A crise econômica na Argentina no início dos anos 2000 marcou profundamente o país, afetando toda sua sociedade. O “corralito” foi uma medida governamental drástica que restringia o acesso da população ao próprio dinheiro depositado em bancos.
Neste texto, a Politize! explora em detalhes desse período histórico, explicando o que foi o corralito e destacando os impactos na sociedade argentina, e por fim apresenta filmes e documentários que retratam esse momento.
Contexto histórico do corralito
A Argentina vivia um dos momentos mais críticos de sua história, marcada por uma economia fortemente dolarizada e em profundo desequilíbrio. O governo enfrentava uma crescente fuga de capitais, um processo em que investidores estrangeiros retiravam seus recursos do país, o que tornava a situação financeira ainda mais instável.
Para lidar com essa crise, o presidente Fernando de la Rúa e seu ministro da Economia, Domingo Cavallo, implementaram um bloqueio bancário que ficou conhecido como “corralito”, um ato que selou o destino de seu governo.
Em 3 de dezembro de 2001, cerca de 70 bilhões de dólares em depósitos de poupadores foram congelados nos bancos, uma medida drástica adotada por De la Rúa. O congelamento foi uma reação desesperada à intensa retirada de fundos, que, até aquele momento, resultou em uma perda de 22 milhões de dólares em menos de três meses.
Saiba sobre a situação recente da Argentina nesse texto: Eleições na Argentina: saiba como foi a corrida presidencial de 2023
Com o dinheiro em espécie escasso, as agências bancárias começaram a registrar longas filas e ampliaram seu horário de funcionamento para atender à população ansiosa. Em meio a uma onda de protestos populares, muitos argentinos passaram a atacar os bancos na tentativa de recuperar seu dinheiro à força.
A repressão aos protestos foi brutal, marcada por uma abordagem violenta que incluía o uso de armas de fogo e truculência. Um dos registros mais impactantes desse período mostra agentes montados em cavalos avançando contra as Mães da Praça de Maio, uma associação de mães de desaparecidos durante a ditadura argentina.
Segundo a Secretaria de Direitos Humanos, essa repressão resultou na morte de 39 pessoas. Manifestantes chegaram a invadir e incendiar o Palácio do Congresso, simbolizando a revolta da população contra a situação insustentável.
A violência resultante da repressão levou Fernando de la Rúa a renunciar e a abandonar a Casa Rosada, a sede do governo argentino, em um helicóptero, em uma cena que simbolizou o colapso de seu mandato.
Sem um vice-presidente — Carlos “Chacho” Álvarez, que havia sido eleito junto com De la Rúa em 1999, havia renunciado um ano antes — o sucessor natural foi o presidente do Senado, o peronista Ramón Puerta.
Veja mais: Como funciona o Governo na Argentina?
Nos bairros, supermercados foram esvaziados, enquanto os proprietários observavam a destruição de seus estabelecimentos. Esse cenário caótico refletiu a profunda impotência e frustração de uma sociedade que se sentia traída e sem alternativas diante da crise.
Em meio a essa atmosfera de violência e desespero, ações judiciais foram movidas na tentativa de recuperar os fundos congelados, refletindo a indignação generalizada da população diante da crise e a busca desesperada por justiça e reparação.
Consequências do corralito
O caos vivido em 2001 deixou marcas profundas na população argentina. Muitos argentinos sofreram sérios problemas de saúde como resultado da crise.
Em uma reportagem de janeiro de 2002, o jornal La Nación destacou que, além dos casos de enfarto, consultórios médicos estavam sendo inundados por pessoas que apresentavam sintomas relacionados ao impacto emocional da situação.
Entre esses sintomas, estavam problemas digestivos e de pele, tremores, enxaquecas, insônia, tontura e depressão. Essa onda de enfermidades refletia o profundo estresse e a angústia que a população enfrentava em meio a uma das crises mais devastadoras da história do país.
Segundo Haines e Cunha (2008), uma das consequências econômicas e sociais desse período foi uma mudança no perfil socioeconômico da população. Em pouco mais de uma década, a Argentina passou de um país com alta homogeneidade social para um novo perfil marcado por uma crescente concentração de renda, mais alinhado com a realidade média da América Latina.
Entenda mais sobre: Crise na Argentina: o que está acontecendo com a economia do país?
Essa transformação evidencia as profundas desigualdades que emergiram e perduraram desde então, refletindo um cenário de vulnerabilidade e instabilidade social.
A crise de 2001 tornou-se um marco essencial para compreender a realidade argentina atual. Isso porque ela foi marcada por uma drástica retração econômica, uma profunda desconfiança na classe política, um colapso moral e institucional num país que sempre se viu como o líder da América Latina.
Essa experiência traumática não apenas moldou a trajetória econômica do país, mas também deixou um legado de desconfiança e instabilidade que continua a influenciar o cenário político e social da Argentina.
Filmes e documentários que retratam o corralito
O “corralito” inspirou diversos filmes e documentários que abordam os efeitos devastadores da crise econômica argentina sobre a população, especialmente os que perderam acesso a suas poupanças. Alguns dos filmes que tratam desse tema:
- Esperando ao Messias (2000) – dirigido por Daniel Burman, o filme se ambienta em 1999, retratando a Argentina às vésperas da crise de 2001, que resultaria na renúncia do então presidente Fernando de la Rúa e em uma drástica desvalorização do peso. A narrativa acompanha Ariel (Daniel Hendler), um jovem da numerosa comunidade judaica de Buenos Aires, universo recorrente nas obras do cineasta Daniel Burman, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2004. Por meio dos olhos de Ariel, o filme captura os sinais sutis de uma crise iminente, proporcionando um olhar íntimo e particular sobre uma sociedade à beira de um colapso econômico e social.
- Memoria del Saqueo (2004) – Este documentário de Fernando Solanas examina a crise financeira e a corrupção política na Argentina nas décadas de 1990 e 2000, cobrindo os eventos que levaram ao “corralito”. Solanas oferece um olhar crítico sobre a gestão política e as consequências sociais, retratando o impacto na vida dos argentinos.
- A Odisseia dos Tontos (2019) – dirigido por Sebastián Borensztein é um dos filmes mais emblemáticos sobre o impacto do “corralito” na Argentina. Com Ricardo Darín, Luis Brandoni e Verónica Llinás, a história detalha a iniciativa de alguns habitantes do povoado de Villa Alsina, na província de Buenos Aires, que decide retomar uma cooperativa falida há mais de 10 anos. Juntam quase todas as suas economias e as depositam num banco. Porém, quando veem que a crise de 2001 ia ganhando corpo, decidem retirar a quantia, mas já era tarde demais. O filme usa o humor e a solidariedade dos personagens para construir uma narrativa de vingança contra as injustiças econômicas, oferecendo uma crítica social que reflete o sentimento de desespero e traição vivido por muitos argentinos.
- Dezembro, 2001 (2023) – dirigido por Benjamín Ávila, o filme retrata os bastidores do poder, as tramas, intrigas e reviravoltas que ocorrem ao redor do então presidente Fernando de la Rúa, que ao final desse processo acaba abandonando o poder, a Casa Rosada e a Argentina a bordo de um helicóptero. O filme retrata com fidelidade cenas emblemáticas daquela época, como os intensos panelaços, saques a estabelecimentos comerciais e vidraças de bancos quebradas em protesto. Também estão presentes as manifestações dos “piqueteros” e imagens de uma Buenos Aires que, em meio ao caos das ruas.
E aí, gostou de conhecer mais sobre o corralito na Argentina? Deixe seus comentários! Agora que você sabe mais sobre esse assunto divulgue à amigos/as e familiares.
Referências
CNN Brasil – No aniversário de 20 anos do corralito, crise econômica ainda castiga argentinos
El País – Argentina se afasta do fantasma do corralito, que completa 15 anos
HAINES, Andrés Ernesto Ferrari; CUNHA, André Moreira. As origens da crise argentina: uma sugestão de interpretação. Revista Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, n. 33, p. 219-252, ago. 2008. http://hdl.handle.net/10183/96950
G1 –Dez anos atrás, a Argentina se afundava em um ‘corralito’
La Esquierda Diário – Historia reciente. A 20 años del 2001: ¿qué fue el “corralito” bancario?
My News Jornalismo Independente – 5 filmes e séries para entender as crises Argentinas
Poder 360 – Na Argentina, Corralito completa 20 anos sob temores de nova crise cambial