Quem nunca recebeu um e-mail ou uma mensagem no whatsapp com pedido para assinar um projeto de lei que promete mudar o Brasil? E quem nunca se questionou se apoiar essas ideias realmente vai fazer alguma diferença? Bem, um dos 4 projetos de iniciativa popular que viraram leis é a Lei da Ficha Limpa, que endureceu regras para tornar inelegíveis políticos e candidatos em diversas situações que os deixam “fichas-sujas”.
No início de 2018, a importância dessa lei ficou mais evidente com a possibilidade, e promessa, de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concorrer à Presidência da República nessas eleições. A polêmica reside no fato de que o ex-presidente foi condenado em decisão do Tribunal Regional Federal 4 (TRF-4) de Porto Alegre por dois crimes: por lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Segundo a Lei da Ficha Limpa, esses crimes deixam uma pessoa inelegível por até 8 anos. Isto é, o próprio Lula ficaria inelegível do momento da condenação até 8 anos, no mínimo, após o cumprimento da pena.
Apesar disso, seu partido político inscreveu o ex-presidente como candidato em 2018. A campanha está ocorrendo normalmente até que a Justiça Eleitoral delibere sobre a possibilidade ou não de Lula ser candidato, tendo em vista suas condenações. Por sua vez, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve julgar a questão no máximo até o início de setembro. Assim, fica a pergunta… Condenados podem ser candidatos? Vamos entender essa questão polêmica.
O QUE DIZ A LEI DA FICHA LIMPA SOBRE INEGIBILIDADE?
Para quem se pergunta se essas leis propostas por cidadãos podem trazer alguma mudança na política, a resposta é sim. É interessante notar que a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135 de 2010) foi recebida pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, e sancionada pelo então presidente Lula, em 2010, com alterações significativas na LC nº 64, de 1990, conhecida como Lei de Inelegibilidade. E o que elas dizem?
Ao longo da leitura dessas leis, observa-se que a condição de não ser mais elegível passa a ser aplicada quando uma pessoa é condenada. Existe uma lista de crimes que vão desde a ferir os princípios da administração pública até práticas ilegais como lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, passando por ações mais gerais como atentados contra o meio ambiente e a dignidade sexual. Então, condenados não podem ser candidatos nas eleições, certo?
Não é só isso que conta, porque apenas ser condenado não o torna inelegível! Vamos lá que explicamos tudo:
No artigo 1º da Lei de Inelegibilidade, que foi editada pela Lei da Ficha Limpa, encontramos logo uma informação importante: não poderá ser eleito aquele que foi condenado “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”. Saindo do juridiquês, isso significa que:
a) O caso da pessoa passou por uma turma de juízes e continuou condenada;
b) A pessoa pode ter perdido todos os prazos para recorrer;
c) A pessoa deve ter passado por todos os recursos jurídicos possíveis e continuado como condenada.
Imagina que você virou réu de um crime, foi condenado e questionou essa decisão por meio de recursos até as cortes superiores do Brasil. Pronto, isso é um exemplo de “decisão transitada em julgado”, pois não tem mais como recorrer e já se passaram todos os prazos. Nesse exemplo, você não poderá questionar a proibição de assumir um cargo político.
Por outro lado, “decisão de órgão judicial colegiado” significa também que você já pode estar inelegível se o caso passar por um grupo de juízes ou ministros, o que configura colegiado. No seu primeiro julgamento, por exemplo, você passou por apenas um juiz. Se questionar algo na decisão ou no processo desse juiz, seu caso vai para um colegiado. Caso essas novas autoridades mantenham a situação “condenado”, você passa a não ter mais como se eleger. Resumidamente, é isso.
No exemplo do Lula, isso aconteceu já na decisão da segunda instância, com a condenação confirmada pelo colegiado de 3 desembargadores (leia aqui o que eles fazem). Por isso, mesmo que Lula ainda tenha direito a recorrer aos tribunais superiores, já não pode mais tomar posse de cargos políticos. E, no geral, nossa legislação determina a inelegibilidade pelo período de 8 anos contados após o cumprimento da pena, quando houver suspensão dos direitos políticos. Ah, o Tribunal pode definir um período maior de afastamento do político! Não é algo inflexível.
Bem, então agora já sabemos a resposta final, certo? Calma que, mesmo condenado e inelegível, um político pode começar a campanha eleitoral, aparecendo na TV da sua casa e nos cartazes pelo seu bairro. Vamos entender como?
Confira: argumentos contra e a favor à prisão após decisão em segunda instância.
CONDENADO FAZENDO CAMPANHA: PODE ISSO, BRASIL?
Pode, sim! Em primeiro lugar, entre o julgamento de um crime e a análise de uma candidatura, abordamos esferas diferentes da justiça brasileira. Na Lei das Eleições, há dois artigos que permitem um candidato a começar a campanha eleitoral enquanto aguarda decisão judicial. É o que chama de “candidato cujo registro esteja sub judice”. Essa mesma lei diz que, entre os documentos necessários para registrar uma candidatura, estão as “certidões criminais fornecidas pelos órgãos de distribuição da Justiça Eleitoral, Federal e Estadual”.
