GRATUIDADE DOS REGISTROS PÚBLICOS DE NASCIMENTO E ÓBITO
O inciso LXXVI do artigo 5º da Constituição garante o direito à gratuidade dos registros públicos de nascimento e de óbito. Dessa forma, os indivíduos mais pobres que não teriam condições de pagar pela expedição de documentos por conta de sua situação financeira também podem exercer a cidadania.
Quer saber mais sobre como a Constituição define este direito e por que ele é tão importante? Ou descobrir o seu histórico e sua aplicabilidade na prática? Então, continue conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus o Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série do projeto “Artigo Quinto”.
Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos com uma linguagem clara.
DESCOMPLICANDO O INCISO LXXVI?
O inciso LXXVI do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 define que:
“são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito”.
Ele garante que todos possam exercer a cidadania, sem a exclusão daqueles que não teriam condições financeiras para pagar a expedição dos documentos.
Isso porque a certidão de nascimento é o documento responsável por constatar que a pessoa existe oficialmente para o Estado e a certidão de óbito atesta o seu falecimento, sendo, portanto, documentos essenciais e indispensáveis para a vida em sociedade. É somente em posse da certidão de nascimento que se obtém o título de eleitor e o Registro Geral (RG) e se alcança o status de cidadão.
Para entender melhor: imagine que uma família pobre teve um filho e precisa registrá-lo para obter sua certidão de nascimento. Graças ao presente inciso, esse documento deverá ser expedido gratuitamente. Do mesmo modo, caso alguém dessa família venha a falecer, a certidão de óbito deverá ser emitida gratuitamente.
HISTÓRICO DESSE DIREITO
O Brasil teve diversas Constituições desde a sua independência – 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, a EC nº 01/69 e 1988 –, porém, apenas na última foi prevista a gratuidade do registro civil de nascimento e de óbito aos reconhecidamente pobres.
Esse é um dos motivos pelos quais a nossa atual Constituição é também chamada de “Constituição Cidadã”, pois foi formulada não só com a previsão do exercício da cidadania, mas também com os meios efetivos para tanto.
No âmbito infraconstitucional, a Lei n. 7.844, de 18 de outubro de 1989, alterou o artigo 30 da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos, para assegurar a gratuidade prevista no texto constitucional, determinando que: “Das pessoas reconhecidamente pobres não serão cobrados emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo assento de óbito e respectivas certidões”.
Anos depois, foi editada a Lei n. 9.265, de 12 de fevereiro de 1996, que ampliou esse direito ao definir que “o registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão respectiva, são gratuitos e vinculados ao exercício da cidadania”. Ou seja, atualmente, a gratuidade da primeira certidão de nascimento e da certidão de óbito é garantida a todos os brasileiros, independentemente de sua situação financeira.
A IMPORTÂNCIA DO INCISO LXXVI
A certidão de nascimento é considerada um “meio” para um determinado “fim”, que é o exercício da cidadania e a prática de atos da vida civil.
Uma das formas mais conhecidas de se exercer a cidadania é por meio do voto, que só é possível com um título de eleitor. Conforme informações disponibilizadas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), para se inscrever como eleitor pela primeira vez são necessários, dentre outros documentos:
- RG;
- Certidão de nascimento (se solteiro);
- Certidão de casamento (se casado).
Já para requerer o RG pela primeira vez, é necessário apresentar a certidão de nascimento. A certidão de nascimento também é um dos documentos necessários para a emissão da certidão de casamento civil.
Nesse sentido, a certidão de nascimento é fundamental para que uma pessoa possa praticar uma série de atos da vida civil, e não seria aceitável que pessoas não tivessem acesso a esse documento de extrema importância por não poderem arcar com a taxa para a sua emissão.
Enquanto a certidão de nascimento é um documento essencial para o exercício pleno da cidadania, a certidão de óbito é o documento que comprova o falecimento de uma pessoa. Portanto, este é um documento indispensável para a abertura do processo de inventário da pessoa falecida, o pedido de pensão por morte e o cancelamento de documentos (como o título de eleitor, por exemplo). Desse modo, por meio da certidão de óbito é possível encerrar os deveres da vida civil da pessoa que morreu.
