Ultimamente, muito se fala na crise das instituições e da democracia. A governabilidade estaria prejudicada em diversos países? Para que possamos avaliar se ela passa por situações de desgaste, é preciso entender o conceito e os desafios que a afetam.
Por isso, esta publicação tem o intuito de explicar a origem do conceito de governabilidade, as medidas adotadas para a sua manutenção, os desafios enfrentados pelos governos e os casos mais recentes de problemas ao redor do mundo. Saiba mais sobre essas e outras questões logo abaixo!
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Origem do conceito de governabilidade
O conceito de governabilidade está intimamente ligado à capacidade que um governo possui de exercer suas funções e manter-se no poder de modo efetivo e eficiente, sem prejuízos à execução das políticas públicas e à continuidade das instituições. Com isso, ele pode tomar suas decisões e executá-las em um ambiente de estabilidade política e institucional.
A origem do termo data da década de 1970, durante a crise do “Welfare State” (Estado de Bem-Estar Social). Giovanni Sartori, cientista político italiano, definiu o conceito em seu livro “Democracia e Definições”, de 1976.
Segundo o autor, há três fatores cruciais para a sustentação da governabilidade: a capacidade do governo de tomar decisões e implementá-las, a capacidade de manter a estabilidade política e a capacidade de responder às demandas sociais.
A partir destas definições e dos fatores que a compõem, é possível avaliar os desafios que um determinado governo enfrenta para preservar um grau adequado de governabilidade e implementar medidas visando à sua manutenção, inclusive dentro de um regime de governo democrático.
Medidas para manter a governabilidade
Os governos possuem diversas ferramentas para atingir uma maior governabilidade. As principais delas serão tratadas a seguir: agir com transparência; fomentar a participação popular; implementar políticas públicas de inclusão social; combater a corrupção; manter a estabilidade econômica; fortalecer as instituições políticas.
A transparência é um modo de permitir acesso às informações e às medidas adotadas por um governo. Ela possibilita uma melhor prestação de contas à sociedade, gerando mais confiança da população perante as ações de um governo.
Por sua vez, a participação popular propicia uma atuação ativa da sociedade civil na tomada de decisões e no acompanhamento da execução de políticas públicas. Isso pode estimular a democracia e conduzir as atividades do Estado às ações que realmente impactam nas demandas e necessidades da população.
As desigualdades sociais, por outro lado, podem servir de estopim para manifestações populares e para a perda da credibilidade dos governos. Criar ou aprimorar políticas, com mais inclusão social e redução das desigualdades, são meios de melhorar a estabilidade política e trazer maior legitimidade a um governo.
O combate à corrupção também eleva a confiança da população, além de tornar as políticas públicas mais efetivas. Não basta ser transparente, é necessário punir aqueles que desviam os recursos públicos para satisfazerem seus interesses pessoais
Crises econômicas prejudicam a capacidade do Estado de prover recursos para atender às demandas da sociedade. Isso gera instabilidade política e social. As decisões de cada governo devem permitir avanços na economia e, assim, melhorar a solidez das instituições financeiras.
O fortalecimento das instituições políticas pode ser realizado com a implementação de um sistema judiciário independente e eficiente, com a execução de controles efetivos sobre o governo (Tribunais de Contas, Ministérios Públicos, etc), com a harmonia entre poderes preservada, com a garantia dos direitos civis e políticos dos cidadãos e com a promoção da liberdade de imprensa.
Em resumo, para garantir a governabilidade, o Estado deve adotar medidas que visem fortalecer a efetividade, a estabilidade e a legitimidade do governo, promovendo a transparência, a participação cidadã, a inclusão social, o combate à corrupção, a estabilidade econômica e o fortalecimento das instituições políticas.
Principais desafios para a governabilidade
A governabilidade é um conceito em constante mudança, tendo em vista os diversos desafios que afetam a sociedade. As mudanças sociais, econômicas e políticas reforçam a necessidade de constante aperfeiçoamento da governabilidade.
