A Cúpula da Amazônia reuniu os chefes de Estado ou representantes de alto nível dos oito países amazônicos com o objetivo de discutir termos de cooperação e o futuro das políticas públicas conjuntas para a região.
A Cúpula merece atenção pois, como a maior floresta tropical do planeta, a Amazônia tem um papel crucial na regulação climática. Ela atua tanto na fixação do carbono atmosférico, ajudando a desacelerar o aquecimento global, quanto na liberação de quantidades imensas de umidade, estabilizando o ciclo hidrológico em níveis regional e global.
Além disso, a Amazônia é lar de centenas de grupos indígenas, com culturas ricas e possuidores de conhecimentos preciosos sobre a maior concentração de biodiversidade do mundo. Essa biodiversidade faz da Amazônia um campo fértil para pesquisas científicas, com potencial para descobrir tratamentos para doenças ainda sem cura ou cujos tratamentos disponíveis são caros e pouco efetivos.
Entretanto, em 2022, o Brasil desmatou mais de 1,2 milhões de hectares na Amazônia, quase o tamanho da Irlanda do Norte. Isso equivale a uma área de 4630 campos de futebol destruída todos os dias, principalmente para produção agropecuária, legal ou ilegal. Entre outros problemas, há também a mineração ilegal, o tráfico de animais silvestres, e a atuação do crime organizado internacional nas fronteiras.
Ademais, há décadas a Amazônia é objeto de interesses internacionais, sejam eles legítimos ou ilegítimos. Incluem-se a cobiça pela exploração econômica de multinacionais, disputas geopolíticas por poder, propostas de internacionalização da Amazônia, preocupações com o bioma, os povos originários, e o papel da região no controle das mudanças climáticas.
Leia mais: Amazônia: biodiversidade, extensão e riquezas naturais
Tratado de Cooperação Amazônica (TCA)
Nesse sentido, em 03 de julho de 1978, por iniciativa brasileira, representantes dos oitos países amazônicos — Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela — reuniram-se em Brasília para discutir instrumentos de cooperação na região.
Foi fruto dessa reunião a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), com propósito de promover o desenvolvimento equilibrado e sustentável dos territórios amazônicos, o bem-estar das populações locais, os direitos indígenas e a reafirmação da soberania sobre a Amazônia. Entre outros pontos, o TCA afirma:
- Abrangência não só para o território da Bacia Amazônica, como também para aqueles estritamente vinculados a ela;
- A liberdade de navegação ampla entre os signatários;
- O uso e aproveitamento exclusivo dos recursos naturais é um direito inerente à soberania do Estado, sem restrição senão aquelas do Direito Internacional;
- O compromisso com a utilização racional dos recursos hídricos;
- A intenção de melhorar a navegabilidade dos rios amazônicos;
- A promoção da pesquisa científica e o intercâmbio de informações e especialistas, e um sistema regular para troca de informação, com relatório anual sobre as iniciativas de cada país;
- As partes deverão coordenar serviços de saúde e tomar outras medidas para melhorar as condições sanitárias, prevenir e combater epidemias;
- Colaboração científica e tecnológica para acelerar o desenvolvimento econômico e social da região, incluindo atuação conjunta em pesquisas, instituições, seminários e conferências;
- As partes deverão estudar formas de integrar a região às respectivas economias nacionais através de infraestruturas rodoviárias, fluviais, aéreas e de telecomunicações;
- Incrementar o emprego racional de recursos humanos e naturais;
- Promover o comércio de consumo local entre as populações amazônicas fronteiriças, mediantes acordos bilaterais ou multilaterais.
Leia na íntegra: Tratado de Cooperação Amazônica
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)
Vinte anos depois, em Caracas, representantes dos oito países assinaram o Protocolo de Emenda ao TCA, criando o único bloco socioambiental na América do Latina: a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Em 2002, firmou-se o Acordo de Sede entre a OTCA e o Governo brasileiro, estabelecendo a Sede da OTCA em Brasília, onde funciona até hoje.
Na condição de organização intergovernamental internacional, a OTCA possui secretaria permanente e orçamento próprio, o que lhe confere autonomia para atuar continuamente no âmbito das diretrizes fixadas pelos países signatários. Hoje, a OTCA executa projetos em frentes como o ambiente, recursos hídricos, ciência e tecnologia, saúde, turismo, assuntos indígenas e inclusão social.
Destaca-se o projeto de monitoramento do desmatamento na Amazônia, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Outra iniciativa bem sucedida é o Projeto Amazonas, em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA) desde 2012, para melhor gestão de recursos hídricos na bacia amazônica.
