a história dessa garantia e como ela é aplicada na prática? Continue conosco! A Politize! em parceria com a Civicus e o Instituto Mattos Filho irão descomplicar mais um direito fundamental no projeto chamado “Artigo Quinto”.
Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos com uma linguagem clara.
O QUE É O INCISO XXXIX?
O inciso XXXIX do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, decreta que:
Art 5º, XXXIX, CF – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
O princípio da legalidade penal é um direito fundamental previsto no inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição. Ele garante que nenhum cidadão seja acusado de crime sem que exista uma previsão legal. Ou seja, não há crime sem lei anterior que o defina. Garante-se, assim, a segurança jurídica, isto é, a previsibilidade e a estabilidade das normas e decisões judiciais.
Esse inciso dá segurança ao cidadão, pois garante que a lei só servirá de parâmetro se existir e for aplicável antes de a pessoa cometer o ato considerado criminoso. Como consequência, esse direito serve de proteção às liberdades individuais, já que o próprio Estado deve respeitar os limites instituídos para o exercício do seu poder punitivo.
Como bem expõe o doutor e mestre em direito penal Estefam: “o princípio da legalidade tem importância ímpar em matéria de segurança jurídica, pois salvaguarda os cidadãos contra punições criminais sem base em lei escrita, de conteúdo determinado e anterior à conduta”. (ESTEFAM, 2018)
O INCISO XXXIX NA PRÁTICA
O princípio da legalidade serve de base e parâmetro para o direito penal. Sua importância é tamanha que o próprio Código Penal tratou de dispor desse direito logo em seu primeiro artigo.
Para garantir sua eficácia na prática, esse direito trouxe a ideia do respeito da anterioridade junto ao da legalidade. Isso porque não faria sentido que apenas a existência da lei fosse suficiente para caracterizar um crime, também é necessária a anterioridade da lei. Como bem expõe Estefam: “De nada adiantaria assegurar que o direito penal se fundamenta na lei, caso esta pudesse ser elaborada ex post facto, isto é, depois do cometimento do fato” (ESTEFAM, 2018).
Portanto, baseando-se no princípio constitucional da legalidade, diversas decisões são tomadas por indivíduos – que buscam agir conforme a lei – e pelo próprio Estado, que, diariamente, diante de casos reais, utiliza esse princípio para dar a segurança jurídica necessária ao convívio em sociedade.
O HISTÓRICO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Atualmente, o princípio da legalidade, que deu origem ao inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal, está presente na maioria dos sistemas jurídicos do mundo, tendo passado por uma evolução histórica que acompanhou o desenvolvimento das sociedades.
Alguns autores, como Estefam (2018) e Greco (2017), entendem que as raízes históricas do princípio da legalidade são de 1215, quando os ingleses publicaram a “Charta Magna Libertatum” (Magna Carta), que, em seu artigo 39, estabelecia: “Nenhum homem livre será levado ou preso ou retirado ou posto fora da lei ou exilado ou de qualquer maneira prejudicado, ou nós não iremos ou enviaremos contra ele, exceto em decorrência de um julgamento justo por seus pares ou pela lei da terra”.
Outros, a exemplo de Francisco de Assis Toledo, acreditam que esse direito passou a ser incorporado no século XVIII, por meio de declarações políticas – como a Bill of Rights (Declaração dos Direitos dos Estados Unidos) – e outras Constituições. A partir disso, difundiu-se pelo mundo em mecanismos que regulamentavam o convívio em sociedade, como legislações, normas e outros.
Independentemente do que se acreditam ser as suas raízes históricas, o princípio constitucional da legalidade encontrou fundamentos no Iluminismo – movimento intelectual do século XVIII. Nas palavras de Estefam: “o princípio tem fundamento histórico no Iluminismo, notadamente no contrato social, pelo qual os cidadãos concordaram em abrir mão parcial de suas liberdades apenas em nome do bem comum” (ESTEFAM, 2018).
O Código Penal francês foi o primeiro dispositivo a concretizar o princípio da legalidade, já no ano de 1815. No Brasil, esse direito foi incluído apenas na Constituição Imperial, de 1824, e no Código Criminal do Império, de 1830. Em 1940, período em que o Brasil estava submetido ao regime ditatorial, esse princípio foi inserido no código penal com redação praticamente idêntica à da Constituição Federal.
A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O Estado Democrático de Direito está diretamente ligado ao princípio constitucional da legalidade. Esse princípio funciona como um “filtro” para que as garantias individuais sejam respeitadas. Nas palavras de Greco: “O Estado de direito e o princípio da legalidade são dois conceitos intimamente relacionados, pois num verdadeiro Estado de Direito, criado com a função de retirar o poder absoluto das mãos do soberano, exige-se a subordinação de todos perante a lei” (GRECO, 2017).
O princípio constitucional da legalidade é o mais importante da esfera penal. Há, portanto, a necessidade de previsões legais para uma conduta ser proibida ou imposta.
Para Greco, quatro funções fundamentais proporcionadas pelo princípio da legalidade podem ser definidas:
- proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege praevia);
- proibir a criação de crimes e penas pelos costumes de uma sociedade (nullum crimen nulla poena sine lege scripta);
- proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta);
- proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa).
Para Estefam (2018), em vez de funções, essa subdivisão, na verdade, pode ser entendida como subprincípios decorrentes do próprio princípio da legalidade.
Assim, esse direito é importante pois fornece segurança jurídica ao cidadão, que não será punido se não houver uma previsão legal criando o tipo incriminador e indicando a pena cabível. Portanto, é relevante exigir que exista uma perfeita e total correspondência entre o ato do agente e a lei penal para fins de caracterização da infração e imposição da sanção respectiva.
O princípio da legalidade é um dos mais importantes princípios limitativos do poder punitivo do Estado e, por isso, é protegido pela própria Constituição Federal. O Código Penal traz, em seu artigo 1º, uma disposição praticamente idêntica à presente na Constituição Federal: “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Vale ressaltar que a relevância do princípio da legalidade está ligada ao tratamento que ele recebe, sendo necessário analisar sua utilização nos casos concretos, de modo a superar o cumprimento de caráter apenas formal desse direito.
Para Greco (2017), não basta obedecer às formas e aos procedimentos impostos pela Constituição Federal, sendo necessário que se observe também seu conteúdo, respeitando suas proibições e suas imposições e buscando, assim, uma garantia dos direitos fundamentais previstos para todos.
CONCLUSÃO
Como vimos, o princípio constitucional da legalidade, que limita os poderes punitivos do Estado, é de extrema importância para as garantias individuais dos brasileiros e indispensável para a democracia.
Além disso, suas características repetem-se em inúmeras legislações de outros países, revelando sua universalidade no Estado Democrático de Direito. Dessa forma, cabe a nós, brasileiros, reivindicar tal direito e preservá-lo em nossa legislação.
- Esse conteúdo foi publicado originalmente em março/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.
Autores:
- Caroline Bruno Nahas
- Mariana Mativi
- Matheus Silveira
Fontes:
- Instituto Mattos Filho de Advocacia;
- Artigo 5° da Constituição Federal – Senado;
- Código Penal – Planalto;
- ESTEFAM, André. Direito Penal 1: parte geral (arts. 1º a 120) – 7ª Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
- TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 21.
- GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – parte geral, volume 1. – 19ª Ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017.