Durante nove dias, entre 2 e 11 de janeiro, o Cazaquistão, um país distante dos holofotes internacionais, entrou em ebulição após diversos protestos tomarem conta das grandes cidades do país.
Imediatamente, surgiram debates entre os especialistas, afinal, como teriam surgido tais protestos em um país rigidamente controlado? Seria uma nova “revolução colorida” em andamento?
Nesse texto, a Politize! te explica melhor esse cenário.
A história do Cazaquistão e a emancipação tardia
Como outras ex-repúblicas soviéticas, o Cazaquistão é um país inventado. Seu território pertencia, primeiramente, ao Império Russo (1721–1917) e, após a Revolução Russa (1917), passou a ser parte da União Soviética (1922–1991).
Com a dissolução da União Soviética, o Cazaquistão tornou-se independente em 1990 e, desde então, teve apenas dois presidentes: o primeiro foi Nursultan Nazarbayev, que governou o país entre 1990 e 2019, até “passar o poder” para Kassym-Jomart Tokayev.
Mesmo fora da presidência, Nazarbayev manteve-se no governo como presidente do Conselho de Segurança Nacional, além de representar o país em cúpulas no exterior; Tokayev, por sua vez, precisou manter os pilares criados por Nazarbayev. Contudo, os pilares desse sistema ruíram na primeira semana de 2022.
Leia também: Revolução Russa de 1917: o que mudou?
O início dos protestos e a intervenção externa no Cazaquistão
As tormentas começaram após o governo central cortar o subsídio aos combustíveis fósseis, fazendo com que o preço do gás liquefeito de petróleo (GLP) duplicasse.
Imediatamente, os protestos iniciaram, tendo como berço a cidade de Zhanaozen, próxima do Mar Cáspio, na região oeste do Cazaquistão, que é historicamente mais pobre, ainda que boa parte do petróleo do país esteja concentrado lá.
De Zhanaozen, as manifestações seguiram para o norte, chegando na capital, Nur-Sultan e, finalmente, em Almaty, no sul do Cazaquistão. Nur-Sultan e Almaty são cidades de infraestrutura elevada se comparadas ao resto do país.
Em 4 de janeiro, em tom ameaçador, o presidente Tokayev emitiu um comunicado, onde reconheceu a responsabilidade do governo e solicitou o fim dos protestos. A população reagiu e os protestos — até então pacíficos — tornaram-se violentos.
Isolado politicamente, Tokayev demitiu Nazarbayev, assumindo o controle do Conselho de Segurança Nacional e solicitando apoio da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), aliança militar composta por seis ex-repúblicas soviéticas sob o comando da Rússia.
Rivalidade entre líderes e o contra-golpe
O conflito particular entre Tokayev e Nazarbayev incentivou rumores sobre um suposto envolvimento do ex-presidente nas tormentas, mas isso foi prontamente negado por pessoas próximas ao presidente Tokayev. Tão logo solicitada, a ajuda da OTSC chegou no Cazaquistão e sem dificuldades controlou os protestos, que o governo cazaque considerou como “tentativa de golpe de Estado”.
A repercussão internacional também foi imediata. Por um lado, China e Rússia — aliados do governo cazaque — viram os eventos como uma tentativa de promover uma revolução colorida no país.
Se na Europa a Ucrânia é parte imprescindível para os russos, por considerarem que o território ucraniano deve ser mantido sob a influência de Moscou, na Ásia Central ocorre o mesmo com o Cazaquistão.
Questões envolvendo antigos territórios do Império Russo e da União Soviética — que é o caso de Cazaquistão e Ucrânia — são sempre delicadas para os russos, considerando que após a independência desses países, a Rússia buscou manter a cooperação política, econômica e de segurança, tentando não perder a influência regional.
