As comunidades quilombolas são remanescentes e descendentes diretas dos negros escravizados no Brasil. Esses espaços nasceram a partir da luta do povo negro pela liberdade, sendo locais que serviam de abrigo e refúgio durante a fuga do regime escravocrata. Por isso, a palavra Quilombo se tornou sinônimo de resistência.
Apenas um século após o fim da escravidão no Brasil, com a Constituição de 1988, foi promulgado o direito à terra ocupada pelas comunidades remanescentes dos quilombos do período escravocrata no Brasil. Essa ação se dá como um primeiro reconhecimento da nação à importância da preservação e da valorização da cultura negra. Neste conteúdo, a Politize! te explica como ocorre a titulação de terras quilombolas.
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Como é feita a declaração de comunidades quilombolas?
O reconhecimento de uma comunidade como quilombola ocorre por meio do processo de autodeclaração, assim como das pessoas que pertencem àquele grupo.
Esse critério segue a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre povos indígenas e tribais, e diz no artigo 1° que “A autoidentificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério fundamental para a definição dos grupos aos quais se aplicam as disposições da presente Convenção.”.
As milhares de comunidades existentes no país possuem costumes herdados de seus antepassados, mas também passaram por mudanças, assim como toda sociedade com a evolução do tempo.
Cada uma delas possui diferentes aspectos culturais, desde a forma de economia local até a religiosidade. A garantia dos direitos dessas populações e o reconhecimento de suas tradições são primordiais para a preservação do multiculturalismo e da história do País.
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Como ocorre o reconhecimento destas terras?
O direito das comunidades quilombolas às terras onde estão localizadas é garantido pela Constituição de 1988, conforme artigo 68, “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”.
Para o reconhecimento desses territórios, é necessário que os grupos passem por um criterioso processo de análise e, assim, recebam a titulação das terras. Na esfera federal, o órgão responsável pela realização desse título é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas os estados e municípios também se enquadram como competentes para efetuarem os procedimentos.
Para empreenderem a abertura do processo, as comunidades devem possuir uma certidão de registro no Cadastro Geral de Comunidades Remanescentes de Quilombos da Fundação Cultural Palmares.
Inicialmente, o Incra realiza um estudo do território para elaboração do Relatório Técnico e Delimitação (RTID), formado pelo relatório antropológico, pelo levantamento fundiário, pela elaboração de mapa territorial e pelo cadastramento das famílias.
Após isso, o documento passa por uma fase em que são analisadas e julgadas contestações que podem ter sido feitas. O RTID também é encaminhado para diferentes órgãos – Fundação Cultural Palmares, IPHAN, SPU, FUNAI, Conselho de Defesa Nacional, Serviço Florestal Brasileiro, IBAMA, Instituto Chico Mendes e os órgãos ambientais estaduais – para avaliação dos dados levantados.
Com a aprovação definitiva dos estudos realizados, o presidente do Incra publica uma portaria no Diário Oficial da União e do estado, encerrando o processo com a titulação do território quilombola.
Essas terras podem passar por outros processos entre emissão e análise do RTID até chegar à titulação, já que o procedimento também depende do local onde as comunidades estão localizadas, podendo ser necessárias outras ações no âmbito estadual e municipal.
As comunidades quilombolas são reconhecidas?
Em julho de 2023, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou as informações coletadas no Censo de 2022 sobre a população quilombola. Pela primeira vez, o Censo Demográfico incluiu informações como o número de quilombolas no Brasil e os dados sobre seus domicílios.
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O Brasil possui 1,3 milhão de quilombolas distribuídos por 1.696 municípios. Esse número absoluto representa 0,65% do total de habitantes do país. Ao todo, são quase 474 mil domicílios com pelo menos um morador quilombola.
É possível encontrar quilombolas em todas as regiões do país e em quase todos os estados (com exceção de Roraima e Acre), porém o Nordeste concentra quase 70% dos quilombolas. Somente na Bahia e no Maranhão, residem 50% dos quilombolas do país.
Outro dado encontrado foi que 87,41% de quilombolas vivem fora de territórios oficialmente delimitados para essa população.
O presidente interino do IBGE, Cimar Azeredo, ressaltou, durante evento de apresentação dos dados, que o Instituto cumpre a missão de retratar o Brasil ao incluir esse grupo nos dados do Censo. Para ele, esse levantamento inédito sobre a população quilombola possibilita a elaboração de políticas públicas baseadas em evidências, e não em narrativas.
