A cultura como política pública

Publicado em:
Compartilhe este conteúdo!
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

Quando pensamos em cultura, logo surgem diversas relações em nossa mente: a cultura como belas artes (música, teatro, cinema, dança), modos de vida e costumes regionais ou nacionais, patrimônio histórico. Também vem à mente a ideia da pessoa culta: aquele indivíduo que detém amplo conhecimento sobre variados assuntos.

De fato, todos esses aspectos – e muitos outros – fazem parte do que se entende por cultura. São símbolos passados de geração em geração e incorporados aos costumes dos grupos sociais, cada qual a seu modo.

A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura) formulou a seguinte definição de cultura:

[…] o complexo integral de distintos traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam uma sociedade ou grupo social. Ela inclui não apenas as artes e as letras, mas também modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, sistemas de valores, tradições e crenças. (UNESCO, 1982, p.1).

Nesse sentido, a cultura pode ser vista por variados ângulos pois é um conceito amplo e que abrange diversos significados. No tópico abaixo, vamos tratar de um deles: a cultura como política pública, inserida na perspectiva cidadã.

CULTURA COMO DIREITO E CIDADANIA E CULTURA COMO POLÍTICA PÚBLICA

Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Foto: Marcelo Pereto.

Desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), concebe-se a cultura como um direito a ser preservado. Desse modo, observa-se que a cultura é discutida a nível supranacional, como pode ser visto através de organizações e documentos internacionais.

Em 2004, foi elaborado um documento chamado Agenda 21 da Cultura, visando o comprometimento dos governos locais no que diz respeito ao desenvolvimento cultural e assim formular políticas públicas de cultura. O foco da Agenda 21 é a descentralização de tais políticas e de seus recursos. O documento traz a recomendação de que as nações destinem no mínimo 1% de seu orçamento nacional para a cultura. Ademais, dá-se prioridade aos setores considerados com grande vulnerabilidade social e econômica.

Houve também a realização de conferências e fóruns internacionais a respeito do tema, organizados pela UNESCO. Além disso, a ONU, no Relatório de Desenvolvimento Humano de 2004, inclui o acesso à cultura como um importante indicador na avaliação da qualidade de vida das sociedades.

Em âmbito nacional, a Constituição de 1988 afirma: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Desse modo, todo cidadão brasileiro deve ter direito à cultura.

Aproximadamente trinta anos após este artigo ser inserido na Constituição, a cultura está disponível para quem? Será para aqueles com baixo recursos financeiros? Ou para cidades do interior fora dos grandes eixos de produção cultural? E os portadores de deficiência, conseguem visitar teatros, museus e centros históricos sem estrutura adaptada? Todas as formas culturais possuem seu espaço?

Sabemos que muitas vezes a resposta a essas questões é não. Por essa razão, é primordial se falar em cidadania cultural e na democratização do acesso à cultura em todas as suas dimensões, sem preconceitos. Seja erudita ou popular, belas artes ou não, a cultura precisa ter espaço para se manifestar em suas diferentes formas.

Logo, todos, sem distinção devem ter seus direitos culturais preservados e garantidos institucionalmente. Nesse sentido, é imprescindível valorizar e divulgar a nossa cultura e as culturas com que nos identificamos, mas acima de tudo respeitar aquelas que nos parecem diferentes.

Leia também: qual o papel do poder público municipal em relação à cultura?

O QUE SÃO POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS?

Manuel Bandeira (3º esquerda para direita em pé), Alceu Amoroso Lima (5ª posição) e Hélder Câmara (7ª) e sentados (esquerda para direita), Lourenço Filho, Roquette Pinto e Gustavo Capanema. Rio de Janeiro, 1936. Foto: CPDOC.

A partir do que foi apresentado até aqui, o que significa, afinal, “ter cultura”? Se já construímos relações culturais em nosso cotidiano, por que é preciso que haja garantias institucionais nessa área? Ou seja, qual a necessidade de leis e políticas públicas para a cultura?

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que é a sociedade que produz cultura. O Estado possui outro papel: o de estabelecer mecanismos de preservação e incentivo cultural, o que significa dispor de recursos e instrumentos criados com a participação da sociedade como um todo.

Podemos aqui mencionar a França, vista como o berço das políticas culturais e o primeiro país a criar um ministério exclusivo para o setor, o Ministère des Affaires Culturelles, criado em 1959. (VASCONCELOS-OLIVEIRA, 2016; NIVON BOLAN, 2006).

No caso do Brasil, o percurso das ações culturais públicas iniciou-se na década de 1930, durante a Era Vargas. Nesse período, o objetivo era construir um sentimento de “brasilidade”, isto é, exaltar o que é tipicamente brasileiro. Para isso, foram fundadas instituições como o Conselho Nacional de Cultura e o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).

No entanto, até então, cabia ao Ministério da Educação e Saúde (MES) a responsabilidade de gerir a área cultural. Somente em 1953 este ministério se desfaz, surgindo então o Ministério da Educação e Cultura, sob a gestão de Gustavo Capanema.

Embora a criação de um ministério com estrutura voltada à cultura tenha sido um avanço, foram poucas as ações do Estado na área, cabendo à iniciativa privada a maior parte das realizações no campo cultural.

No período seguinte, durante o regime militar, despontou-se a ideia de elaboração de um Plano Nacional de Cultura (1975). Porém, devido ao contexto político da época, logo a proposta foi desfeita e o Plano não chegou a ser aprovado.

Passada a ditadura, com a redemocratização, finalmente criou-se o Ministério da Cultura (MinC), exclusivamente dedicado ao setor cultural. Contudo, a gestão da área continuou a ser tímida, e o MinC foi desfeito em 1990, no governo Collor. Após dois anos, foi refeito. Porém, sofreu com incessantes trocas de ministros, o que revelava a instabilidade da área.

No fim do século XX e início do século XXI, observa-se que a cultura adquire uma maior estabilidade e há avanços como, por exemplo, a criação de leis de incentivo fiscal.

Outro ponto primordial que merece destaque é a formulação do Plano Nacional de Cultura (Lei 12.343/2010), que permite a continuidade de políticas culturais institucionalizadas de forma plurianual. Dessa forma, independentemente das mudanças no governo, o plano deve ser implementado e avaliado ao longo de dez anos. Trata-se de uma garantia constitucional (Emenda Constitucional Nº48/2005).

Nesse sentido, para que o Plano Nacional de Cultura seja colocado em prática, foi criado o Sistema Nacional de Cultura (SNC), composto por: Órgão Gestor de Cultura, Conselho de Política Cultural, Conferência de Cultura, Plano de Cultura, Sistema de Financiamento à Cultura, Sistema Setoriais de Cultura, Programa de Formação Cultural, Sistema de Informações e Indicadores Culturais, além da Comissão de Intergestores (nível federal e estadual). Essa organização sistêmica possibilita a articulação entre Estado, sociedade civil e representantes das áreas culturais.

Além disso, ao olhar para as políticas culturais, é importante ressaltar dois elementos: a política de eventos culturais e a política cultural stricto sensu. E qual é a diferença? A política de eventos se refere a ações pontuais e específicas de produções culturais, como prêmios, bolsas e festivais por exemplo. Por outro lado, estas ações podem ocorrer de modo descontínuo e é aqui que se insere a política cultural stricto sensu. Estas visam criar e incentivar os meios para que as atividades culturais se desenvolvam e assim proporcionem o acesso aos bens culturais por todos os indivíduos. Assim, as duas formas se complementam (BARBOSA DA SILVA, 2007).

Tendo em vista o que foi apresentado até aqui, observa-se que gradativamente o campo das políticas culturais vem crescendo no Brasil e no mundo. Contudo, ainda é uma área que precisa de maior atenção, a exemplo da extinção-relâmpago do Ministério da Cultura em 2016, quando da instalação do governo de Michel Temer. Em suma, essas idas e vindas nas ações culturais e no MinC são muito prejudiciais, já que obstruem o desenvolvimento pleno das políticas culturais como um todo.

E você, o que pensa sobre a cultura como política pública? Deixa sua opinião nos comentários!

Referências

Frederico A. Barbosa da Silva: “Política Cultural no Brasil, 2002-2006: acompanhamento e análise” (2007) – Eduardo Nivon Bolan: “La política cultural: temas, problemas y oportunidades” (2006) – ONU: “Relatório do Desenvolvimento Humano 2004: Liberdade Cultural num mundo diversificado” (2004) – UNESCO: “World conference on cultural policies” (1982) – Maria Carolina Vasconcelos Oliveira: “Cultura e Estado” (2016)

WhatsApp Icon

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este conteúdo!

ASSINE NOSSO BOLETIM SEMANAL

Seus dados estão protegidos de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

FORTALEÇA A DEMOCRACIA E FIQUE POR DENTRO DE TODOS OS ASSUNTOS SOBRE POLÍTICA!

Conteúdo escrito por:
Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Cientista social formada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Realiza pesquisa na área de políticas públicas, em especial sobre políticas culturais, pois acredita que são muitos os benefícios que o incentivo e a preservação da cultura pode proporcionar à sociedade.
Chedid, Samira. A cultura como política pública. Politize!, 15 de maio, 2017
Disponível em: https://www.politize.com.br/cultura-como-politica-publica/.
Acesso em: 20 de nov, 2024.

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo