Você já deve ter ouvido falar do recente Decreto n° 9.759/19, assinado pelo presidente da República no dia 11 de abril, e se não ouviu, calma que nós explicamos. O decreto “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para ‘colegiados da administração pública federal’”. Boa parte desses colegiados recebe o nome de Conselhos Nacionais.
Mas o que são e para que servem os Conselhos Nacionais? E o que muda com o Decreto n° 9.759? Nesse texto, trazemos isso e muito mais para você!
Afinal, o que são os Conselhos Nacionais?
Também chamados de Conselhos de Participação ou Conselhos de Políticas Públicas, os Conselhos Nacionais, assim como as Comissões Nacionais, são órgãos colegiados. A ideia de um colegiado é ser um grupo diversificado, com pessoas de variadas origens e experiências, que possa tomar decisões em conjunto. No caso dos Conselhos Nacionais, essas decisões se manifestariam na forma de Políticas Públicas. Essas pessoas não recebem salários. Seus custos são com transporte e hospedagem durante as Conferências Nacionais.
Na definição dada pelo Decreto Nº 8243, de 2014, os Conselhos Nacionais são uma:
” instância colegiada temática permanente, instituída por ato normativo, de diálogo entre a sociedade civil e o governo para promover a participação no processo decisório e na gestão de políticas públicas” (Decreto Nº 8243)
Outra definição é dada pela Secretaria do Governo. Segundo ela, os Conselhos Nacionais são:
“espaços próprios para incorporar pautas e interesses dos setores sociais que buscam a melhoria da qualidade e a universalização da prestação de serviços, destacando-se como instâncias de construção de direitos ainda não reconhecidos pelo Estado” (Secretaria de Governo)
Eles existem desde o seculo XX. O primeiro deles, segundo levantamento realizado pelo IPEA (página 10) foi o Conselho Superior de Ensino, atual Conselho Nacional de Educação, em 1911. Contudo, boa parte deles só foi criada no século XXI. Na primeira década dos anos 2000 foram criados 17 Conselhos, um recorde nesse sentido, com destaque para o ano de 2003.
E se 2003 foi o ano com maior criação de Conselhos Nacionais, dois outros momentos foram decisivos para impulsioná-los: a Constituição de 1988 e a Política Nacional de Participação Social (PNPS), em 2014. A PNPS foi uma resposta às Manifestações de 2013, que, entre outras coisas, demandavam maior participação popular no governo.
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Por seu caráter cidadão, a Constituição de 1988 incentiva à participação social. Já a PNPS foi criada especificamente para isso, “com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”, como apontado em seu decreto de fundação.
Uma vez estabelecidos, os Conselhos Nacionais realizam Conferências Nacionais, através das quais os debates e propostas da sociedade civil chegam ao Governo Federal. De conferências desse tipo, já saíram resultados como Estatutos do Idoso, o Estatuto da Juventude e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A quantidade de Conferências Nacionais tende a variar ao longo do tempo. No governo de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foram 19, enquanto no de Lula, 74.
E quais são os Conselhos Nacionais brasileiros?
Segundo os dados do livro “Participação Social do Brasil: entre conquistas e desafios!” (página 105), em 2014 existiam cerca de 50 Conselhos Nacionais no país. Na lista fornecida diretamente pela Secretaria do Governo, no mesmo ano, o número chega a 40, somado com as Comissões.
Alguns exemplos de Conselhos Nacionais são:
- Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH)
- Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)
- Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC)
- Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP)
Em 2016, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realizou um mapeamento intitulado Representação da Sociedade Civil nos Conselhos e Comissões Nacionais. Nele, há uma ligação dos Conselhos Nacionais aos Ministérios do Governo. Na época, a maior parte deles tinha pauta ligada ao Ministério do Trabalho e ao Ministério da Justiça e Cidadania.
E qual a Composição dos Conselhos Nacionais?
Uma pesquisa realizada por Paula Lima, Ana Claudia Teixeira e Clóvis de Souza, trazida no livro Participação Social no Brasil: entre conquistas e desafios! (página 64) aponta um panorama de como a composição dos Conselhos Nacionais tem sido desde o início do século XXI.
Podemos perceber uma tendência de aumento na participação de Movimentos Sociais e Organizações da Sociedade Civil e de queda de trabalhadores e empresários.
Agora que já está mais claro o que e quais são os Conselhos Nacionais, podemos passar para o recente decreto presidencial, que os afeta diretamente.
O que diz o Decreto n° 9.759?
No dia 11 de abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou uma série de decretos. Um deles, como assinalado pela equipe de Bolsonaro desde o final do ano anterior, é o Decreto n° 9.759, que trata de colegiados da administração pública (conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas ou qualquer outra denominação dada aos colegiados).
