Inciso XIV – o livre acesso à informação
O Livre Acesso à Informação é garantido pela Constituição de 1988, sendo encontrado, principalmente, nos incisos XIV e XXXIII do artigo 5º e no artigo 220 de nossa Carta Magna. O livre acesso à informação garante a transparência e a disseminação de conteúdo relevante à população sobre o setor público, sendo muito utilizado por jornalistas para obter dados para suas matérias.
Neste artigo, o foco está no inciso XIV do artigo 5º, que fala do Livre Acesso à Informação. Para conhecer seus outros direitos fundamentais, confira a página do Artigo Quinto, um projeto desenvolvido pela Civicus e a Politize! em parceria com o Instituto Mattos Filho.
O que diz o inciso XIV?
O artigo 5º, em seu inciso XIV, afirma que:
“XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”
O inciso XIV do artigo 5º estipula que, no Brasil, é assegurado o direito de se informar permitindo o livre acesso à informação e a dados públicos e privados que são de relevância popular.
O direito de informar-se também se relaciona com o acesso a informações veiculadas por meios de comunicação social, como aquelas provenientes do jornalismo. Não por acaso, o inciso XIV protege o sigilo da fonte em casos em que ele é necessário para manter o exercício profissional destinado a assegurar o acesso da população à informação.
O direito de informar-se consiste na garantia legal que o cidadão tem de receber, pesquisar e buscar informações sem qualquer sanção do Estado, exceto em matérias consideradas sigilosas pelo poder público.
A importância do sigilo da fonte
O resguardo do sigilo da fonte constitui, por um lado, espécie de limite para o acesso à informação garantido no inciso XIV – que não se estende à eventual tentativa de tomar conhecimento sobre quem revelou determinada informação tornada pública por jornalistas ou pela imprensa.
Por outro lado, o sigilo da fonte é também um direito subjetivo titularizado por esses últimos agentes, cujo exercício profissional está diretamente ligado à apuração de fatos para a informação da população. Afinal, sem essa garantia, o temor da exposição e de eventuais represálias pode fazer com que informações relevantes deixem de vir a público, prejudicando não apenas o jornalismo, mas toda a coletividade que dele se beneficia.
É interessante observar que o sigilo da fonte abarca tanto a recusa em divulgar a identidade da pessoa que revelou uma informação a jornalista ou a veículos de informação, quanto de elementos que conduzam à identificação dessa fonte. Entretanto, isso não significa conceder aos jornalistas completa irresponsabilidade por um conteúdo veiculado com base em fonte sigilosa, conforme destaca Wilson Steinmetz. Pelo contrário, “quando o profissional ou a empresa invocam o sigilo da fonte, assumem plena responsabilidade pelo teor da informação veiculada, inclusive respondendo cível ou criminalmente por eventuais danos causados a direitos de terceiros (e.g. honra, intimidade, vida privada e imagem)”.
LAI: a principal ferramenta do inciso XIV
LAI é a sigla para a Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011). Muito utilizadapor jornalistas, ela regulamenta o direito constitucional assegurado pelo inciso XXXIII do artigo 5º, permitindo o acesso às informações públicas. Assim, há uma sobreposição do seu âmbito de proteção sobre o direito de informar-se titularizado pela sociedade em geral.
A referida lei entrou em vigor no dia 16 de maio de 2012 e estipulou os mecanismos que possibilitam a qualquer pessoa, seja jurídica ou física, o resgate de dados públicos sem a necessidade de apresentar motivos ou dar explicações aos órgãos do Estado.
A regulamentação do governo federal à LAI foi feita pelo Decreto n. 7.724/2012. Entre 2012 e 2021, segundo o painel sobre a lei de acesso à informação do governo, foram feitas 1.030.117 solicitações.
A LAI vale para informações dos poderes executivo, legislativo e judiciário da União, estados, Distrito Federal e municípios e para os dados dos tribunais de contas e do Ministério Público. Entidades privadas sem fins lucrativos também têm a obrigação de dar publicidade a informações referentes ao recebimento e à destinação dos recursos públicos que recebem.
Os principais aspectos da LAI são:
- O livre acesso à informação é regra, com o sigilo sendo exceção;
- O requerente não precisa explicar sua motivação ou como usará os dados aos quais pediu acesso;
- O sigilo está legalmente estabelecido e é limitado, sendo o livre acesso à informação a prioridade;
- A informação deve ser entregue de forma gratuita, a não ser que haja um custo de reprodução;
- As entidades públicas têm o dever de divulgar proativamente informações de interesse da população;
- Devem ser respeitados os procedimentos e os prazos de entrega das informações.