Para ir direto ao ponto: a Lei das Eleições autoriza a campanha de um condenado, mas a Lei da Ficha Limpa proíbe a diplomação e posse do cargo político para o qual se candidatou. O Tribunal Superior Eleitoral intervém no placar do jogo quando recebe aqueles documentos no registro de candidatura. Se nas certidões criminais o caso do candidato ainda não tiver passado por todas as instâncias e recursos possíveis, o nome do candidato continuará nas urnas até a Justiça Eleitoral ter um retorno sobre o processo criminal.
Confira: argumentos contra e a favor à prisão após decisão em segunda instância.
E quem decide a legalidade de uma candidatura?
Pode parecer que ouvimos falar da Justiça Eleitoral apenas de quatro em quatro anos, mas o desafio de acompanhar o sistema eleitoral brasileiro está também em entender como funciona esta parte do Poder Judiciário. Afinal, quem bate o martelo e define a inelegibilidade de alguém? Quais órgãos decidem se condenados podem ser candidatos? Dentro da esfera da Justiça Eleitoral, conforme a Lei das Eleições, sabemos que:
- TSE (e seus ministros) decide sobre candidatos a Presidente ou Vice-Presidente da República;
- Tribunais Regionais Eleitorais sobre candidatos a Senador, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital;
- Juízes Eleitorais sobre candidatos a Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador.
Desse modo, enquanto o candidato condenado arrecada fundos, participa de debates e distribui panfletos, são esses graus de jurisdição que acompanham e julgam a candidatura.
VOTOS EM CANDIDATOS CONDENADOS SÃO ANULADOS?
“Ok, então eu posso votar em um candidato condenado e está tudo certo?”, você deve estar se perguntando.
Imagina que você chegou cedo para votar, mostrou o título de eleitor e foi para a urna eletrônica digitar o voto em um político com registro de candidatura pendente. A partir daqui, os cenários são:
- O candidato é declarado inelegível e o seu voto é anulado. Então, se um candidato à Presidência ganhar 20 milhões de votos, por exemplo, e depois for considerado inelegível, não podendo tomar posse do cargo, todos os votos são invalidados;
- O candidato é declarado elegível e o seu voto vai mesmo para o candidato.
Os votos computados para candidaturas aguardando decisão judicial não aparecerão na contagem final até a decisão do TSE quanto ao registro. Por outro lado, o TSE pode divulgar a quantidade de votos obtidos por quaisquer candidatos, independente da condição da candidatura. Conforme a Lei das Eleições, os votos destinados à legenda, à coligação ou ao partido somente serão validados se o registro de candidatura do político estiver autorizado na data da votação – não na condição de indeferido ou sub judice.
ENTÃO O LULA PODE SER CANDIDATO, MAS NÃO VIRAR PRESIDENTE?
Isso mesmo! Aplicando tudo o que acabamos de aprender, vimos que:
- Os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro se enquadram na lista de crimes previstos na Lei da Ficha Limpa;
- A condenação por decisão de colegiado também torna inelegível o candidato;
- O partido político do condenado pode registrá-lo como candidato;
- O candidato condenado pode fazer campanha eleitoral e ter seu nome na urna;
- Candidaturas à Presidência da República são analisadas pelo TSE;
- TSE tem autoridade para deferir ou indeferir o registro de candidatura;
- TSE tem autoridade para anular ou validar os votos recebidos pelo condenado.
Outros pontos importantes para entender este caso são: o Partido dos Trabalhadores (PT) já afirmou que registrará Lula como candidato no dia 15 de agosto; devido à decisão unânime na segunda instância, o único recurso que sobrou para a defesa do acusado é o “embargos de declaração”, que solicita explicações mais claras sobre partes do processo, de maneira que não reverterá a condenação; e o próximo passo será recorrer ao STF ou ao STJ e pedir habeas corpus. Tudo dependerá agora de datas, se antes ou depois de 15 de agosto, pois ministros do TSE já afirmaram que seguirão a Lei da Ficha Limpa. Agora, imagina: e se ninguém tivesse apoiado esse projeto de lei e feito pressão popular para sua aprovação?
Conseguiu entender como condenados podem ser candidatos? O que você pensa sobre isso? Comente!
Referências: Politize! – Lei da Ficha Limpa; Conjur – Condenação do Lula; Lei das Eleições; Lei da Inelegibilidade; Lei da Ficha Limpa; DC – O que diz a sentença de Sergio Moro
4 comentários em “Condenados podem ser candidatos?”
Muito bom pena que a Lei só regride pra pior pois seria tão bom ler que a justiça foi feita com todos que logram o próximo e o povo humilde .
olha muito bom foi esta lei porque tem como barrar os corruptos de tomar posse do cargo que se eleger
Uma pessoa que foi julgada em 2022 e recebeu uma suspensao condicional da pena em 2 anos pois foi condenada em 1,4 anos . Pode candidatar a vereador em 2024?
Existe um pequeno equívoco no texto, o termo condenado no jurídico é quando o réu já foi julgado em todas as instâncias possíveis e sem caber recurso especial também, ele foi julgado em duas instâncias porém ainda tinha recurso para recorrer, sendo assim ele não foi condenado mas sim julgado culpado e ainda tendo a disposição a opção de recurso especial para recorrer da decisão.