Segundo o site oficial, a missão da OTCA é:
“Ser um fórum permanente de cooperação, intercâmbio e conhecimento, guiado pelo princípio de redução das assimetrias regionais entre os Países Membros; auxiliar nos processos nacionais de progresso econômico-social, permitindo uma paulatina incorporação desses territórios às respectivas economias nacionais; promover a adoção de ações de cooperação regional que resultem na melhoria da qualidade de vida dos habitantes da Amazônia; atuar segundo o princípio do desenvolvimento sustentável e modos de vida sustentável, em harmonia com a natureza e o meio ambiente e levando em consideração a legislação interna dos Países Membros”.
Quer entender mais sobre biodiversidade? Confira o conteúdo do Projeto Direito ao Desenvolvimento: Como conservar a biodiversidade por meio do ODS 15?
Cúpula da Amazônia de 2023 em Belém
Entre 8 e 9 de agosto de 2023, em Belém, a Cúpula da Amazônia reuniu os chefes de Estado dos oito países amazônicos que fazem parte da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA): Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
Seu objetivo foi revisar os termos da cooperação iniciada em 1978, considerando a nova realidade ambiental e internacional, e confeccionar um posicionamento unificado sobre temas relacionados às mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e biodiversidade.
Também foram convidados países e organizações internacionais na condição de observadores:
- França, pela floresta no território da Guiana Francesa;
- Alemanha e Noruega, principais doadoras do Fundo Amazônia;
- República Democrática do Congo, República do Congo e Indonésia, possuidores de florestas tropicais;
- O presidente da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac);
- O presidente da COP28 de dezembro, nos Emirados Árabes,, Ahmed al-Jaber
- Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura;
- Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento;
- Banco Interamericano de Desenvolvimento;
- Banco de Desenvolvimento da América Latina;
- Banco dos Brics
Diálogos Amazônicos.
A Cúpula foi precedida, nos dias 4 a 6 de agosto, pelo evento Diálogos Amazônicos. Ela reuniu grupos da sociedade civil e representantes dos governos envolvidos, incluindo movimentos sociais, acadêmicos, centros de pesquisa e grupos locais.
O principal produto dessa etapa foi o protocolo assinado por 52 organizações da sociedade civil, levado aos representantes dos países. A minuta contém propostas para políticas públicas com objetivo de combater a destruição do bioma antes que se atinja o ponto de não retorno, após o qual a Amazônia entraria em colapso.
Leia mais: Minuta do protocolo na íntegra
Declaração de Belém
A Declaração de Belém é o documento final da Cúpula da Amazônia. Aprovada por todos os membros, ela comunica posicionamentos consensuais entre os oito governos, e dita uma nova agenda comum para cooperação na Amazônia.
Os principais pontos da Declaração do Belém, comunicados pelo Itamaraty, são:
- A adoção de princípios transversais como a promoção dos direitos humanos; participação ativa e promoção dos direitos dos povos indígenas e das comunidades locais e tradicionais; igualdade de gênero; combate a toda forma de discriminação; com base em abordagem intercultural e intergeracional;
- A consciência quanto à necessidade urgente de cooperação regional para evitar o ponto de não-retorno na Amazônia;
- O lançamento da Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento, a partir das metas nacionais, como a de desmatamento zero até 2030 do Brasil, fortalecendo a aplicação das legislações florestais;
- O oferecimento, pelo governo brasileiro, do Centro de Cooperação Policial Internacional em Manaus para a cooperação entre as polícias dos oito países;
- O estabelecimento de um Sistema Integrado de Controle de Tráfego Aéreo para combate ao tráfego aéreo ilícito, o narcotráfico e outros crimes na região;
- A criação de mecanismos financeiros de fomento do desenvolvimento sustentável, com destaque à Coalizão Verde, que congrega bancos de desenvolvimento da região;
- A criação de instâncias, no âmbito da OTCA, como:
- (a) o Mecanismo Amazônico de Povos Indígenas, que promoverá sua participação na agenda da OTCA;
- (b) o Painel Técnico-Científico Intergovernamental da Amazônia – o “IPCC da Amazônia” -, que incluirá governo, pesquisadores e sociedade civil, povos indígenas e comunidades locais e tradicionais;
- (c) o Observatório da situação de defensores de direitos humanos, do meio ambiente e de povos indígenas, para identificar financiamento e melhores práticas de proteção dos defensores;
- (d) o Observatório de Mulheres Rurais para a Amazônia, para fortalecer a mulher empreendedora rural;
- (e) o Foro de Cidades Amazônicas, congregando autoridades locais;
- (f) a Rede de Inovação e Difusão Tecnológica da Amazônia, para estimular o desenvolvimento regional sustentável; e
- (g) a Rede de Autoridades de Águas para aperfeiçoar a gestão dos recursos hídricos entre os países. (Grifos nossos).