“Hoje colocamos os quilombolas no mapa e depois vamos colocar os indígenas e os moradores de favela no mapa. Esse é um ponto importante, porque são as populações que precisam mais dessas estatísticas. Precisamos saber quantas escolas, quantos postos de saúde, tudo que essas populações precisam. O que está acontecendo é uma reparação histórica. Vimos os quilombolas se identificando e se enxergando no Censo 2022. Isso traz muito orgulho para o IBGE”, disse Azeredo durante apresentação.
Entretanto, apesar do avanço, há quem diga que os dados ainda não representem a realidade, como é o caso do geógrafo Rafael Sanzio dos Anjos. Para ele, esses dados devem ser encarados como um primeiro retrato oficial e importante para dar visibilidade ao tema, porém ainda é preciso aprimorar a forma de coleta.
A problematização se dá, pois, segundo o geógrafo, estes são territórios que foram excluídos por cinco séculos, portanto, não será no primeiro levantamento que o IBGE alcançará todas as comunidades. É um processo até que isso aconteça.
De acordo com o geógrafo, uma forma de aprimoramento de levantamentos futuros seria observar a distribuição geográfica das comunidades e cruzar as informações com dados históricos, pois:
“Aonde houve atividades econômicas coloniais imperiais, como mineração de ouro e diamante, ciclos de boiada, produção agrícola de cacau, café, cana-de-açúcar, algodão, enfim, onde houve essas atividades, existem comunidades quilombolas”.
Qual é a atual situação das comunidades quilombolas no Brasil?
Mesmo sendo um direito constitucional, a titulação das terras tem sido cada vez mais lenta. De acordo com o Observatório de Terras Quilombolas da Comissão Pró-índio de São Paulo, em 2023 apenas 149 terras quilombolas foram tituladas no Brasil, sendo 19 delas pelo Incra.
Alguns dos fatores apontados como motivos para a lentidão dessa declaração são a burocracia existente e as disputas pelo território, além da redução do orçamento do Incra nos últimos anos e a falta de interesse governamental pela promoção desta política nacional.
Além de ser imprescindível para assegurar os direitos dessas comunidades em seus locais de memória e identidade, o processo de reconhecimento das terras quilombolas também possibilita que estas populações tenham acessos a serviços básicos, como distribuição de água e energia elétrica regularizadas.
Lúcia Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo, em entrevista ao Portal EBC, afirmou que a obtenção do título de posse da terra tem impacto direto nas comunidades quilombolas, pois “é o que permite que esses povos planejem com mais segurança o uso das riquezas naturais, criando melhores condições de vida e oportunidades de geração de renda”.
Com a titulação, também é possível que a comunidade acesse políticas públicas que visam proporcionar uma melhor qualidade de vida aos moradores, como a bolsa permanência destinada à universitários quilombolas e financiamentos bancários para atividades agrícolas.
E aí, conseguiu entender como funciona o processo de titulação de terras quilombolas? Deixe suas dúvidas nos comentários!
Referências:
- Agência Brasil – Menos de 7% das áreas quilombolas no Brasil foram titulada
- Planalto – Constituição de 1988
- Comissão Pró-Índio de São Paulo – O Caminho da Titulação das Terras Quilombolas
- Comissão Pró-Índio de São Paulo – Quilombolas no Brasil
- CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
- Fundação Cultural Palmares – Certificação Quilombola
- Fundação Cultural Palmares – Quadro Geral de Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQs)
- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Quilombolas
- Organização Internacional do Trabalho (OIT) – Convenção 169
- Portal EBC – Como as comunidades quilombolas podem obter a titulação de suas terras
- Secretaria Especial do Desenvolvimento Social – Comunidades Quilombolas
- Terra de Direitos – Quilombolas
- Agência notícias IBGE – IBGE divulga retrato inédito sobre quilombolas e ressalta modelo de consulta às lideranças dessa população
- G1 – Quem são os quilombolas, grupos incluídos no Censo pela 1ª vez
- Diário online – Para geógrafo, censo quilombola faz um retrato ainda incompleto
1 comentário em “Conheça o processo para a títulação de terras quilombolas no Brasil”
terras que ja eram de moradores antigos,que hoje possou ser comunidade quilombolas.queria saber se essas terra que tem donos individuais,podem ser vendidas algumas partes?