A linha de raciocínio é similar à da certidão de nascimento: não parece razoável criar obstáculos para que a certidão de óbito seja expedida de modo a impedir/dificultar sua obtenção por parte de quem não possa pagar por ela.
Apesar de essencial, uma das leis que assegura a gratuidade na expedição desses documentos já foi questionada judicialmente pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) perante o Supremo Tribunal Federal (STF). O argumento utilizado pela Anoreg foi que a gratuidade ofenderia o princípio da proporcionalidade, pois, supostamente, seriam os cartórios que arcariam com o ônus da gratuidade, o que ofenderia também o princípio da liberdade profissional e seria uma “ilegítima intervenção estatal nos serviços exercidos em caráter privado”.
A ação movida pela Anoreg foi julgada improcedente e o STF confirmou a constitucionalidade das normas que preveem a gratuidade do registro civil de nascimento e de óbito para os cidadãos reconhecidamente pobres. Apesar dos argumentos apresentados, prevaleceu o entendimento de que “os próprios fundamentos sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito, configurando um aperfeiçoamento do estado social”, somente seriam alcançados com a manutenção da gratuidade. Além disso, na oportunidade em que foi julgada essa ação, o STF declarou que:
Com efeito, o nascimento e a morte constituem fatos naturais que afetam igualmente ricos e pobres, mas as suas consequências econômicas e sociais distribuem-se desigualmente. O diploma legal impugnado busca igualá-los nesses dois momentos cruciais da vida, de maneira a permitir que todos, independentemente de sua situação patrimonial, nesse particular, possam exercer os direitos de cidadania, exatamente nos termos do que dispõe o art. 5°, LXXVI, da Constituição da República.
Nota-se que o STF, observando a essencialidade dos registros civis de nascimento e de óbito, percebeu que a imposição de taxas para expedi-los poderia desfavorecer os mais pobres e até mesmo servir de obstáculo ao exercício de seus direitos sociais.
Nesse sentido, para colocar em prática a disposição prevista no caput do artigo 5° de que todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza, foi fundamental o reconhecimento da constitucionalidade do dispositivo que prevê a gratuidade dos registros públicos de nascimento e óbito.
O INCISO LXXVI NA PRÁTICA
O registro civil (que fica no cartório), bem como a certidão de nascimento (que fica com a pessoa), são direitos garantidos às crianças brasileiras também pelo artigo 102 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
No ano de 2015, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da publicação Estatísticas do Registro Civil, divulgou a feliz notícia de que o Brasil avançou consideravelmente no assunto. No ano de 2004, a taxa de crianças sem certidão de nascimento no primeiro ano de vida era de 17%. Já no ano de 2015, esse percentual caiu drasticamente para aproximadamente 1%.
Além disso, segundo a Lei n. 6.015/1973, o registro civil de nascimento no cartório deve ocorrer no prazo de até 15 dias após o nascimento, ou de até 90 dias quando a residência dos pais for a mais de 30 km do respectivo cartório. Entretanto, o registro pode ser realizado a qualquer tempo, sem qualquer prejuízo aos responsáveis pela criança.
Por outro lado, o registro do falecimento da pessoa é feito no Cartório Civil de onde ocorreu o óbito e tem a função primordial de conhecimento da mortalidade por parte das autoridades do Estado. O registro do óbito permite encerrar os deveres do falecido e cancelar seus documentos civis, além de contribuir para estudos sobre a taxa da mortalidade.
CONCLUSÃO
Chegamos ao fim de mais um inciso do projeto “Artigo Quinto”. Aqui, você pôde aprender sobre a importância do direito à gratuidade dos registros públicos de nascimento e óbito e como ele impacta o exercício da cidadania.
- Esse conteúdo foi publicado originalmente em novembro/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.
Sobre os autores:
Ernesto Lino de Oliveira
Advogado de Tributário
Matheus Silveira
Membro da equipe de Conteúdo do Politize!
Mariana Mativi
Fontes:
- Instituto Mattos Filho;
- Artigo 5° da Constituição Federal – Senado.