Entenda o conflito entre Armênia e Azerbaijão pelo território de Nagorno-Karabakh

Publicado em:
Compartilhe este conteúdo!
Soldado. Conflito Armênia-Azerbaijão

Entender o conflito entre Armênia e Azerbaijão sobre o controle da região de Nagorno-Karabakh é, acima de tudo, entender como a geopolítica funciona na prática e quais as suas consequências para a população. O conflito, que teve seu auge no início dos anos 90 com o fim da União Soviética, voltou a sofrer uma escalada no ano de 2020. Armênios e Azeris, com apoio turco e russo, disputam uma histórica região montanhosa.

Os motivos dessa guerra, porém, vão além de questões territoriais, já que o Cáucaso é peça-chave na questão energética. Mas onde exatamente esse conflito acontece? Quem são os povos envolvidos? Por que Rússia e Turquia estão interessadas nesse conflito? Todas essas respostas você encontra no texto a seguir!

Onde acontece o conflito?

Armênia e Azerbaijão fazem parte do que já foi conhecida como Transcaucásia, região que liga a Rússia ao norte do Oriente Médio e que hoje é denominada Cáucaso do Sul. A localidade é historicamente conhecida por ser um território multiétnico, abrigando ao longo do tempo, inclusive, os impérios Persa, Otomano e Russo. Não por acaso, o local é popularmente conhecido como a esquina do mundo.

E quando pensamos no conflito entre eles, destaca-se a região de Nagorno-Karabakh, situada entre Armênia e Azerbaijão, e que vem sendo alvo de disputas que remontam, pelo menos, ao tempo em que ambos territórios faziam parte do Império Russo. O nome que essa região leva, por exemplo, é reflexo do seu aspecto multiétnico. A palavra de origem túrquica Karabakh tem como significado “jardim negro”, enquanto que a palavra Nagorno, que tem origem russa, significa “alto”, ou “montanhoso”. Nagorno-Karabakh, portanto, pode ser compreendida como uma região montanhosa dentro do território de Karabakh.

Dentro desse conflito, destacam-se duas etnias: os armênios e os azeris. Enquanto os armênios são, em sua maioria, historicamente uma população cristã, os azeris – população de etnia túrquica – são majoritariamente islâmicos. Entretanto, não se pode atribuir ao conflito causas puramente religiosas ou étnicas. Como veremos logo mais, ele foi fruto de um conjunto de acontecimentos ao longo da história.

Mapa
Fonte: GeoCurrents.

Origens do conflito durante o período soviético

Por se tratar de uma região multiétnica, a definição de fronteiras por muito tempo foi – e ainda é – assunto delicado. Desde o início do século XX, quando territórios que hoje conhecemos como Armênia, Geórgia e Azerbaijão ainda pertenciam ao Império Russo, demarcações territoriais eram um problema. Porém, por estarem sujeitos às ordens do império a situação era controlada. Foi só com a Revolução Russa de 1917 que, dissolvido o império que controlava a região, os povos da Transcaucásia tiveram a oportunidade de se tornarem independentes, o que aconteceu no ano seguinte.

Porém, essa independência adquirida se traduziu em mais um impasse. Sem um governo superior que fizesse o papel exercido pelo Império Russo – o de controlar as negociações -, ambos Armênia e Azerbaijão reivindicaram o território de Karabakh. Embora não tenha sido um período extenso (1918 a 1922), foi durante essa época que as populações azeris e armênia passaram a ocupar aquela região de maneira específica. Enquanto os azeris localizavam-se, em sua maioria, no território plano daquela área, os armênios majoritariamente ocupavam a região montanhosa: o “Alto Carabaque” (Nagorno-Karabakh).

Entretanto, já em 1922 mais uma vez um Governo centralizaria o poder naquela região do Cáucaso. Com o surgimento da União Soviética, Armênia e Azerbaijão se tornaram então repúblicas soviéticas e, nesse contexto, as disputas na região seriam controladas novamente. Inclusive, foi sob a administração soviética naquela localidade que foram demarcados os territórios ocupados por ambos países atualmente.

A região e Karabakh foi então alocada dentro das fronteiras azerbaijanas por Stalin, quando este fazia parte do chamado Comissariado do Povo para as Nacionalidades, instituição que lidava com povos de nacionalidades não-russas. Porém, a maioria étnica daquela região ainda era armênia. Posteriormente, a região de Nagorno-Karabakh foi denominada uma oblast – isto é, uma região autônoma, mas ainda sujeita às ordens de Moscou -, porém, ainda dentro da República Soviética do Azerbaijão.

Região de Nagorno-Karabakh em destaque. Fonte: Deutsche Welle.