O objetivo do decreto, como colocado em seu artigo primeiro, é “extinguir e estabelecer diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração federal direta, autárquica e fundacional”.
Ele atua sobre colegiados criados por decreto, por atos normativos inferiores a decreto e atos de outro colegiado. Dessa forma, colegiados criados por lei não são afetados.
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No artigo 5º, por sua vez, está o ponto-chave da polêmica que o Decreto levanta. A extinção de Conselhos Nacionais:
“A partir de 28 de junho de 2019, ficam extintos os colegiados de que trata esse Decreto”. (Ou seja, qualquer colegiado não criado por lei)
Mesmo não afetando Conselhos Nacionais importantes que possuem uma lei que os sustente — como Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, de Meio Ambiente, de Anistia, de Saúde, de Assistência Social e de Educação — o decreto afeta um grande número de Conselhos Nacionais. Alguns dos Conselhos afetados são:
- Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), criado pelo Decreto nº 3.076, de 1999.
- Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT), criado pelo Decreto nº 3.952, de 2001.
- Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD), criado pelo Decreto nº 5.912, de 2016.
- Conselho das Relações de Trabalho (CRT), criado pela Portaria N° 2092, de 2010.
- Conselho Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), criado pelo Decreto 1.607, de 1995.
Em um levantamento organizado pela Associação Brasileira de ONGs (ABONG), são 52 órgãos, entre Conselhos e Comissões, afetados pelo Decreto 9.759. Já o número de Conselhos Nacionais e Comissões não afetados, segundo o levantamento, chega a 38.
De acordo com Bolsonaro, em video postado em seu Twitter no dia 11 de abril, no qual comenta vários decretos que assinou, seriam mais de 1000 colegiados afetados. Já para o Ministro-Chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a estimativa é de que esse número seja de 700. Pelo Twitter, o presidente justificou a medida como fonte de economia de gastos e desburocratização estatal. Não se sabe ao certo, no entanto, qual seria o valor dessa economia de gastos.
Esses Conselhos podem ser recriados?
Para que possam ser recriados e para os novos que surgirem, os Conselhos Nacionais e demais órgãos colegiados deverão seguir o artigo 6º do mesmo Decreto Nº9759, que estabelece como pré-requisitos:
- Estabelecer que reuniões com membros de estados distintos sejam realizadas por vídeo-conferência;
- Em caso de impossibilidade comprovada de reuniões por vídeo-conferência, deve estimar seus gastos e atestar recursos para isso.
- Incluir resumos das reuniões de 2018 e 2019, caso tenha sido um colegiado extinto;
- Se possuir mais de sete membros, justificar a necessidade disso;
- Manter atualizados, no site da Casa Civil, os dados sobre o colegiado, através do órgão ao qual está submetido;
- Vedar a criação de sub-colegiados por ato do colegiado.
E qual a repercussão desse decreto?
O assunto dividiu opiniões, entre apoiadores e críticos.
Entre seus apoiadores, vale destacar:
- O presidente Bolsonaro, que apontou a medida como uma forma de desburocratizar o Estado brasileiro
- Essa é a mesma linha de argumentação da Casa Civil, como trazido pelo jornal Estado de SP
“a medida visa desburocratizar os níveis de decisão, garantindo que as políticas públicas tratadas por aquele colegiado continuem sendo decididas pelo órgão sem necessidade de decisão colegiada, que deixa o processo moroso”
Já entre os contrários à medida também gerou declarações:
- A ABONG (Associação Brasileira de ONG’s), em moção, afirmou que:
O encerramento ou congelamento desses órgãos e conselhos de políticas públicas é uma medida antidemocrática e que irá impactar a sociedade por conta da falta de transparência na aplicação dos recursos públicos. As principais políticas afetadas são as de direitos humanos, igualdade racial, indígena, rural, cidades, LGBT+ e meio ambiente.
- Gleisi Hoffman, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Twitter afirmou que seu partido entrará na justiça contra o decreto:
- Outras ONGs também se manifestaram. Em nota, a Transparência Internacional diz que o governo mostrou “que não está interessado em ouvir o que a sociedade tem para dizer”.
De uma forma ou de outra o assunto está longe de terminar. Os Conselhos de que trata o Decreto serão extintos no dia 28 de junho. Estar informado é o melhor caminho para poder opinar sobre o assunto.
E você, o que pensa a respeito dos Conselhos Nacionais e do Decreto 9.759? Conte para nós nos comentários!
Fontes:
Nota da Transparência Internacional – Moção da ABONG – Lista de Conselhos e Comissões afetados pelo Decreto – Estadão (reportagem) – Nexo (O alcance do Decreto) – O Globo (criação de Conselhos por governos) – Relatório IPEA – Livro Participação Social no Brasil – Secretaria de Governo