Brasília nasceu em 21 de abril de 1960, na região centro-oeste, a partir do sonho de Juscelino Kubitschek. Isso é o que nos ensinam na escola mas, na verdade, essa história começou muito antes.
Se Juscelino teve a ousadia – e, para muitos, a irresponsabilidade – de tirá-la do papel, o plano da nova capital federal existe desde a primeira Constituição republicana, de 1891:
“Art 3º – Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabeIecer-se a futura Capital federal.”
Mas a ideia de interiorizar a sede do governo começou ainda antes do império, quando o português Marquês de Pombal propôs a criação de uma nova capital portuguesa no sertão brasileiro.
Em 1789, os inconfidentes mineiros pregavam a independência do Brasil e a transferência da capital para o interior, precisamente, para a Vila de São João del-Rei.
A ideia foi enterrada até que o deputado José Bonifácio de Andrada e Silva a trouxe de volta, em 1823, propondo à Assembleia Constituinte do império a construção da capital federal e a sugestão de dois nomes: “Brasília” ou “Petrópole”, este em homenagem ao imperador.
Mais uma vez, o plano não vingou, sendo retomado mais tarde pelo historiador Francisco Adolfo Varnhagen, que empreendeu, com recursos próprios, uma viagem ao interior do país, sugerindo mudar a capital para Formosa, em Goiás, a 80 quilômetros de onde seria demarcado o Distrito Federal.
A proposta só começou a ser levada a sério mesmo em 1891, quando ganhou força de lei com um artigo na Constituição vigente.
PROMESSA DE CAMPANHA PARA BRASÍLIA
Até que em um comício na cidade de Jataí, Goiás, em 1955, o então candidato à Presidência da República, Juscelino Kubitschek, afirmou durante um discurso que cumpriria a Constituição Federal na íntegra se fosse eleito. E o advogado Antônio Soares Neto, o Toniquinho, lançou uma pergunta embaraçosa da plateia:
“Com o coração saindo pela boca, levantei o dedo e perguntei para ele se mudaria então a capital. Aquela era uma ideia prevista na Constituição, mas ninguém levou adiante”. E Juscelino respondeu: “Cumprirei, na íntegra, a Constituição, e não vejo razão por que esse dispositivo seja ignorado. Se for eleito, construirei a nova capital e farei a mudança da sede do governo”.
A afirmação provocou um delírio de aplausos.
Em 1955, Juscelino Kubitschek é eleito presidente e coloca a construção de Brasília como meta-síntese do seu Plano de Metas: “50 anos em 5”. No ano seguinte, envia ao Congresso a “Mensagem de Anápolis”, criando a Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital Federal) e autorizando o Poder Executivo a praticar todos os atos necessários ao cumprimento do dispositivo constitucional, que ordenava a transferência da capital para a região central do país.
A nova capital do Brasil teve projeto urbanístico de Lúcio Costa, e arquitetônico de Oscar Niemeyer. Para que pudesse sair do papel a tempo, como afirmou Niemeyer, “tinha que ser tudo feito às pressas, da maneira possível”.
O arquiteto Carlos Magalhães da Silveira, ex-genro e companheiro de trabalho durante décadas de Niemeyer, falou sobre os problemas durante a construção: “Além da pressa, as condições de segurança eram outras. Parecia que você estava no Egito, construindo pirâmides”.
Registros do único hospital de Brasília na época revelam, entre 1957 e 1959, o total de 3.200 internações e 91 mortes, mas há relatos de muitos acidentes que nem chegaram a ser contabilizados.
No campo político, Juscelino enfrentava outras batalhas, como as duras críticas aos gastos da construção. Seis meses antes da inauguração, o dinheiro acaba. Juscelino recorre ao Fundo Monetário Internacional (FMI), mas sem sucesso.
A verba restante para a construção foi conseguida com emissões de moeda e venda de títulos da dívida pública. Uma estimativa de 1969 calculou o custo total de Brasília em mais de US$ 45 bilhões, 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país na época.
A opção de construir Brasília teve um custo alto para a sociedade brasileira, gerando aumento da dívida externa e da inflação.
Superados os problemas financeiros e de oposição política, Juscelino cumpre a promessa e a nova capital é inaugurada em 21 de abril de 1960.
POR QUE UMA NOVA CAPITAL?
Ao mesmo tempo que representa todos os cidadãos brasileiros, Brasília está fisicamente distante da maior parte da população. Será por acaso?
Vários foram os motivos para a interiorização da capital. Desde o aspecto da segurança, enfatizado desde o Brasil Colônia – já que uma capital situada no litoral ficaria mais exposta às invasões – até a povoação do Planalto Central, uma região que ainda era afastada e sem qualquer integração à vida econômica e social do país. Mas a principal vantagem de Brasília é muito bem usada até hoje por nossos políticos.
Seu isolamento garante tranquilidade e governabilidade; enquanto, por outro lado, dificulta a fiscalização do trabalho dos nossos representantes.
E como está Brasília hoje? Antes disso, precisamos responder algumas perguntas.
AFINAL, VOCÊ SABE O QUE É BRASÍLIA?
Brasília é um município, tem bairro, é o mesmo que Distrito Federal? Essa é uma pergunta que confunde muita gente, inclusive os moradores de Brasília.
Vejamos o que fala a Constituição Federal de 1988:
“Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.”
E a Lei Orgânica do Distrito Federal (DF) define:
“Art. 6º Brasília, Capital da República Federativa do Brasil, é a sede do governo do Distrito Federal.”
Como o DF não pode ser dividido em municípios, um entendimento lógico é que o território de Brasília e do Distrito Federal se confundem espacialmente. Assim, tudo que está dentro do Distrito Federal está localizado em Brasília.
Mas e as cidades satélites? As cidades satélites são regiões administrativas, não municípios. Por fim, como juridicamente não existem municípios no Distrito Federal, não há prefeitos.
Atualmente, o DF é subdividido em 31 Regiões Administrativas (RAs). Cada RA tem um administrador regional que, atualmente, é escolhido pelo governador do DF. O §1º do art. 10 da Lei Orgânica do DF (LODF), contudo, determina que uma lei distrital disponha sobre a participação da população na escolha do administrador.
Porém, desde a promulgação da LODF, em 1993, nada foi feito. As RAs estão vinculadas e dependem do DF, não possuem autonomia.
A INDEPENDÊNCIA POLÍTICA DO DISTRITO FEDERAL
A escolha dos administradores das RAs é o único poder de voto que ainda falta aos moradores da região, e esse parece ser um dos maiores problemas do Distrito Federal.
Se por um lado, o DF alcançou sua independência política a partir da década de 1990 – de modo que hoje o povo pode ir às urnas para eleger seu próprio governador e os deputados distritais -, por outro, a politização ajudou a gerar um número desenfreado de RAs.
Como afirma a Profa. Dra. Graciete Guerra da Costa, em sua tese de doutorado pela Universidade de Brasília (UnB) em Arquitetura e Urbanismo, “As Regiões Administrativas do Distrito Federal de 1960 a 2011”:
“A criação das RAs tornou-se moeda de troca a favor do fenômeno da migração de famílias à procura de trabalho, da especulação imobiliária, e da grilagem de terras, comprometendo de forma agressiva o meio ambiente e a qualidade de vida urbana da população”.
O Prof. de Direito, Einstein Lincoln Borges Taquary, em sua dissertação de mestrado pela Universidade Católica de Brasília (UCB), vai além. Para ele, a solução é despolitizar Brasília. Ao defender sua tese no Programa “Academia”, da TV Justiça, do Supremo Tribunal Federal, afirmou:
“A representatividade política do Distrito Federal trouxe prejuízo para a população porque acabou se valendo de políticas inadequadas para obtenção de votos. Ocorreu com isso a proliferação das regiões administrativas e a favelização do Distrito Federal. A cada novo lote, a cada região administrativa criada, aumenta-se a barganha pelo voto”.
Como forma de resolver esse impasse, o que ele propõe para o Distrito Federal é algo similar ao que acontece na capital dos Estados Unidos (Washington, D.C.), e que já era o modelo utilizado pelo DF antes da Constituição de 1988.
“Assim como em Washington, nos Estados Unidos, teríamos três representantes do Distrito Federal: dois indicados pelo Senado Federal e um indicado pelo Presidente da República, que exerceria a função de governador”, afirma o Prof. Taquary.
E justifica: “Se usarmos como parâmetro a qualidade de vida no Distrito Federal desde 1960 até a autonomia política e administrativa, vemos claramente como ela decai após esse evento”.
DESPOLITIZAÇÃO OU EDUCAÇÃO POLÍTICA?
Será que a solução é mesmo tirar a autonomia política ou o melhor seria a conscientização política da população, para que ela assim participasse ativamente da vida política e das decisões que envolvem seus próprios interesses, exercendo seu poder enquanto cidadãos?
O certo é que assim como acontece com a criação indiscriminada de municípios, o surgimento de novas regiões administrativas no Distrito Federal não resolverá os problemas da região, muito pelo contrário.
Brasília, Patrimônio da Humanidade desde 1987, detém a maior área tombada do mundo – 112,25 km², e luta constantemente contra a ocupação desordenada e a segregação socioespacial, que privilegia regiões administrativas como o Plano Piloto e os Lagos Sul e Norte, em detrimento de outras, como a pobre Estrutural.
Como afirma a Profa. Graciete Guerra da Costa: “O desenvolvimento histórico das Regiões Administrativas aponta um ‘quadro urbano negativo historicamente comprometido’ começando pelo processo acelerado de crescimento desordenado constatado em 2011, que deixou Brasília parecida com as outras capitais brasileiras, no que diz respeito aos seus problemas de pobreza, violência e degradação ambiental”.
Mesmo assim, Brasília ainda é um lugar de sonhos. Assim como foi para Juscelino e para os candangos, os trabalhadores que construíram uma cidade brasileira inteira em poucos mais de três anos.
Ainda hoje, novos candangos saem das cidades do entorno em busca de oportunidade de trabalho. E além das cidades periféricas, a capital recebe gente de todo o Brasil em busca de sucesso profissional.
Superada a etapa de povoamento, resta agora saber como a região irá lidar com a população e o desenvolvimento, que não param de crescer.
E aí, entendeu a história e a importância de Brasília, a capital federal? Deixe sua opinião nos comentários!
Referências:
- “Por que construí Brasília?”, Juscelino Kubitscheck
- “As Regiões Administrativas do Distrito Federal de 1960 a 2011”, Graciete Guerra da Costa.
- “A Autonomia Político-administrativa do Distrito Federal”, Einstein Lincoln Borges Taquary.