Cessar-fogo após 4 anos de guerra

Com o fim da União Soviética no ano de 1991, as Repúblicas Soviéticas da Armênia e do Azerbaijão tornaram-se independentes. A população armênia que ocupava a região montanhosa, por sua vez, viu naquela ocasião a oportunidade de conseguir a sua independência. A ação foi apoiada por Yerevan (capital da Armênia) e rejeitada pelo Governo azerbaijano. Um plebiscito foi convocado e, com abstenção dos azeris, a maioria votou a favor pela criação da República de Nagorno-Karabakh, que, mais tarde, passou a se chamar República de Artsakh.

Os conflitos por Nagorno-Karabakh reacenderam e, entre 1991 e 1994, estima-se que mais de 30 mil armênios e azeris tenham morrido. A guerra iniciada só foi freada quando, em maio de 1994, foi assinado um cessar-fogo pelos Governos envolvidos nos combates.

Contudo, mesmo após terem assinado um cessar-fogo, conflitos de menor magnitude continuaram a ocorrer na região, o que com o passar do tempo gerou propostas para resolução do conflito. Uma das mais notáveis foi aquela desenvolvida pelo Grupo de Minsk, criado pela OSCE (Organização pela Segurança e Cooperação Europeia), onde, dentro de alguns tópicos, é feita a seguinte proposta:

  • retorno dos territórios em torno de Nagorno-Karabakh ao controle do Azerbaijão;
  • um status provisório para Nagorno-Karabakh fornecendo garantias de segurança e autogoverno;
  • um corredor ligando a Armênia a Nagorno-Karabakh;
  • o direito de todas as pessoas deslocadas internamente e refugiados de retornar aos seus antigos locais de residência; e
  • garantias de segurança internacional que incluiriam uma operação de manutenção da paz.

Contudo, ambos países não aceitaram os termos propostos por acreditarem que estariam sofrendo desvantagens. De um lado, o Governo de Baku (capital do Azerbaijão) defende as leis que determinam a sua soberania na região de Nagorno-Karabakh. De outro, Yerevan e Artsakh acreditam que o território pertence historicamente ao povo armênio. É um fato que escaramuças – isto é, pequenos conflitos – eventualmente ocorrem na região, desrespeitando, desta forma, o documento assinado.

Aliados turcos e russos

É verdade que o Cáucaso é uma região rica em petróleo, o que além de enriquecer alguns países – como é o caso do Azerbaijão – desperta o interesse de Estados vizinhos. Por isso, a região constantemente serve como palco para projeções de poder, sobretudo por parte de Governos mais próximos da região. No caso do conflito entre Armênia e Azerbaijão não é diferente, já que Rússia e Turquia apoiam lados diferentes. (quer saber quem apoia quem, e por que? chega mais pra ler)

Ao falar de turcos e azeris, é importante ter em mente que isso significa a existência de alguns fatores que geram identificação entre esses povos. Além de seus idiomas serem parecidos, ambos são países muçulmanos – embora o Azerbaijão seja um país tradicionalmente Xiita, enquanto que a Turquia é majoritariamente Sunita. Historicamente, portanto, o Azerbaijão tem como seu principal apoiador a Turquia. O país, que diversas vezes fecha suas fronteiras com a Armênia como forma de demonstrar apoio ao Azerbaijão, possui, inclusive, um passado conflituoso com a Armênia.

Leia também: A história da ocupação da Armênia pela Turquia.

Já do lado Armênio, a Rússia é o principal aliado. A religião pode ser entendida como um dos fatores que unem esses dois Estados, uma vez que o país do Cáucaso é historicamente cristão em uma região de maioria islâmica. A Federação Russa, portanto, utiliza-se de questões como esta para projetar seu poder na região vizinha e manter uma relação próxima com a Armênia.

A energia que move alianças

Essa influência exercida pelo país de Vladimir Putin busca, sobretudo, manter sua soberania em um aspecto financeiramente importante para o país: a exportação de gás natural.

A Rússia é, há muito tempo, um dos principais exportadores de gás natural da Europa. De acordo com dados do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e gás), em 2018 o país foi o segundo maior exportador de gás natural, atrás apenas dos Estados Unidos. O Azerbaijão, por sua vez, é peça-chave no mercado energético.  Além de ser um dos maiores produtores de petróleo e gás natural da região, existe uma importante rede de oleodutos que atravessam o território azerbaijano em direção à Turquia, país que há um tempo vem aumentando o seu protagonismo no cenário energético.

Mapa
Oleodutos que atravessam a região do cáucaso do sul, saindo de Baku, capital do Azerbaijão. Fonte: Wikimedia.

