Nas eleições de 2016, começaram a valer as novas regras eleitorais, criadas na minirreforma de 2015. Entre as principais mudanças da reforma está o fim das doações empresariais para campanhas. Muito se discutiu sobre o impacto que essa modificação teria sobre o resultado das eleições e, passado o pleito de 2016, algumas diferenças puderam ser apontadas. Descubra qual foi a influência da proibição das doações empresariais nas últimas eleições e quais são as perspectivas para o novo cenário eleitoral.
QUAIS REGRAS MUDARAM COM A REFORMA ELEITORAL?
Até a eleição de 2014, as empresas brasileiras poderiam doar no máximo 2% de seu faturamento bruto, referente ao ano anterior à eleição. Com a minirreforma, as doações empresariais foram proibidas. Nas novas regras, todo dinheiro para financiar as campanhas políticas deve sair do Fundo Partidário ou de doações de pessoas físicas, o que inclui o próprio candidato.
Antes da mudança na legislação, boa parte dos recursos para campanhas tinha origem em doações empresariais. Em 2014, as empresas doaram juntas mais de R$ 3 bilhões para as campanhas, o que representou cerca de 80% do total das doações. Enquanto isso, os partidos gastaram apenas R$ 72 milhões do Fundo Partidário durante a corrida eleitoral. As contribuições individuais resultaram, naquela eleição, em R$ 552,5 milhões, tendo mais de 136 mil pessoas como doadoras, um valor muito menor do que o doado pelas empresas.
Nas novas regras, os cidadãos podem doar no máximo 10% de seus rendimentos brutos no ano anterior ao pleito. Além da doação em dinheiro, pessoas físicas também podem doar ou emprestar bens pessoais estimáveis em dinheiro, diretamente aos candidatos. O limite do valor das doações de bens passou de R$ 50 mil para R$ 80 mil por pessoa física.
ENTÃO, O DINHEIRO PARA CAMPANHA DIMINUIU NESTAS ELEIÇÕES?
Não necessariamente. Com o fim das doações empresariais, boa parte do dinheiro para as campanhas veio do Fundo Partidário, que tem crescido progressivamente nos últimos anos. Em 2010, por exemplo, havia apenas R$ 200 milhões, distribuídos entre as várias legendas brasileiras. Já em 2014, o Fundo Partidário distribuiu mais de R$ 365 milhões aos partidos. A estimativa para 2016 era de R$ 819 milhões, entre duodécimos e multas.
Além disso, muitos candidatos doaram considerável valor do seu patrimônio para suas próprias campanhas e receberam doações de companheiros de partido.
Com a proibição das doações empresariais, a expectativa era de que as pessoas físicas estivessem no centro das campanhas. Na prática, não foi bem assim. A participação desse tipo de doador ficou muito abaixo do esperado, em função de vários fatores. Entenda este novo quadro abaixo.
COMO FICOU O NOVO CENÁRIO?
Dados apontados pelo Nexo, e disponíveis no site do TSE, mostram que as campanhas tiveram dificuldades em arrecadar até mesmo o valor mínimo estipulado pelo teto de gastos. As doações feitas para o primeiro turno das campanhas eleitorais registraram queda de 65% em relação à eleição municipal anterior. Foram de R$ 7,2 bilhões em 2012 para R$ 2,5 bilhões em 2016. No segundo turno, as doações alcançaram quase R$ 2,9 bilhões. No mesmo período de 2012 as doações haviam ultrapassado R$ 6 bilhões.
Um dos reflexos do fim das doações de empresas foi a vantagem para os candidatos mais ricos, que fizeram doações às próprias campanhas, no chamado autofinanciamento. Esses “recursos próprios” representam 47,2% do total doado, mas financiaram apenas 29% das campanhas cujas contas já haviam sido declaradas até 5 de outubro. Em 2012, o autofinanciamento representou 15,9% do total arrecadado nas campanhas.
Isso é um reflexo de outra mudança da minirreforma eleitoral, que expandiu o limite para candidatos doarem a si mesmos. Até 2014, havia teto de 50% da renda declarada pelo político. Nas novas regras, o limite para autofinanciamento é o mesmo valor do teto de gastos para a campanha do candidato.
Outro ponto apresentado foi a baixa doação através da internet. Até o dia 5 de setembro, essa forma de arrecadação representava somente R$ 329,7 mil, equivalente a 0.059% do total declarado.
QUAIS OS MOTIVOS LEVARAM À QUEDA NAS DOAÇÕES?
Além do fim do financiamento privado e do limite de doações, o total do valor arrecadado também diminuiu em função da redução do período de campanha, que passou de 90 dias para 45 dias. Com menos tempo de campanha, menor foi o tempo para que candidatos buscassem mais recursos. Outros fatores que influenciaram a queda nas arrecadações foram:
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Falta de cultura em doação: diferente dos cidadãos em outros países, como nos Estados Unidos, o brasileiro ainda não possui o hábito de contribuir individualmente para este tipo de causa. Além desse hábito ainda não ser muito forte por aqui, a descrença da população em relação aos políticos só agrava a situação.
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Falta de clareza na lei: outra dificuldade foi a falta de uma regulamentação clara sobre as doações de campanha. Ainda existem dúvidas sobre o que pode ou não fazer para captar recursos, principalmente pela internet, o que dificulta o processo para os doadores e também para os candidatos.
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Dificuldades tecnológicas: a internet é uma importante forma de aproximar eleitores e candidatos, e para isso diversas ferramentas online foram desenvolvidas para intermediar as doações de campanha. Ainda assim, muitos candidatos apresentaram dificuldades em utilizar esse sistema e criar uma campanha online que fosse funcional. A proibição de doações através de campanhas de Crowdfunding tornou ainda mais difícil a arrecadação por esse meio.
CAMPANHAS FORAM MARCADAS POR INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES
Logo após o primeiro turno das eleições, quando a prestação de contas das campanhas ainda não tinha terminado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Tribunal de Contas da União (TCU) já haviam identificado indícios de irregularidades em 38.985 doações, o equivalente a 34% das doações totais. Se confirmada a irregularidade das doações, os candidatos podem ser punidos com multa ou rejeição do registro de candidatura.
Entre as falhas, aparece a doação de cidadãos em um valor muito acima da sua condição econômica, muitas delas pessoas beneficiárias de programas de assistência social, como o Bolsa Família. Essas doações não são proibidas, mas levantam suspeita pela discordância entre o valor doado e a capacidade econômica do doador. Outra falha é a doação de 35 pessoas que constam como mortas. Em ambos os casos, a suspeita é de que sejam CPFs usados de forma indevida, os chamados “doadores cítricos” ou laranjas.
Na capital paulista, funcionários públicos fizeram doações em valores acima dos próprios salários a candidatos com quem têm ligação profissional, o que levanta suspeita de fraudes, como lavagem de dinheiro. Além disso, funcionários contratados exclusivamente para trabalhar nas campanhas têm aparecido na lista de doadores. Ou seja, pessoas contratadas doaram o valor recebido para a própria campanha em que trabalharam.
Outra fonte de suspeita são os fornecedores com os quais os candidatos tiveram despesas. O relatório do TCU aponta irregularidade em 1.426 fornecedores entre 60.952 apurados, representando 2,34% do total. Os indícios de fraude aparecem em empresas sem capacidade operacional, sem empregados cadastrados na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), ou não registradas na Junta Comercial ou na Receita Federal.
APESAR DE MUDANÇAS, A INFLUÊNCIA DAS EMPRESAS CONTINUA
Mesmo com a proibição das doações empresariais e a queda no número total de arrecadações, a influência das empresas nas campanhas continua. Segundo relatório da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Dapp), que cruzou CPFs de doadores de candidatos à prefeitura do Rio de Janeiro com CNPJs ativos, 58 dos 59 maiores doadores na cidade ocupam altos cargos em alguma empresa, como sócio, diretor, administrador ou presidente. A maior parte destas empresas atuam na área de construção e engenharia ou no setor imobiliário.
De acordo com a análise da FGV-Dapp, as novas regras sobre financiamento não conseguiram acabar com a influência do poder econômico nas campanhas eleitorais, já que o lobby das empresas ainda pode operar por meio de pessoa física dos sócios, proprietários, principais acionistas, diretores e presidentes de empresas.
O FINANCIAMENTO DE EMPRESAS EM CAMPANHAS PODE VOLTAR?
Em setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da doação de empresas a candidatos e partidos políticos, decretando o fim do financiamento empresarial de campanhas. No entendimento do STF, as doações feitas por empresas poderiam favorecer a corrupção, como mostram as investigações da Operação Lava Jato, onde as empresas envolvidas em esquemas corruptos foram responsáveis por 40% das doações recebidas pelos maiores partidos políticos brasileiros.
Com a dificuldade dos candidatos em arrecadar recursos financeiros para as eleições de 2016, alguns parlamentares têm articulado, desde o início das campanhas, a volta do financiamento empresarial. A estratégia é aprovar a volta do financiamento de empresas por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Em setembro do ano passado, uma PEC sobre o tema foi aprovada na Câmara dos Deputados, e desde então segue parada no Senado. O texto dessa proposta defende um sistema misto de financiamento, com dinheiro do Fundo Partidário e doações privadas, de pessoas físicas e empresas. Na nova regra, somente os partidos poderiam receber doações empresariais e os candidatos continuariam só podendo aceitar doações de pessoas físicas.
E você, é contra ou a favor das doações empresariais para as campanhas políticas? Deixe seu comentário.