A grande maioria dos sites de órgãos estatais já conta com seções específicas para a retirada de informações, de modo a agilizar a efetivação dos incisos XIV, XXXIII e da LAI.
A história do livre acesso à informação no Brasil
O passado do livre acesso à informação no Brasil é praticamente inexistente. Só após a ditadura militar a Constituição Federal brasileira de 1988 determinou, pela primeira vez, o direito à liberdade de informação. Depois disso, várias normas foram estabelecidas para gerir e regulamentar o livre acesso à informação.
Dados da ditadura: a confusão do inciso XIV
Uma das principais preocupações quando se trata do livre acesso à informação no Brasil são os arquivos do período da ditadura, sendo grande parte deles considerada ultrassecretos (com prazo de sigilo que variavam de 30 anos até eterno, dependendo do assunto). A falta de acesso aos dados do período gera um prejuízo ao processo de memória social e política brasileira, bem como ao direito de reparação dos familiares e das vítimas da repressão militar brasileira .
Em 24 de novembro de 2010, o Brasil foi condenado no “Caso Gomes Lund e outros (‘Guerrilha do Araguaia’) vs. Brasil” junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O caso trata do desaparecimento forçado de integrantes da Guerrilha do Araguaia durante as operações militares ocorridas na década de 1970. O caso iniciou-se com a tentativa dos familiares dos desaparecidos de localizar seus parentes, com base na Lei n. 6.683 (Lei da Anistia), promulgada em 28 de agosto de 1979.
A Lei da Anistia concedeu anistia a todos que, no período da ditadura militar, cometeram crimes políticos e eleitorais, mas não aos que foram condenados por crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.
Além disso, a Lei de Anistia possibilitou que os familiares dos desaparecidos declarassem o seu desaparecimento definitivo para fins de inventário, caso fosse comprovado que as tentativas de localização dos seus parentes terminaram frustradas.
No entanto, com base justamente na Lei de Anistia e na classificação dos documentos considerados sigilosos de acordo com a Lei de Arquivos (Lei nº 8159/91), os parentes não conseguiam ter acessos aos documentos que comprovam os ilícitos cometidos pelos representantes do Estado no período ditatorial e na Guerrilha do Araguaia.
Depois das tentativas dos parentes dos desaparecidos de recorrer a diversas instâncias, o caso foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Estado brasileiro pelo desaparecimento forçado das pessoas da Guerrilha do Araguaia, pela aplicação da Lei de Anistia como empecilho à investigação, julgamento e punição de crimes, pela falta de livre acesso à informação sobre o ocorrido com as vítimas desaparecidas e executadas e pela falta de acesso à justiça, à verdade e à informação.
Esse julgamento foi fundamental para alavancar definitivamente a necessidade de transparência do Estado e o livre acesso à informação pública. Nesse contexto, no ano seguinte à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 18 de novembro de 2011, foi promulgada a Lei n. 12.527, a famosa LAI, que garante o livre acesso à informação e o regulamenta, colocando fim aos sigilos documentais eternos.
Tais desdobramentos, que permitiram efetivar a garantia do direito de receber informações dos órgãos públicos, posto no artigo 5º, XXXIII, da Constituição, mostram-se fundamentais não apenas para que a população brasileira em geral possa gozar do acesso à informação sobre os fatos históricos pertinentes à ditadura militar, assim como de outros assuntos de interesse público.
Conclusão
A LAI representou uma grande conquista para a sociedade civil e a solidificação do direito ao livre acesso à informação, sendo fundamental não apenas para o exercício da cidadania de forma mais acessível, mas também para a construção da história do Brasil de modo mais preciso e completo, especialmente em relação ao período ditatorial. Além disso, a Constituição Federal de 1988 incorporou o direito ao livre acesso à informação como regra, sendo o sigilo uma exceção.
O livre acesso à informação, com a ascensão das fake news no cenário nacional, tornou-se um instrumento de combate à propagação de dados falsos e uma segurança à população.
Porém, sua disseminação precisa ser realizada com maior eficiência, no sentido de educar os cidadãos sobre a existência e o funcionamento da LAI para que façam um usufruto inteligente da ferramenta.
Utilizada principalmente por jornalistas, a LAI deve ser um recurso do povo, ajudando a criar um poder de discernimento e julgamento sobre questões sociais.
Esse conteúdo foi publicado originalmente em agosto/2019 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.
Sobre os autores:
- Aimi Sagae
- Mariana Braga
- Mariana Mativi
- Pedro Parada Mesquita
Fontes:
Livre acesso à informação: um direito ou uma aspiração?;
Entenda a Lei de Acesso à Informação Fonte: Agência Senado;
LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.;