Dentre os desafios da governabilidade, destacam-se a crise de confiança nas instituições políticas, a polarização política, as desigualdades sociais e econômicas, a corrupção, a pressão de grupos de interesse, as crises econômicas e os desafios globais.
A confiança nas instituições políticas tem caído nos últimos anos. Um estudo publicado pela Gallup em 2022 indicou que houve uma redução na confiança dos americanos em suas instituições políticas. Esse desafio compromete a legitimidade do governo e sua capacidade de dar continuidade às atividades por ele planejadas.
A polarização política também cria um ambiente adverso. O debate deixa de ser organizado para a melhoria dos problemas da sociedade e passa a ser uma mera disputa antagônica e sem produtividade. Em âmbito mundial, há uma onda de ascenção de posições políticas mais extremistas – a extrema esquerda e extrema direita.
Nota-se que tais condutas se alimentam da desordem causada pela pandemia, pela guerra na Ucrânia e poroutros fatores, além de pouco contribuiu para a melhora do cenário global. Por isso, o efeito da polarização é simplesmente uma paralisia no Estado, devendo ser combatida pela sociedade, por meio da cobrança de ações efetivas dos políticos, e não apenas de posts agressivos nas redes para ganhar views e likes.
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As desigualdades sociais e econômicas geram aflição social e descrédito nas ações dos governos. São meios de redução da inclusão social. As pessoas atingidas não acreditam que as políticas públicas possam melhorar sua condição de vida. O governo deve agir de modo direto e efetivo para mudar essas realidades por meio de políticas públicas inclusivas.
A corrupção somada à impunidade geram a sensação de que a lei não se aplica a todos de modo igual. Além disso, recursos desviados comprometem a resolução dos problemas da sociedade. A imagem do governo e das instituições é descreditada. Por isso, o combate à corrupção deve fazer parte dos valores observados pelo governo.
Os grupos de interesses também podem afetar a governalbilidade. Essas organizações têm certo poder para influenciar na tomada de decisões dos governos, seja porque são grandes empresas, as quais movimentam uma grande parte do mercado nacional, seja porque são entidades com muitos representantes, tais como sindicatos, organizações sociais, etc.
Há também grupos que estão bem próximos aos agentes políticos, tais como servidores públicos ou empresários que financiaram suas campanhas, que podem se utilizar de sua influência para atender a seus próprios interesses particulares, em detrimento dos interesses da coletividade. Se um governo não equilibra os interesses dos diversos grupos, podem surgir conflitos que afetam sua capacidade de governar.
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Quanto aos desafios globais, os mais significativos da última década são as mudanças climáticas, o terrorismo, a pandemia do novo coronavírus e a crise dos refugiados. Isso exige uma maior colaboração entre os países e uma implementação de políticas públicas a nível global.
Por fim, as crises e dificuldades econômicas também comprometem a governabilidade. Com menos recursos públicos, não é possível atingir um nível adequado de políticas públicas, o que gera um maior descontentamento social e instabilidade política.
O que é a governabilidade democrática?
No ambiente democrático, os desafios da governabilidade são ainda maiores. Na democracia, não basta apenas adotar as políticas públicas que o governo deseja. Essas políticas devem estar de acordo com os interesses da sociedade e devem atender às suas demandas e anseios.
Neste contexto, a participação popular se faz mais do que necessária. É preciso que a população tenha um papel mais ativo na tomada de decisões. Isso pode ocorrer por meio de audiências públicas, consultas, plebiscitos, referendos, orçamento participativo e iniciativas populares.
Para que a atuação seja mais concreta, é preciso que haja transparência, inclusive, para o exercício do controle social (controle da população). Deve-se permitir um acesso de forma clara e objetiva às ações que têm sido feitas, às decisões que são tomadas e aos objetivos que nortearão as medidas do governo.
O governo também deve prestar contas das suas ações de forma transparente e periódica. Neste caso, devem ser utilizados mecanismos como o controle social, a liberdade de imprensa e a atuação dos Ministérios Públicos e Tribunais de Contas.
