Você já entendeu que o governo brasileiro é dividido em três níveis, mas você sabia que essa divisão também se aplica à Constituição? Pois é! Muita gente não sabe que, além da Federal, existe a Constituição Estadual.
Esse documento deve ser respeitado pelos políticos que atuam no governo do estado – como os governadores e deputados – e também pelos administradores dos municípios – como os prefeitos e vereadores. Então que tal aprender mais sobre a Constituição Estadual?
O QUE AS CONSTITUIÇÕES DEFINEM E COMO ELAS SE RELACIONAM?
A hierarquização do governo em níveis busca conferir uma maior autonomia às esferas, o que por sua vez visa a melhorar o funcionamento dos mecanismos de administração do país. Entretanto, é fundamental entender que a busca por autonomia deve respeitar a hierarquia existente entre as instâncias federal, estadual e municipal. Cada um desses níveis possui um conjunto de diretrizes (leis e princípios) que são a base para seu funcionamento. São elas a Constituição Federal, as Constituições Estaduais e, para a esfera de cada cidade, as Leis Orgânicas.
Para entender a relação entre elas, imagine que a Constituição Estadual é um condomínio de casas regidas pelo mesmo conjunto de regras de boa convivência. Assim, a casa de cada família precisaria seguir essas regras, que seriam as leis internas do condomínio. Já dentro das próprias casas, há também regras de convívio entre os moradores. Tais regras seriam como as Leis Orgânicas dos municípios. Nessa comparação, as casas são as cidades, os estados são os condomínios e o regimento geral de todos os condomínios seria a Constituição Federal. Esta, por sua vez, precisa ser respeitada em todos os níveis – até dentro da casa de cada família!
Para melhorar a compreensão da diferença jurídica desses três documentos, nós preparamos uma tabela para você.
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QUEM REDIGE UMA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL?
Os deputados estaduais são os responsáveis pela redação de uma Constituição Estadual, que deve ser aprovada pelo(a) governador(a) para passar a valer. A Constituição do Estado de Santa Catarina, por exemplo, foi promulgada em 1989 – durante o mandato do governador Pedro Ivo Campos, do antigo PMDB – e é constantemente atualizada por meio de emendas constitucionais.
Sobre esse processo de redação, a jurista Anna Cândida da Cunha Ferraz – especialista em Direito Constitucional – reforça que “toda Constituição pressupõe a existência de um Poder capaz de formulá-la, de um Poder que não é instituído por ela, mas que a institui”. Com esse trecho, Anna Cândida faz referência ao Poder Constituinte que, em uma democracia, vem do povo. Existem dois tipos de Poder Constituinte: o Originário – que é soberano e responsável pela formulação da Constituição Federal – e o Decorrente – criado pelo Poder Constituinte Originário. O Poder Constituinte dos estados é do tipo Decorrente, sendo também autônomo, mas não soberano.
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Limitações ao Poder Constituinte Estadual
Ao falar de Poder Constituinte Estadual, é importante explicar que ele também sofre limitações por parte do Constituinte Federal. Essas limitações podem ser de três tipos:
- Limitações expressas: são aquelas que estão expressamente pontuadas na Constituição Federal, ou seja, podem ser localizadas diretamente em seu texto. Elas podem ser vedatórias (que proíbem algo) ou mandatórias (que exigem algo). Um exemplo de limitação expressa vedatória é o artigo 19, inciso III, da Constituição Federal, que proíbe “à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” o ato de “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.
- Limitações implícitas: também classificadas em vedatórias e mandatórias, são as limitações que não estão diretamente no texto da Constituição Federal, mas indiretamente. Por exemplo, quando é determinado, no artigo 21, que “manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais” é de competência da União, já se exclui a possibilidade de as Unidades Federativas o fazerem. Esse é um exemplo de limitação vedatória implícita.
- Limitações decorrentes do sistema constitucional adotado: são aquelas que existem devido ao modelo de sistema constitucional adotado no Brasil e são classificadas em cinco tipos, decorrentes dos:
- Princípio federativo: que dispõe sobre a igualdade constitucional dos estados, independente de suas diferenças;
- Mesmo princípio federativo: que proíbe um estado de obrigar outra Unidade Federativa a algo; ou ainda a proibição da inclusão, em sua Constituição Estadual, de algum ponto que favoreça seu território em relação aos demais;
- Princípios do Estado Democrático de Direito: determina que os estados devem atuar conforme os princípios da legalidade e respeito à dignidade da pessoa humana;
- Princípio democrático: impõe que os estados deverão respeitar e fazer respeitar direitos fundamentais e suas garantias, os quais são estipulados em uma democracia;
- Princípios da ordem econômica e social: resulta no dever dos estados de organizar e planejar seus serviços e obras sempre respeitando a valorização do trabalho, justiça social, saúde e educação, entre outros.
No Brasil, o Poder Constituinte Estadual geralmente foi colocado em prática por meio de Assembleias Constituintes Estaduais. Isso só não aconteceu durante o período da Ditadura Militar, quando foi exigido que os estados reformulassem suas Constituições Estaduais para que elas se adaptassem à Constituição de 1967. No que diz respeito às Assembleias Constituintes Estaduais, a Constituição de 1988 deixa uma lacuna, já que não prevê a convocação desses fóruns com poderes especiais. O que aconteceu na prática foi a atribuição de poderes constituintes às Assembleias Legislativas, eleitas em 1986.
Assim, as Assembleias Legislativas formularam as Constituições Estaduais por meio dos deputados estaduais também eleitos em 1986. É interessante ressaltar que, devido ao princípio da simetria constitucional, as Constituições Estaduais redigidas por essas Assembleias acabam sendo muito similares à Federal e, consequentemente, entre si mesmas. Para você visualizar isso, preparamos mais uma tabela rápida:
Esses exemplos demonstram como os textos são parecidos, fato que se repete em diversos trechos dos documentos. Entretanto, é claro que existem diferenças entre as Constituições Estaduais, que podem abordar pontos específicos que sejam do interesse do estado em questão. Ainda fazendo uso das Constituições paulista e catarinense como exemplo, pode-se apontar que enquanto a segunda garante o “controle dos vazios urbanos” (Seção II, artigo 141, inciso I), a primeira não faz menção alguma a esses vazios.
Além disso, é importante destacar que mesmo havendo espaço para certa inovação nas Constituições Estaduais, as tentativas de mudança no formato desses documentos constantemente encaram questionamentos judiciais sobre sua validade. Essa pressão e fiscalização para que uma Constituição Estadual não contradiga de alguma forma a Federal acaba reforçando a similaridade entre os textos.
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E É ASSIM QUE FUNCIONA NO MUNDO TODO?
Não é, não. É comum que os países tratem as mesmas questões de forma diferente, o que é válido até para aqueles regidos pelo mesmo sistema de governo. Os Estados Unidos são um ótimo exemplo disso. Apesar de ser uma república federativa e presidencialista, como o Brasil, a lógica de relacionamento entre a Constituição Federal e as Estaduais é muito diferente. Mas como assim?
A Constituição Federal dos EUA é muito menor do que a brasileira. Um dos motivos para isso é o fato de as Unidades Federativas estadunidenses gozarem de uma autonomia maior em relação a diversos assuntos. Por conta disso, considera-se que por lá as Constituições Estaduais complementam extensamente a Federal, enquanto no Brasil isso se dá em um grau muito menor – afinal, a Constituição de 1988 decide sobre muita coisa, não deixando tantos espaços para complementação.
Outra divergência entre o Brasil e os EUA nesse assunto é o fato de as Constituições Estaduais norte-americanas serem muito diferentes entre si. Essas diferenças desencadeiam um forte debate interno sobre a possibilidade de reformas constitucionais para fazer com que esses documentos se pareçam mais – entre si e com a própria Constituição Federal.
Depois desse texto você conseguiu entender mais sobre as Constituições Estaduais? Elas são facilmente encontradas no site do governo do estado ou na lista na página do planalto, então vai lá dar uma checada! A gente sabe que a organização política brasileira é bem complexa, mas o Politize! te ajuda a entender tudo sobre o nosso país.
Conseguiu entender o que é uma Constituição Estadual? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!
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Referências do texto: confira aqui onde encontramos dados e informações!
Constituições estaduais do Brasil
Constituições estaduais e centralização federativa: considerações sobre o caso brasileiro
Curso de Direito Constitucional Positivo – José Afonso da Silva