Recentemente o Presidente da República, Jair Bolsonaro, promulgou decretos que flexibilizam a posse e o porte de armas de fogo. Esses decretos têm gerado controvérsia por promoverem mudanças na lei brasileira sem que tenha sido tomada qualquer decisão no Congresso Nacional. Mas, afinal, isso é permitido?
Para que você entenda melhor o que está sendo discutido sobre esses e outros decretos, o Politize! explica como funcionam os decretos presidenciais.
O que é um decreto?
Primeiramente, é preciso esclarecer que existem dois tipos de decretos dentro do ordenamento jurídico brasileiro: os decretos legislativos e os decretos regulamentares (também chamados de decretos do Executivo ou presidenciais). A função exercida por esses tipos de decreto não é a mesma, e a hierarquia que ocupam no ordenamento jurídico brasileiro também difere.
Embora diferentes, os dois são chamados decretos porque consistem em atos unilaterais. Trata-se de um mecanismo que permite que as decisões sejam tomadas individualmente (por parte de um só poder). Por essa razão, os decretos servem somente para decisões que dependem apenas de um dos três poderes, como veremos a seguir.
Decretos Legislativos
Como o próprio nome indica, estes são atos emitidos pelo Poder Legislativo (ou seja, pelo Congresso Nacional) para tratar de temas de competência exclusiva a essas casas, como resolver questões relacionadas a tratados internacionais, por exemplo.
Por tratar de deliberações que cabem apenas ao Congresso (Câmara + Senado), essas decisões são efetivadas por meio de decretos legislativos, que têm o mesmo poder de uma lei ordinária.
Neste post, falaremos especificamente sobre decretos emitidos pelo poder Executivo. Para saber mais sobre decretos legislativos, confira nosso post sobre Tipos de leis!
Decretos do Executivo
Os decretos emitidos pelo Executivo, funcionam de maneira diferente dos do Legislativo. Eles estão dentro do grupo dos atos administrativos, que, por sua vez, estão abaixo da lei ordinária.
Mas o que são atos administrativos? De acordo com a definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, especialista em direito administrativo da PUC SP, trata-se de uma:
“declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei, a título de lhe dar cumprimento, e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.
Isso significa que os decretos do Executivo, por serem um tipo de ato administrativo, têm função complementar à lei.
Vejamos como funciona a hierarquia dentro do ordenamento jurídico brasileiro:
Como mostra a imagem, o decreto executivo é o último na hierarquia, isto é, deve ser usada apenas em situações específicas – as quais veremos a seguir!
Qual a função dos decretos presidenciais?
De acordo com a Constituição Federal de 1988, os decretos presidenciais possuem funções limitadas e puramente administrativas. Em relação a isso, a Seção II, intitulada “Das atribuições do Presidente da República”, em seu artigo 84, diz que:
Compete privativamente ao Presidente da República:
VI – dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;
Ou, como coloca o site do Planalto, os decretos editados pelo Presidente da República “regulamentam as leis e dispõem sobre a organização da administração pública.”
Na prática, isso significa que os decretos são os atos por meio dos quais o Presidente da República toma decisões administrativas. Em sua maioria os decretos presidenciais dispõem de questões técnicas, como criação de Consulados, composição de Conselhos e Comissões e alterações em outros decretos já existentes.
Por tratarem de questões administrativas, a grande maioria dos decretos presidenciais não chega à atenção da população. Isso pode dar a impressão de que esses atos são raros, mas não é bem assim. Só em 2019 já foram promulgados mais de 100 decretos. (Você pode conferir cada um deles nesta lista do Planalto).
Quando não é permitido um decreto?
Agora você já sabe que decretos estão abaixo da Constituição Federal e das leis ordinárias, e também que eles servem para complementar/regulamentar a legislação já existente. Isso significa que um decreto presidencial que extrapole essa função ou desrespeite essa hierarquia não é permitido.
Pensando na hierarquia do ordenamento jurídico, por estarem abaixo das leis, os decretos do Executivo não podem modificar ou contradizer o que uma lei determina. Resta ao decreto apenas a função de complementá-la/regulamentar pontos específicos. Dessa forma, quando um decreto presidencial altera ou nega uma lei ele é ilegal e inconstitucional por não respeitar a hierarquia estabelecida na Constituição.
Além disso, também é preciso pensar na divisão dos poderes. Talvez você já tenha ouvido a expressão “o Presidente está tentando legislar”. De acordo com a separação dos três poderes, a criação de leis é função do Poder Legislativo. Como mencionamos, os decretos são decisões unilaterais e, por essa razão, só servem para decisões que cabem exclusivamente ao respectivo poder que o aplica. Isso significa que não é possível o Executivo legislar – isto é, criar leis – por meio de decreto.
