A 26ª Conferência do Clima, ou COP26 (sigla em inglês para Conference of the Parties), ocorre de 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, Escócia. O evento ganha especial atenção por ser o primeiro encontro internacional sobre meio ambiente e crise climática que ocorrerá presencialmente após o início da pandemia.
A Conferência é o principal órgão decisório da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992), tratado ambiental internacional voltado à estabilização da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, intrinsicamente ligado ao Acordo de Paris (2015).
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Quais os principais temas da COP26?
São quatro as metas da COP26:
- Neutralizar as emissões de gases nocivos até a metade deste século (2050), visando limitar o aquecimento da temperatura média global em 1,5˚C. Para isso, os países precisarão apresentar metas mais ambiciosas de redução de emissões para 2030, que passem pela eliminação do carvão, pelo combate ao desmatamento, pela disseminação dos veículos elétricos e pelo incentivo aos investimentos em energias renováveis;
- Proteger as comunidades e os ecossistemas dos países afetados pelas mudanças climáticas. É necessário incentivar e capacitar esses países a restaurarem ecossistemas e a construírem proteções, sistemas de alerta, infraestrutura e agricultura resilientes que evitem a perda de moradias, de meios de subsistência e de vidas;
- Obter fundos para financiar as duas primeiras metas. Espera-se que os países desenvolvidos cumpram o aporte de pelo menos US$ 100 bilhões em financiamento climático por ano até 2020, além da liberação de trilhões em financiamentos dos setores públicos e privados através de instituições financeiras internacionais;
- Cooperação global, de modo que governos, empresas e sociedade civil acelerem suas ações e colaborem para finalizar a regulamentação do Acordo de Paris durante a COP26.
Na COP26, representantes dos 197 Estados-parte irão compartilhar dados e debater a implementação da Convenção-Quadro e demais instrumentos legais, visando a mitigação dos efeitos do aquecimento global. Cada Estado-parte apresenta suas próprias metas para redução da emissão de gases de efeito estufa e não há punição caso não sejam cumpridas. Neste ano serão propostas metas até 2030.
E a participação brasileira?
A delegação brasileira será a segunda maior da Conferência, mas o Presidente da República não comparecerá. Ainda não há confirmação da participação do Vice-Presidente Hamilton Mourão. Até então, sabe-se que três ministros de Estado farão parte da delegação brasileira: Joaquim Leite, do Meio Ambiente; Fábio Faria, das Comunicações; e Bento Albuquerque, de Minas e Energia; além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Todavia, ainda que o Brasil conte com muitos representantes, não se espera que sua participação seja de grande relevância. Isso porque o atual governo federal tem sido duramente criticado no campo das políticas ambientais, inclusive internacionalmente.
Atos como a reestruturação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) para reduzir a participação da sociedade civil de 22 para 4 assentos, o comprometimento do Fundo Amazônia e o descrédito quanto aos dados sobre o aumento do desmatamento no Brasil divulgado pelo INPE em 2019, entre outros, motivaram especialistas em direito internacional a protocolar diversas denúncias contra o Presidente Jair Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional (TPI), sendo que a comunicação feita pelo Coletivo Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e pela Comissão Arns foi recebida e está formalmente sob avaliação preliminar da jurisdição.
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Os últimos números de monitoramento do desmatamento da floresta amazônica por satélite indicam uma diminuição significativa da cobertura florestal da Amazônia. Especialistas concordam que no caso do Brasil, a emissão dos gases do efeito estufa está diretamente associada ao desmatamento, de forma que o aumento dos desmatamentos contribuiu diretamente para que as emissões brasileiras de gases de efeito estufa crescessem 9,5% em 2020, enquanto no resto do mundo foram reduzidas para 7%.
Em fato, a agenda da administração federal contraria não apenas conservacionistas e populações tradicionais, mas também as grandes empresas e o mercado financeiro, atualmente voltados à adequação de métricas de governança ambiental, social e corporativa (ESG). Os altos índices de desmatamento e queimadas, sem uma política efetiva de controle ou metas reais para mitigação dos efeitos climáticos, classificam o Brasil, em avaliações nacionais e internacionais, como uma economia vulnerável, o que gera instabilidade no mercado e afasta investimentos.
Diante desse quadro, e considerando que as metas de redução de desmatamento e de emissão de gases de efeito estufa anunciadas pelo governo federal e consignadas no Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) não foram cumpridas, prevê-se que o governo federal brasileiro não terá aporte relevante na Conferência.