O apoio russo e turco, portanto, possui objetivos próprios que vão além da disputa por Nagorno-Karabakh. Utilizando de fatores como etnia e religião, Turquia e Rússia envolvem-se em questões como essa mirando maior influência e projeção de poder naquela região que é de interesse mútuo, o que se traduz em medidas práticas tomadas pelos Governos.

O atual presidente turco Recep Tayyip Erdoğan se apoia no chamado neo-otomanismo. Essa política externa, que faz alusão ao histórico império, tem como principal objetivo gerar maior protagonismo e aumentar a influência da potência na região. Uma das formas de colocar essa política externa em prática é, portanto, o apoio militar fornecido ao Azerbaijão.

Já a Rússia, que tem o mesmo objetivo de projetar seu poder no Cáucaso, embora possua boa relação com o Azerbaijão, interfere no conflito ao lado da Armênia. O país faz parte da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), aliança militar que reúne alguma das ex-repúblicas soviéticas. Além de ser considerado um dos principais negociadores entre os países, a Rússia mantém uma base militar na Armênia como forma de exercer influência no território.

Acontecimentos recentes

É verdade que desde 1994 existe um cessar-fogo assinado entre Armênia e Azerbaijão, contudo, constantemente o documento é desrespeitado e conflitos ocorrem nas fronteiras. Este ano, porém, as ofensivas foram mais violentas e até mesmo fora da região de Nagorno-Karabakh, o que é incomum de acordo com o histórico do conflito.

Até o momento, estima-se que aproximadamente 5 mil pessoas foram vítimas dos confrontos que tiveram início nesse ano de 2020, porém, existe certa dificuldade na apuração exata desses números, já que existe uma batalha de narrativas que permeia esse conflito. Da mesma forma que o Azerbaijão tende a não reconhecer o número de mortos declarado pelo Governo Armênio, este não concorda com os números apresentados pelo Governo azeri.

Soldados do Azerbaijão.
Foto divulgada pelo Ministério de Defesa do Azerbaijão que mostra soldados Azerbaijanos em Nagorno-Karabakh.

Um exemplo desta batalha de narrativas é contada por Filipe Figueiredo, do Podcast Xadrez Verbal. Filipe conta que, de acordo com o Governo de Artsakh – ex-república de Nagorno-Karabakh – no dia 27 de setembro de 2020 hostilidades tiveram início às 8 da manhã após um ataque azeri na região. Contudo, o governo azerbaijano contradiz afirmando que, duas horas antes, ataques haviam sido efetuados por integrantes de Artsakh.

O território disputado por Armênia e Azerbaijão pode ser considerado pequeno se comparado com outros confrontos, porém, não se trata apenas de Nagorno-Karabakh. Diariamente o cenário se transforma, já que pontos estratégicos são conquistados e perdidos por ambos os lados. E a participação de potências como Rússia, Turquia e até mesmo Israel gera preocupação nessa nova escalada dos conflitos, podendo ocasionar em combates cada vez mais violentos.

Gostou do conteúdo? Deixa a sua opinião nos comentários!

REFERÊNCIAS

Quais os interesses da Turquia no conflito de Nagorno-Karabakh?

Azerbaijão x Armênia: entenda o conflito em Nagorno Karabakh | Ricardo Marcílio

Entenda por que Azerbaijão e Armênia estão em conflito em Nagorno-Karabakh

Xadrez Verbal Podcast #241 – 75ª ONU, Europa e Carlos Poggio 

Xadrez Verbal Podcast #236 – Cáucaso, orçamento europeu e EUA vs China 

História Online: Armênia e Azerbaijão, a questão de Nagorno-Karabakh

Nagorno-KArabakh-conflict between Armenia and Azerbaijan explained

 

WhatsApp Icon

1 comentário em “Entenda o conflito entre Armênia e Azerbaijão pelo território de Nagorno-Karabakh”

  1. M Ignez Catanoso

    Gostei muito de tudo que eu li. Gostaria de saber após este conflito ter cessado em 2022 como ficou estipulado o controle da região entre Armênia e Azerbaijão .

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este conteúdo!

ASSINE NOSSO BOLETIM SEMANAL

Seus dados estão protegidos de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

FORTALEÇA A DEMOCRACIA E FIQUE POR DENTRO DE TODOS OS ASSUNTOS SOBRE POLÍTICA!

Conteúdo escrito por:
Graduando de Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Acredita que a educação abre portas que parecem trancadas, e por isso defende um ensino de qualidade e sempre acessível.
Reis, Luiz. Entenda o conflito entre Armênia e Azerbaijão pelo território de Nagorno-Karabakh. Politize!, 21 de dezembro, 2020
Disponível em: https://www.politize.com.br/conflito-armenia-e-azerbaijao-entenda/.
Acesso em: 3 de dez, 2024.

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo