Clóvis Moura (1925 – 2003), historiador e sociólogo, é conhecido sobretudo pela autoria do clássico Rebeliões da Senzala: quilombos, insurreições e guerrilhas. Ele também foi um grande jornalista combatente às ideias capitalistas e a de que os negros tiveram um papel passivo durante a história do Brasil, especialmente na época escravista do país.
Neste texto, a Politize! irá contar um pouco da história de Clóvis Moura, sua trajetória pessoal e profissional e explicará seu trabalho e ideias. Confira.
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Quem foi Clóvis Moura?
Nascido Clóvis Steiger de Assis Moura no dia 10 de julho de 1925, em Amarante, no Piauí, o jornalista, sociólogo, historiador e escritor produziu importantes estudos sobre a escravidão e a resistência dos negros no Brasil.
Moura iniciou sua carreira muito cedo. Ainda jovem atuou como aspirante a jornalista no pequeno jornal O Potiguar, jornal estudantil criado por ele. A publicação foi resultado de sua participação como porta-voz do Grêmio Cívico Literário do Colégio Diocesano Santo Antônio, em Natal, Rio Grande do Norte, onde fez o curso secundário.
O primeiro texto de Moura foi publicado quando ele tinha apenas 14 anos. O tema e título chamaram a atenção dos colegas e professores da época, já que trazia o título de Libertas quae sera tamem e abordava a Inconfidência Mineira.
A família se deslocava bastante devido ao trabalho do pai como funcionário da Receita Federal. Ele morou brevemente em Salvador em 1941 e no ano seguinte foi para Juazeiro, também na Bahia. Nesta época, Moura se envolveu com diversos intelectuais da época e logo se envolveu com os partidos de esquerda PCB e o PSB.
Cultura, política e a Frente Cultural
Moura logo se envolveu também com atividades culturais comunistas ao tentar conquistar espaço na impresa partidária. Com isso ele teve contato com a Frente Cultural de São Paulo, para onde se mudou com a família em 1950.
Na Frente Cultural, novos caminhos se abriram e ele começou a trabalhar como redator do jornal Última hora, periódico da chamada grande imprensa, fundado e dirigido por Samuel Wainer, onde permaneceu de 1952 a 1958.
Paralelamente, atuou até 1955 como secretário de redação da revista Fundamentos, fundada por Monteiro Lobato e publicada trimestralmente pelo PCB em São Paulo de 1948 a 1955. Abordava temas culturais, os quais correspondiam ao anúncio de tratar-se de “revista de cultura moderna”, expressa em assuntos variados. Aqui deixou de ser um principiante e começou a ser visto como profissional da imprensa nas publicações comunistas.
Entre 1952 e 1955 publicou quatro artigos sobre literatura e história, os quais abordavam suas preocupações políticas da época e pautas do PCB em seu programa anticapitalista, anti-imperialista e de valorização das lutas populares.
Resistência quilombola
Baseando-se na teoria de Karl Marx, Moura analisou a luta de classes no sistema escravista e questionou a visão de Gilberto Freyre sobre a passividade do negro na história do Brasil.
Moura estudou e expôs que o negro não foi passivo e acomodado na história escravista brasileira e destacando a resistência quilombola. Essa visão trouxe a ele a fama de um jornalista combatente.
Para Clóvis Moura, a sociedade escravista brasileira era subdividida em duas classes antagônicas: os senhores de escravos (classe dominante) e os escravos (classe dominada). Os escravos produziam os bens materiais e as riquezas enquanto os senhores de escravos detinham a propriedade e os meios de produção. Após a abolição, os escravos, apesar de terem produzido as riquezas que alicerçaram a economia brasileira, não tiveram direito à propriedade.
Na visão que ficou conhecida como mouriana, o quilombo não se trata de um quisto ou sobrevivência cultural, mas uma resposta coletiva do escravizado a uma ordem social baseada no trabalho forçado.
Crítica à tese da democracia racial de Gilberto Freyre
Gilberto Freye acreditava na ótica “paternalista” e “filantrópica” de pesquisar, examinar e interpretar as lutas dos negros escravizados numa perspectiva de caridade, compaixão e piedade para com os oprimidos.
Moura era bastante crítico a isso, especialmente após a publicação do livro Rebeliões na Senzala em 1959, onde explora a ideia contrária de passividade do negro na história brasileira. Para ele, o mito da democracia racial é uma ideologia que justifica a discriminação e responsabiliza o próprio negro pela sua imobilidade social. Funciona como um meio de perpetuar a discriminação, o racismo e o extermínio contra o negro. O tema também é abordado em Sociologia do Negro Brasileiro, publicado em 1988.
A crítica basea-se no conceito de “práxis negra” que relaciona com o processo de reconstrução simbólica do negro como sujeito, autor de sua própria história. Para o autor, grande parcela da população brasileira inferioriza o negro e categoriza os brasileiros de acordo com os tons da pele. Para Moura, quando o negro deixa de ser escravizado, ele não só é marginalizado do sistema de trabalho assalariado como passa a ser associado a estereótipos negativos. Nesse sentido, o preconceito afasta o negro da sociedade.
Ele escreveu em Sociologia do Negro Brasileiro: “O problema do negro tem especificidades, particularidades e um nível de problemática muito mais profundo do que o do trabalhador branco. Mas, por outro lado, está a ele ligado porque não se poderá resolver o problema do negro, a sua discriminação, o preconceito contra ele (finalmente, o racismo brasileiro), sem atentarmos que o racismo não é epifenomênico, mas tem causas econômicas, sociais, históricas ideológicas que alimentam o seu dinamismo atual.”
Racismo no capitalismo
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De acordo com Moura, o negro foi deixado de lado no sistema capitalista, onde é apagado por doenças ou pela violência que se encontra nesses “guetos invisíveis”, como são denonimados pelo autor. Estes guetos invisíveis são os espaços em que os negros foram colocados pela sociedade, segundo Moura. O espaço é um de invisibilidade do negro como ser atuante na comunidade. Muitas vezes este espaço é também físico, como favelas e locais subalocados que são esquecidos pelo resto da população.
Moura acreditava que só o fim do capitalismo e o fim das desigualdades sociais criariam as condições para o fim definitivo do racismo. Esse fim do capitalismo, para Moura, não existe necessariamente na revolução romântica de que tudo pode acabar de um dia para o outro, mas sempre acreditou na revolução. Esta revolução viria como resultado de um processo lento de deterioração da sociedade e de uma conscientização proveniente da periferia do capitalismo.
Obras de Clóvis Moura
Moura é mais conhecido por seu primeiro livro Rebeliões da Senzala, publicado em 1959 pela Editora Zumbi, mas publicou diversos trabalhos importantes para as discussões raciais e históricas brasileiras. Veja a bibliografia completa abaixo:
Sociologia
- O negro: de bom escravo a mau cidadão? (Coleção Temas Brasileiros, vol. 21.) São Paulo: Conquista, 1977.
- A Sociologia Posta em Questão. São Paulo: Ed. Ciências Humanas, 1978;
- Sacco e Vanzetti: o protesto brasileiro. São Paulo: Ed. Brasil/Debates, 1979;
- Diário da Guerrilha do Araguaia. São Paulo: Alfa Ômega, 1979;
- Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo: Brasiliense, 1981. Coleção Tudo é História;
- Organizações negras. In: SINGER, Paul; BRANT, Vinicius de Caldeira. São Paulo: o povo em movimento. São Paulo: Editora Brasileira de Ciências, 1983;
- Brasil: raízes do protesto negro. São Paulo: Global Editora, 1983, Coleção Passado & Presente;
- Imprensa negra. São Paulo: Imprensa Oficial, 1984;
- História do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1989;
- As injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira. São Paulo: Oficina do Livro, 1990;
- Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Editora Anita, 1994;
- Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil. Maceio: Ed. Edfal, 2001;
- Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004;
- Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. São Paulo: Anita Garibadi. 6ª edição, 2020;
- Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Expressão Popular, 2021.
Literatura
- Argila da memória. São Paulo: Editora Fulgor, 1962. (Poesia);
- O espantalho na Feira. São Paulo: Fulgor, 1961. Apresentação de Jorge Amado. (Poesia);
- Manequins Corcundas. São Paulo: Editora La Palma, 1979. (Poesia);
- Flauta de Argila. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 1995. (Poesia).
Crítica
- Prefácio. In: CAMARGO, Oswaldo. A descoberta do frio. São Paulo: Edições Populares, 1979;
- Prefácio. In: FERRARA, Mirian Nicolau. A imprensa negra paulista (1915-1963). São Paulo: FFLCH, USP, 1986. (Antropologia, 13). p.17-21.
Morte
Clóvis Moura faleceria em 2003 aos 78 anos, após meses internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, devido a câncer na garganta.
O que achou da vida e obra de Clóvis Moura? Você concorda com sua visão sobre a resistência e força do negro durante toda a história do Brasil? Você acha que o capitalismo tem relação com isso? Comente aqui!
Referências
- Clóvis Moura: Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas (1959, Editora Zumbi)
- Clóvis Moura: Sociologia do Negro Brasileiro (1988, Perspectiva)
- Literafro: Clóvis Moura
- MST: Clóvis Moura: os 95 anos do pensador negro e comunista
- Outras mídias: Clóvis Moura, intérprete do Brasil antirracista
- Sociedade Brasileira de Sociologia: Clóvis Moura
- Um jornalista combatente: Clóvis Moura, Flama e a política cultural do PCB (1951-1952). MALATIAN, Teresa