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Então, o que podemos esperar da COP26?
Em paralelo à atuação federal, entidades do agronegócio, organizações da sociedade civil, grandes empresas, cientistas e povos indígenas marcarão presença nas mesas de negociação da COP26 com pleitos e considerações próprias. Algumas pautas que serão levantadas são: regulamentação do mercado de carbono; uso do etanol como combustível; combate ao desmatamento; combate à violência no campo; marco temporal indígena; papel das comunidades indígenas na preservação da cobertura florestal no Brasil.
Exemplo de atuação não-estatal é a da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, um grupo multisetorial composto por companhias líderes nos segmentos de madeira, cosméticos, siderurgia, papel e celulose, que produziu um relatório com recomendações para a COP26. Em linhas gerais, o texto tem cinco indicações principais:
- Aumentar as ambições e metas dos países, considerando que os atuais compromissos são insuficientes para conter o aumento da temperatura do planeta até o final do século;
- Regulamentar os mercados de carbono;
- Valorizar os ecossistemas e as soluções baseadas na natureza, com vistas à recuperação das florestas e dos demais recursos naturais;
- Viabilizar um modelo econômico que permita o desenvolvimento das atividades de forma mais sustentável;
- Amparar as comunidades vulneráveis, considerando as assimetrias existentes.
Ainda, espera-se grande participação dos indígenas na COP26, em consonância com a postura de diversas empresas, ONGs e cientistas no que diz respeito à importância de incorporar as comunidades tradicionais na discussão sobre clima e natureza.
Os povos indígenas da Amazônia estarão organizados em uma delegação própria e objetivam falar em seu nome sobre justiça climática e sobre a forma de aplicação dos financiamentos internacionais recebidos pelo Brasil. Pretendem, ainda, a condenação internacional do Presidente da República por sua postura ofensiva contra as reservas indígenas e comunidades tradicionais.
É consenso entre sociedade civil, empresas e povos indígenas que o desenvolvimento econômico do Brasil passa necessariamente pelo combate ao desmatamento e pelo conceito de justiça climática, uma conexão entre direitos humanos e mudanças climáticas. Destaca-se, também, a importância da valorização dos ecossistemas, que, de um lado, propiciam a manutenção da biodiversidade em todos os serviços ecossistêmicos, e, de outro, representam o papel que as florestas e os biomas brasileiros exercem na captura de carbono.
Para que o Brasil dê vazão à primeira meta da COP26 e aumente sua ambição na mitigação dos efeitos climáticos, é preciso que a redução da emissão de gases de efeito estufa e que as ações sociais que ultrapassam a descarbonização se concretizem e contem com a participação de todos. De acordo com o último relatório do IPCC (AR6 2021) e nos termos das metas delineadas pela COP26, somente com a cooperação de governo, sociedade civil, empresas, mercado financeiro e comunidades indígenas e tradicionais poder-se-á construir uma economia socialmente justa, economicamente viável e ambientalmente resiliente.
REFERÊNCIAS
UNITED NATIONS CLIMATE CHANGE. Conference of the Parties (COP)
UN CLIMATE CHANGE CONFERENCE UF 2021. What do we need to achieve at COP26?
IPCC. AR6 Synthesis Report: Climate Change 2022
ESTEVES, Bernardo. O Meio Ambiente como Estorvo
PRIZIBISCZKI, Cristiane. Desmatamento na Amazônia em setembro chega perto de 1000 km2, aponta INPE
BREDA, Tadeu. Bolsonaro Genocida. São Paulo: Elefante, 2021.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Decreto nº 9.806/2019
AZEVEDO, Ana Lucia. Fim do Fundo Amazônia pode acelerar desmatamento
Após embate com Bolsonaro sobre desmatamento, diretor do INPE anuncia exoneração
ONG denuncia Bolsonaro a tribunal internacional por ‘crimes contra a humanidade’
OBSERVAÇÃO DA TERRA. Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite
OBSERVATÓRIO DO CLIMA. Na contramão do mundo, Brasil aumentou emissões em plena pandemia
BARROS, Tadeu. O ESG cruzou a fronteira do setor privado
GOVERNO FEDERAL. Plano Nacional sobre Mudança de Clima – PNMC
VALOR ECONÔMICO. Brasil rumo à COP 26: Recomendações e próximos passos
VIALII, Andrea. Povos indígenas vão defender justiça climática
LOUBACK, Andréia Coutinho. O paradoxo da justiça climática no Brasil: o que é e para quem?
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