Limitações da Declaração de Belém
Dois pontos negativos repercutiram com maior destaque na mídia. O primeiro foi a ausência da meta de reduzir o desmatamento a zero até 2030. O Brasil já se comprometeu individualmente, mas o ponto ficou de fora da Declaração pela dificuldade em convencer países mais pobres, que expressaram as dificuldades econômicas e operacionais envolvidas em implementar políticas públicas para alcançar essa meta.
A segunda limitação foi a ausência de qualquer menção à exploração de novos poços de petróleo na Bacia Amazônica, contrariando a posição da Colômbia. Em mais de cem parágrafos, o único trecho sobre o assunto diz, vagamente, que os países decidiram “Iniciar um diálogo entre os Estados Partes sobre a sustentabilidade de setores tais como mineração e hidrocarbonetos na Região Amazônica”.
Nos últimos anos, foram descobertas reservas de petróleo gigantescas na região, o que tende a beneficiar principalmente países mais pobres, como Suriname e Guiana. Em abril de 2023, o Ibama se posicionou contra a concessão de licença de exploração na Foz da Amazonas à Petrobras, trazendo o debate à tona pouco antes da Cúpula da Amazônia.
A presença de petróleo na região gera impasses para o Brasil e mune críticas sobre seu proganosimo em temas ambientais. Opiniões fortes são vociferadas a favor e contra a exploração, com frequência desprezando as nuances do assunto. Trata-se de um dilema complexo e difícil de solucionar.
Por um lado, a oportunidade de gerar renda, estimular a economia, elevar o bem estar social, garantir a soberania energética e financiar o desenvolvimento de tecnologias para uma transição energética autônoma. Do outro, a contradição de países que buscam o status de líderes no combate às mudanças climáticas enquanto aumentam a produção de combustíveis fósseis, a emissão de gases do efeito estufa e os riscos de contaminação ambiental.
Ao mesmo tempo, há de se pensar criticamente sobre o ônus da transição energética. As tecnologias necessárias para uma economia verde são caras, e a maioria ainda precisa ser desenvolvida. Enquanto isso, muitos países em desenvolvimento ainda lutam para superar a pobreza, a fome, a violência e o desemprego. Para tudo isso, é necessário dinheiro. Sem financiamento dos países desenvolvidos, o petróleo é uma tentação difícil de escapar.
Eventos futuros
Em meio a disputas de narrativas e da competição pela formulação da agenda no debate internacional sobre desenvolvimento sustentável, a Declaração de Belém faz soar mais alto as vozes dos países Sul Americanos com soberania sobre a Amazônia.
Ainda que não tenham alcançado consenso em pontos específicos, como a exploração de petróleo na região, a Declaração de Belém demonstra a disposição dos países amazônicos para serem protagonistas nas propostas internacionais envolvendo a Amazônia. Nesse sentido, a Cúpula da Amazônia foi importante para facilitar o posicionamento conjunto desses países em importantes encontros multilaterais adiante em 2023, como:
- Assembleia Geral da ONU – 5 de setembro, NY, EUA
- G20 – 9 a 10 de setembro, em Nova Déli, Índia
- COP 28 – 30 de novembro a 12 de dezembro, nos Emirados Árabes Unidos
Veja também nosso vídeo sobre economia sustentável:
Referências
- Agência Brasil — Cúpula, em Belém, será a “voz amazônica”, diz diretor da OTCA
- CNN Brasil — Com participação de 15 países, cúpula em Belém discute futuro da Amazônia na próxima semana
- O Globo — Entenda em 8 pontos o texto final da Cúpula da Amazônia
- Ministério das Relações Exteriores — Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)
- Ministério das Relações Exteriores — Adoção da Declaração de Belém pelos Presidentes dos Estados Partes no Tratado de Cooperação Amazônica
- Ministério das Relações Exteriores — Declaração Presidencial por ocasião da Cúpula da Amazônia – IV Reunião de Presidentes dos Estados Partes no Tratado de Cooperação Amazônica
- OCTA — Tratado de Cooperação Amazônica – TCA.pdf
- OCTA — Quem somos
- OECO — Protocolo TCA minuta
- OECO — Sociedade civil envia sugestões à Cúpula da Amazônia para evitar colapso do bioma
- RELATÓRIO ANUAL DO DESMATAMENTO NO BRASIL 2022 – MapBiomas
- Secretaria-Geral — Sociedade civil debaterá, em Belém, pautas para apresentar à Cúpula da Amazônia