Assim, qualquer mínima instabilidade nas ex-repúblicas soviéticas automaticamente envolve os russos. Por outro lado, os Estados Unidos — desafiantes de China e Rússia ao redor do mundo —, a União Europeia e alguns membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) viram as ocorrências como “levantes pela democracia”.
Veja também nosso vídeo sobre a política da Rússia atual!
Ocorreu uma revolução colorida no Cazaquistão?
Mas afinal, o que é uma revolução colorida? De modo geral, uma revolução colorida é um movimento provocado por um agente externo — seja estatal ou não-estatal — que explora os acontecimentos internos em um determinado país, como por exemplo, os aumentos no preço dos combustíveis.
Assim, o agente busca enfraquecer o governo central e reorganizar o sistema político conforme seja benéfico para seus projetos políticos ou econômicos.
Definido o conceito, permanece a pergunta: foi ou não uma revolução colorida?
Em artigo publicado na Foreign Policy, a professora associada da Faculdade de Assuntos Internacionais da National Defense University, Erica Marat, e o professor assistente de Relações Internacionais na Near East University, Assel Tutumlu, citam as razões para que os eventos no Cazaquistão não sejam considerados uma revolução colorida:
- Diferente dos eventos em Belarus (2006 e 2020) e na Ucrânia (2004–2005), os protestos no Cazaquistão não tinham uma agenda política unificada, um grupo político orientador e tampouco um único líder porta-voz;
- Diferente os eventos na Geórgia (2003) e no Quirguistão (2005), os protestos não ocorreram após eleições, considerando que a estabilidade do Cazaquistão era um ponto forte do país desde o governo de Nazarbayev, que por sua vez, fez uma transição pacífica para Tokayev;
- Ainda que tenham movimentado um número recorde de manifestantes, os protestos não foram uniformes, tendo modelos completamente diferentes em Zhanaozen (pacífico e operário), Nur-Sultan e Almaty (violento e político).
Por outro lado, após a situação ter sido controlada pelo governo cazaque em parceria com a OTSC, o chanceler chinês, Wang Yi, telefonou ao seu homólogo russo, Serguei Lavrov, para parabenizar a efetividade da coalizão russa no Cazaquistão e colocar-se à disposição para, juntos, os países trabalharem contra revoluções coloridas vindouras.
China e Rússia são os dois principais parceiros econômicos do Cazaquistão, além de possuírem vasta fronteira terrestre com o país.
Revolução colorida: os vitoriosos e os derrotados
O fim da turbulência no Cazaquistão trouxe vitória para o presidente russo Vladimir Putin, que em parceria com a OTSC, evitou a instabilidade no Cazaquistão. Outro vitorioso foi o presidente cazaque Kassym-Jomart Tokayev, que finalmente saiu da sombra de seu antecessor.
Agora, resta saber como os derrotados irão se comportar, orquestrando guerras convencionais ou revoluções coloridas nas fronteiras da Federação Russa, a herdeira do Império Russo e da União Soviética.
E aí, compreendeu melhor sobre o tema? O que você acha? Deixe sua opinião ou dúvida nos comentários!
Referências:
- Al Jazeera – A coup, a counter-coup and a Russian victory.
- Al Jazeera – Maps and charts to understand Kazakhstan’s protests.
- Folha de S. Paulo – China apoia ação de Putin no Cazaquistão e quer união contra o Ocidente.
- Foreign Affaris – The Winter of the Patriarch.
- Foreign Policy – Kazakhstan’s Protests Aren’t a Color Revolution.
- Politize – Guerras Híbridas: saiba tudo sobre este conceito!
- RASHID, Ahmed. The Resurgence of Central Asia: Islam or Nationalism?. Oxford University Press, 1994.
- RASHID, Ahmed. Taliban: Militant Islam, Oil and Fundamentalism in Central Asia. Yale University Press, 2000.
- RASHID, Ahmed. Jihad: The Rise of Militant Islam in Central Asia. Yale University Press, 2002.
- RT – Official death toll in Kazakhstan unrest announced.