Você sabe as diferenças entre cultura material e imaterial? Bom, provavelmente já deve ter lido por aí ou ouvido falar sobre patrimônio cultural. Às vezes fazendo uma viagem ou caminhando em sua cidade, com certeza você já se deparou com artefatos materiais (monumentos, construções, estátuas, etc.) que são considerados por lei um patrimônio.
Mas você sabia que um patrimônio não precisa ser físico? Ou seja, ele não precisa ser um artefato concreto construído, podendo ser, também, uma expressão ou prática cultural. Chega mais que a Politize! te explica as definições de patrimônio cultural material e imaterial e como que o conceito de cultura tá relacionado com tudo isso!
Cultura material e imaterial
Para entendermos melhor as diferenças entre cultura material e imaterial façamos uma regressão: recentemente o passinho carioca ganhou um projeto de lei que o prevê como patrimônio cultural imaterial do Rio de Janeiro. O projeto sancionado em março de 2024 foi encabeçado pela deputada estadual Verônica Lima (PT) e gerou uma série de debates nas redes sociais.
A deputada, em nota, destacou que, colocar o passinho como patrimônio, é dar destaque para esse movimento cultural, contribuindo com a desmarginalização do funk e de outras formas de expressão artística da periferia.
A origem do conceito de cultura e patrimônio cultural
Muitos são os desdobramentos pelos quais a definição de cultura material e imaterial passa. Se nos atentarmos ao pensamento antropológico moderno, veremos que o conceito de cultura é sempre relativo. O que é cultura – ou um bem cultural – para determinada sociedade, para outra, pode muito bem não ser nada.
De acordo com o antropólogo Roque de Barros Laraia, as culturas são sistemas de entendimentos que modelam a vida das comunidades, seja através de tecnologias, meios de organização econômica, padrões de estabelecimento, crenças, símbolos, organização política etc.
Portanto, cada sociedade desenvolve uma forma de lidar e tratar sua cultura no plano dos costumes, simbólico e institucional. No caso brasileiro, o artigo 216 da Constituição Federal de 1988 diz o seguinte:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: l. as formas de expressão; ll. os modos de criar, fazer e viver; lll. As criações científicas, artísticas e tecnológicas; lV. As obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológicos (BRASIL. Constituição, 1988).
Assim, caracteriza-se por cultura aquilo que possuí certa significância para determinada comunidade local. No sentido de tornar isso um “bem legal”, surge a pungência da denominação “patrimônio”. O historiador Rodrigo Christofoletti define patrimônio cultural como uma variedade de bens culturais que atendem a funções e usos, narrativas que transitam entre a tradição e o moderno, identidade local/nacional e, principalmente, o princípio regionalizante de pertença.
Inclusive, a Politize! possui um ótimo artigo que aborda com maior detalhe as diferenças entre patrimônio e cultura material e imaterial.
A problemática das culturas
Como vimos, a problemática da cultura (não somente cultura material e imaterial) atinge de maneira heterogênea as sociedades, uma vez que o que pode ser considerado um bem cultural de extremo valor para uns, pode não ser para outros. Nesse caso, devemos lembrar que outro poderoso insight da antropologia é pensar que não existe uma cultura melhor e outra pior: existem culturas, no plural. E é nesse sentido que o esforço da deputada citada acima pode ser elencado. Basicamente, ela realizou um movimento de dar luz e reconhecimento a uma cultura – dentre várias outras.
Assim, conseguimos desdobrar a história do passinho concomitante a muitos outros ritos, símbolos, movimentos e organizações. Para começar, vale caracterizarmos o passinho: dança característica dos “cria” das comunidades cariocas que entoam suas danças ritmadas ao som dos beats e rimas do funk. O gênero, vinculado comumente ao ritmo e a melodia, é traduzido nas danças através de passos que invocam ginga e uma perda quase consciente de controle do próprio corpo.
Recentemente, o passinho ganhou as redes sociais com postagens de grupos como o liderado pelo dançarino Peterson Sidy, se expandido, inclusive, para regiões além do Rio de Janeiro, como a página passinho de BH que reúne os passinhos “malado” dos mineiros ou os recifenses Magnatas do Passinho S.A. que são representantes do passinho dos malokas.
Nesse sentido, nada mais justo do que reconhecer que, junto do funk, o passinho é um expoente característico da cultura periférica brasileira, moldado pela geografia territorial do país, além de reunir uma série de expressões que partem das vivências e modos de existir desses indivíduos. Configura-se, então, como uma cultura local de significativo valor simbólico e patrimonial.
A exemplo do Cristo Redentor, que é um patrimônio histórico tombado mundialmente pela UNESCO, vemos que a extensão do conceito de cultura passa por aqueles que a definem e apreendem, uma vez que, diferente do passinho, o Cristo é um objeto material imbuído de características pensadas e planejadas. A estátua, que foi encomendada pela família imperial ainda no século XIX, passou por ressignificações e adaptações no seu processo de feição, tendo sido inaugurada apenas no ano de 1931.
Carregada de todo arcabouço religioso e de uma concepção modernizante do Brasil, a estátua, em sua época, também representou um projeto de nação assentado em costumes, símbolos e projeção nacional da potência cultural do país. Não muito distante de outras expressões culturais, o Cristo carrega em si um significado paralelo ao dos passinhos e da cultura de periferia.
Em seus respectivos contextos, é claro, ambos patrimônios centralizam questões de extrema importância para a constituição da identidade nacional. Mas é interessante observar que, diante do princípio plural de entendimento das culturas, os dois possuem o mesmo peso e mesma medida para o entendimento geral de cultura e das culturas que atravessam o povo brasileiro.
São conceitos em constante transformação!
E aí, gostou de saber mais sobre as diferenças entre cultura material e imaterial? Deixe nos comentários suas dúvidas e conclusões!
Referências:
- CHRISTOFOLETTI, Rodrigo, org. Bens Culturais e Relações Internacionais: O Patrimônio como Espelho do ‘Soft Power’. Santos (São Paulo): Leopoldianum. 2017.
- LARAIA, Roque de Barros, 1932. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge “Zahar” Editora, 2001.
- O GLOBO. Passinho: conheça a dança reconhecida como patrimônio cultural imaterial do Rio. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2024/03/20/passinho-conheca-a-danca-reconhecida-como-patrimonio-cultural-imaterial-do-rio.ghtml. Acesso em 05/06/2024.
- OVOLUMEMORTO. Fluxos da existência e pensamento coreográfico: o passinho de Recife e BH. Disponível em: https://volumemorto.com.br/passinho-dos-maloka-recife-bh/. Acesso em: 05/06/2024
- Politize!. Patrimônio cultural e seu significado. Disponível em: https://www.politize.com.br/patrimonio-cultural/. Acesso em: 05/06/2024.
- UNESP.edu. Cristo Redentor, o mais importante símbolo do Brasil. Disponível em: https://uniesp.edu.br/sites/institucional/noticia.php?id_noticia=6225#:~:text=O%20terceiro%20colocado%3A%20o%20Cristo,Rei%2C%20que%20fica%20na%20Pol%C3%B4nia. Acesso em: 05/06/2024.