Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro defendeu um Banco Central (BC) independente, com metas e regras definidas pelo Congresso Nacional e durante seu governo foi aprovada a autonomia da instituição financeira. Com a entrada de Lula na presidência, em 2023, o debate retorna e traz a possibilidade de rever a medida.
O Banco Central é responsável por definir as metas de inflação do país, algo que afeta os preços das mercadorias que são consumidas diariamente. Você conhece o trabalho do Banco Central? Neste conteúdo, explicamos o que é esta instituição e porque você deve ficar de olho na discussão sobre a sua independência.
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Primeiro, como funciona o sistema financeiro nacional?
Para compreender a atuação do Banco Central na economia brasileira, é preciso entender primeiro o nosso Sistema Financeiro Nacional (SFN). O SFN é o agrupamento de instrumentos e instituições financeiras (públicas e privadas) que buscam o desenvolvimento econômico do país.
A principal função do SFN é transferir recursos entre agentes econômicos. Os agentes podem ser superavitários (que possuem recursos para emprestar) ou deficitários (que precisam de recursos emprestados). Agentes econômicos podem ser pessoas, empresas e o próprio governo, por exemplo.
Para garantir que suas funções sejam cumpridas, o Sistema Financeiro se divide em dois grupos de órgãos:
- Órgãos normativos: estabelecem as regras e normas de funcionamento do Sistema Financeiro Nacional. Hoje, as atribuições normativas são responsabilidade do Conselho Monetário Nacional (CMN).
- Órgãos supervisores: são responsáveis por executar e fiscalizar as diretrizes estabelecidas pelos órgãos normativos, ou seja, pelo CMN. Hoje, os órgãos supervisores do Sistema Financeiro são o Banco Central do Brasil (BCB) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Ou seja, enquanto o CMN formula as políticas do Sistema Financeiro (regulando a atuação do mercado financeiro, por exemplo), o BCB as coloca em prática e também recomenda novas políticas ao Conselho Monetário. Mas não é só isso que o Banco Central faz. A seguir, você conhece melhor essa instituição e descobre o que ela faz para garantir a estabilidade da economia brasileira.
O que é o Banco Central?
Um Banco Central é uma entidade responsável por gerir a política econômica de um país. O Banco Central do Brasil (BCB) funciona como uma autarquia federal, ou seja, uma entidade jurídica que tem funções próprias e é ligada ao Estado.
O Banco Central de cada nação é considerado “o banco dos bancos”. Ele deve garantir a estabilidade do sistema financeiro e o poder de compra da moeda em vigor no país, o Real. Por poder de compra entende-se a capacidade de aquisição de bens e serviços com determinada moeda.
O BCB tem uma sede em Brasília, situada em um prédio próprio da instituição. Tem também sedes em capitais de outros estados, como Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará.
Leia mais: História do Banco Central: como surgiu essa instituição?
Banco Central: quais as suas funções?
“Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente.”. É assim que o Banco Central define a sua missão. Para isso, a instituição atua na regulação da quantidade de moeda no país (o que permite a estabilidade de preços). Também regula e supervisiona as nossas instituições financeiras e é responsável pelo controle da inflação brasileira.
A seguir você confere outras atribuições do BCB. Todas elas são determinadas na Constituição Federal e na Lei nº 4.595/1964.
Emissão de moeda nacional
A Casa da Moeda do Brasil (CMB) é a empresa pública responsável por fabricar nosso dinheiro desde 1969. Contudo, o dinheiro não pode ser emitido sem regulação ou devida análise de seus impactos na economia. Emitir muito dinheiro pode gerar inflação, por exemplo.
Por isso, todo projeto de emissão de novas cédulas e moedas deve ser feito de forma conjunta entre a Casa da Moeda e o Banco Central. O projeto é submetido à Diretoria Colegiada do Banco Central e ao Conselho Monetário Nacional, a quem cabe a palavra final.
Assim, a CMB é quem fabrica a moeda, mas quem emite é o BCB, de forma exclusiva. Isso porque na economia o conceito de emissão monetária se refere a ação de colocar o dinheiro em circulação.
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Banqueiro do governo
O Banco Central do Brasil é o banco do nosso governo, pois detém suas contas mais importantes – armazenando as finanças do governo como os depósitos de reservas de dinheiro em ouro e em moeda estrangeira, sendo o dólar a principal delas. Assim, boa parte das operações bancárias do governo brasileiro são realizadas pelo BCB.
Política monetária e cambial
O BCB executa a nossa política monetária e cambial, ou seja, é quem coloca ou retira a moeda no mercado. É também quem regula a taxa de juros Selic e controla a quantidade de moeda estrangeira em circulação (câmbio).
A taxa Selic é uma das taxas mais importantes da economia brasileira, considerada a base para os juros praticados pelas demais instituições financeiras do país. A cada 45 dias, o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) se reúne para discutir se essa taxa permanecerá a mesma, se irá aumentar ou diminuir.
Autonomia ou independência: o que é melhor?
Um BCB mais autônomo, ou até independente, foi bastante discutido nos debates eleitorais de 2014 e também de 2016. No governo de Jair Bolsonaro, o Banco Central ganha a autonomia. Vamos entender a diferença entre autonomia e independência e descobrir por que elas podem ser boas ou ruins para o país?
Saiba mais: Autonomia do Banco Central: o que é e qual sua importância?
O que é a autonomia do Banco Central?
Um Banco Central autônomo é aquele que recebe menor intervenção por parte do Estado, tendo maior liberdade para se autorregular. Em contrapartida, quando a instituição é pouco autônoma, suas políticas são constantemente influenciadas por decisões do Poder Executivo Federal.
Por que maior autonomia do Banco Central pode ser bom?
Segundo a Presidência da República, um Banco Central com maior autonomia tem suas políticas protegidas durante uma mudança de governo. Isso porque a autonomia traz menor interferência do governo e, por isso, um novo presidente eleito não tem tanto poder de influência sobre o banco, não podendo assim mudar as políticas em andamento.
Com a autonomia, o banco passa a ter integrantes com maior qualificação técnica, mesmo aqueles nomeados por indicação política. Havendo menor intervenção do governo diminuem-se as incertezas e aumenta a confiança no trabalho do Banco.
Por que maior autonomia do Banco Central pode ser ruim?
Conforme mostrado na Carta Capital, um argumento contrário à maior autonomia do BCB é o de que a política econômica do país tem grande impacto na vida da população e por isso as medidas adotadas nesta área devem seguir as prioridades do governo eleito pela própria população, ou seja, o Presidente da República. Isto porque um governo eleito saberia definir as prioridades de cidadãos e cidadãs melhor do que técnicos financeiros.
O que é independência do Banco Central?
Enquanto um Banco Central autônomo possui maior liberdade para definir suas políticas, mas continua vinculado ao Governo Federal, um Banco Central independente passa a ser uma instituição à parte, sem vinculação com o governo.
Um Banco independente pode estabelecer políticas monetárias sem aval da Presidência da República ou de qualquer outra esfera de poder. Já um banco autônomo não implementa políticas financeiras sem ter uma discussão prévia com os nossos governantes.
Por que a independência do Banco Central pode ser boa?
Segundo a Folha de S. Paulo, a independência do Banco Central foi defendida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em relatório divulgado em fevereiro de 2018. Para a organização, um Banco Central independente protege a instituição de interferências políticas futuras e mantém ou aumenta a credibilidade da instituição, especialmente quando os membros que dirigem a entidade ocupam o cargo por um considerável tempo. A independência do Banco Central é realidade na maioria dos países que integram a OCDE. Os países que integram a organização são os que possuem os maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo.
Do mesmo modo, a Infomoney aponta que países com Bancos Centrais independentes possuem maior liberdade para definir diretrizes econômicas e por isso apresentam menores taxas de inflação.
Por que a independência do Banco Central pode ser ruim?
Por outro lado, a Infomoney mostra que um dos principais argumentos contra a independência da instituição é a possibilidade de que, sem a fiscalização por parte do governo, sejam adotadas políticas monetárias excessivamente expansionistas (quando o Banco aumenta a oferta de moeda no país para diminuir a taxa de juros e fazer crescer a economia e aumentar o consumo). Esse tipo de política pode resultar em um aumento dos gastos públicos, o que seria prejudicial para o país.
Como é a divisão de cargos dentro do Banco Central?
O Banco tem seus principais cargos – presidente e outros oito diretores – nomeados pelo Presidente da República. Os nomes indicados pelo presidente para ocupar a diretoria do BCB precisam ser sabatinados pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, que analisa os currículos dos indicados e avalia se realmente estão aptos a ocupar os cargos em questão.
Os requisitos legais e do regimento interno do Banco Central estabelecem que os cargos sejam ocupados por pessoas com “notória capacidade em assuntos econômico-financeiros” e uma “reputação ilibada” – que não tenha envolvimento em escândalos políticos, por exemplo. O presidente do Banco Central e de seus oito diretores constituem a Diretoria Colegiada, órgão mais importante da instituição.
Outros cargos no Banco, entretanto, são ocupados via concurso público. Afinal, a instituição é uma autarquia federal. As categorias gerais são de técnicos, analistas, procuradores e servidores, mas cada uma delas tem cargos específicos. Os técnicos podem ser especialistas em suporte técnico-administrativo ou em segurança institucional. Já a categoria de analista é dividida em: Analista e Desenvolvedor de Sistemas, Analista de Política Econômica e Monetária, Analista de Gestão e Análise Processual, entre outros cargos.
O que a Lei Complementar 179 propõe ao Banco Central?
Uma das propostas de Bolsonaro era formalizar a autonomia do Banco Central, ou seja, torná-la lei. Antes da medida ser aprovada, a autonomia acontecia em certo nível, mas acabava sendo um acordo verbal entre governo e diretores do BCB.
Ademais, Bolsonaro pretendia estipular um mandato de quatro anos para o presidente do Banco, que poderia tentar uma reeleição. Além do presidente da instituição não poder ser demitido durante o mandato, os mandatos de presidente do Banco e de Presidente da República não poderiam ser coincidentes. Assim, a presidência do BCB não poderia ser mudada na troca de governo.
Em resumo, o objetivo da proposta era proteger o Banco Central de interferências políticas na estabilização de preços no Brasil.
Tornar o Banco Central autônomo ou independente já era uma proposta antiga. Já existiam projetos de lei em debate no Congresso Nacional, um deles tendo como relator o deputado federal Celso Maldaner (MDB-SC). A proposta aprovada que determina a autonomia da autarquia é a Lei Complementar 179.
E quais são as críticas à autonomia do Banco Central
Em entrevista à RedeTV, Lula (PT) criticou a política monetária conduzida pelo Banco Central, sobretudo a taxa de juros, e disse que pretende reavaliar a autonomia do Banco Central. Sua principal preocupação é como a decisão de manter a taxa Selic a 13,75% ao ano pode influenciar no crescimento do país.
Veja também: Você sabe qual o papel dos juros na economia?
Na opinião do presidente, é necessário fazer uma avaliação da medida adotada, pois diz que acreditavam que com a autonomia o país voltaria a crescer, mas, segundo ele, não foi o que aconteceu na prática.
Em resposta, o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, respondeu às críticas dizendo que:
“Eu acho que em muitas entrevistas as coisas são tiradas de contexto. De um lado, Lula se orgulha de Henrique Meirelles ter sido independente no BC, e de outro diz que acha que não precisa da lei, porque ele garante a independência sem lei. Mas, olhando para o Brasil, vemos que o mercado seria muito mais volátil se não houvesse a independência em lei. Seria uma questão que adicionaria mais volatilidade na curva longa de juros”, afirmou Campos Neto, durante palestra na UCLA Anderson School of Management.
Conseguiu entender o papel do Banco Central? E aí, acha que ele deve ser mais autônomo ou independente? Deixe sua opinião nos comentários!
Referências:
- R7 Notícias – Independência do Banco Central deve ser proposta por Bolsonaro
- Folha de S. Paulo – Independência do Banco Central é prática na maioria dos países com meta de inflação
- G1 – Equipe de Bolsonaro quer aprovação da autonomia do BC ainda em 2018
- Agência Brasil – Entenda o que significa dar autonomia ao Banco Central
- TopInvest – Características do Sistema Financeiro Nacional: estrutura e função
- Suno Research – Sistema Financeiro Nacional: saiba o que é e como funciona o SFN
- Banco Central: composição – Composição e segmentos do Sistema Financeiro Nacional
- Terra – Composição e segmentos do Sistema Financeiro Nacional
- UOL Economia – Lula critica taxa de juros e diz que pode rediscutir autonomia do BC
- Seu Dinheiro – Lula critica autonomia do Banco Central e Campos Neto responde o presidente
- G1 – Lula x Banco Central: entenda as críticas do presidente e os efeitos da ‘briga’ na economia