A governabilidade democrática também depende do respeito dos direitos e liberdades fundamentais e do fortalecimento de políticas públicas voltadas a estas demandas, em especial, quanto ao acesso à saúde, educação, segurança, moradia, dentre outros direitos básicos essenciais.
Exemplos atuais de problemas de governabilidade no mundo
Problemas de governabilidade já afetaram diversos países em épocas distintas da história. O império Romano é um exemplo clássico de como a falta de cuidado com a governabilidade pode gerar a dissolução de um poderoso governo. Atualmente, podemos destacar os casos de Venezuela, Brasil, Estados Unidos e Reino Unido.
Na Venezuela, o modelo político adotado nas últimas décadas e a crise econômica resultante da queda nos preços do petróleo (principal fonte de recursos para o país) levaram a uma grave crise humanitária, com falta de alimentos, medicamentos e serviços básicos, causando um aumento no número de refugiados. O governo, ao invés de buscar soluções de modo conjunto, adotou medidas de repressão, às quais instigaram ainda mais a polarização política.
No Brasil, primeiramente, temos a perda de confiança no governo da presidente Dilma Rousseff, devido aos escândalos de corrupção, às divergências políticas e à recessão econômica, o que levou ao impeachment da presidente em 2016.
Logo em seguida, no governo do presidente Jair Bolsonaro, a conduta de minar as instituições, principalment o Supremo Tribunal Federal (STF), e as críticas relacionadas às políticas ambientais, resultaram em maior polarização da sociedade e o aumento das pressões internacionais e de boicotes comerciais.
Nos Estados Unidos, foi a vez do governo do presidente Donald Trump enfrentar problemas de governabilidade. Um dos pontos polêmicos foi a investigação sobre possível interferência do governo russo nas eleições de 2016.
Outro ponto bastante complexo, a pandemia de COVID-19 demonstrou os problemas no sistema de saúde e seguridade social dos EUA, causando críticas ao governo. Por fim, os conflitos com a mídia e a oposição também afetaram sua governabilidade.
Já no Reino Unido, o chamado Brexit, saída do bloco econômico da União Europeia, criou uma grande instabilidade política e econômica na região. Não houve unanimidade por parte da população, embora a maioria tenha votado a favor da saída da UE. A pandemia só veio para gerar um aumento na insatisfação popular.
Veja que os exemplos demonstram que as dificuldades na governabilidade não são uma exclusividade de uma democracia ou de países com governos presidencialistas. A governabilidade deve ser trabalhada em todos os governos, caso contrário, há uma perda significativa do interesse popular e da construção de políticas públicas efetivas.
Você sabia?
- No Brasil, para tratar de transparência, foram criados os Portais de Transparência, os sítios eletrônicos dos órgãos públicos (websites), os serviços de informação ao cidadão (SIC), dentre outros;
- As audiências públicas, quando abertas para questionamentos e perguntas dos cidadãos, a implementação do orçamento participativo, as ouvidorias e os portais como o e-Democracia, são ferramentas de participação popular;
- As Leis Anticorrupção e de Improbidade Administrativa são úteis para definir penas no âmbito administrativo;
- Muitos órgãos têm adotado códigos de ética e programas de integridade para melhorar sua prestação de serviços ao cidadão.
Você conseguiu compreender o conceito de governabilidade? Viu como é importante manter um nível adequado de governabilidade? Mande-nos sua opinião pelos comentários logo abaixo.
Referências:
- Asmetro-SI – Governabilidade do presidente: condições e pressupostos;
- Banco Mundial – Governance and Development;
- DAHL, Robert A. Democracy and its Critics. Yale university press, 2008;
- LINZ, Juan J. The perils of presidentialism. Journal of democracy, v. 1, n. 1, p. 51-69, 1990;
- MediaTalks (Uol) – Confiança de americanos em instituições despenca, revela pesquisa Gallup;
- ONU – Principles of effective governance for sustainable development;
- UOL – A face positiva da polarização política.