Um decreto presidencial pode ser revogado?
Sim! Se um decreto presidencial for considerado inconstitucional, ele pode ser derrubado pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Congresso Nacional.
No STF, um decreto presidencial pode ser revogado por meio de uma Ação de Inconstitucionalidade. Um agente (como um partido político, por exemplo) pode abrir uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal, solicitando que o órgão avalie a inconstitucionalidade de uma lei ou decreto. Quando o STF recebe uma ação desse tipo ele pode suspender o decreto parcialmente ou por inteiro; julgar que o decreto é constitucional ou, até mesmo, negar a ação.
O Congresso Nacional também possui poder para derrubar um decreto presidencial. Isso pode ser feito por meio de outro tipo de decreto, um decreto legislativo (que está acima do decreto presidencial, como mostra a pirâmide). Deputados e senadores podem criar decretos legislativos que derrubam o decreto presidencial, então uma Comissão especializada analisa o pedido e emite um parecer, que posteriormente é votado no Plenário. É necessária a maioria simples para que o decreto seja derrubado.
Sugestão: Confira nosso post sobre sobre as Votações no plenário!
Bolsonaro e os decretos de posse e porte de armas
Atualmente muito se discute sobre o direito de posse e porte de armas, modificados por meio de decretos presidenciais. Os decretos assinados por Bolsonaro geraram controvérsia e ainda estão sendo discutidos no Congresso e no Supremo Tribunal Federal, que avaliam sua validade.
Primeiramente, o que dizem os decretos?
Em janeiro de 2019 o Presidente da República assinou um decreto de flexibilização da posse de armas. Até então, o direito de adquirir armas de fogo era regido pelo Estatuto do Desarmamento (Lei 10826/03).
O principal ponto do Estatuto estabelece que a posse de armas só é permitida em casos de “efetiva necessidade” comprovada. É exatamente sobre esse ponto que o decreto assinado por Bolsonaro em janeiro trata. O propósito do decreto é detalhar quais casos seriam considerados de “efetiva necessidade”.
Ná prática, ao explicitar grupos que podem ter acesso a armas de fogo, o decreto ampliou o acesso a elas.
Sugestão: Para saber mais, confira nosso post sobre posse de arma!
Poucos meses depois, Bolsonaro assinou outro decreto sobre o assunto. Desta vez, o decreto assinado em maio de 2019 flexibiliza o direito de porte de armas. Isso significa que, para além de possuir uma arma, o cidadão também poderia andar armado.
Assim como a posse de armas, o porte também é regulamentado pelo Estatuto do Desarmamento, que estabelece em seu Artigo 6° a proibição do porte de arma em todo o território nacional (com exceção para os profissionais da segurança).
O decreto assinado pelo Presidente amplia o direito de porte de armas para uma lista de diversas profissões, como advogados e políticos, por exemplo.
Sugestão: Saiba mais com o nosso texto sobre porte de arma!
A discussão sobre a constitucionalidade do decreto de porte de armas
Desde que foram assinados os decretos de posse e porte de armas, muito tem se discutido sobre a constitucionalidade deles. Como buscamos explicar neste texto, para um decreto ser constitucional ele não pode contradizer uma lei (pois as leis são hierarquicamente superiores aos decretos) e ele deve tratar de questões administrativas
É importante enfatizar que a discussão sobre a revogação do decreto de porte de armas não busca discutir se deve ou não ser flexibilizado o porte, apenas se isso pode ser realizado por meio de um decreto presidencial.
Opositores políticos, especialistas e órgãos públicos apontam que os decretos sobre posse e porte de armas (especialmente o segundo) contradizem o que está na lei do Estatuto do Desarmamento e, portanto, seriam inconstitucionais.
O partido Rede entrou com uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal solicitando a revogação do decreto, por considerar que o Presidente extrapolou seus poderes ao contrariar uma lei existente. Além dos opositores políticos de Bolsonaro, também as consultorias técnicas da Câmara e do Senado consideraram inconstitucionais o decreto sobre porte de armas.
O Ministério Público Federal, por sua vez, pediu a suspensão do decreto. De acordo com o MPF, o ato extrapola sua função regulamentar pois contradiz o Estatuto do Desarmamento.
Em 12 de junho de 2019 a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ) deu um parecer favorável aos pedidos de anulação do decreto de porte de armas assinado pelo Presidente. Agora, o parecer da Comissão deverá ser votado no Plenário e, se aceito, o decreto será revogado.
Conseguiu entender como funcionam os decretos presidenciais? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!
Referências:
Poder 360: Senado decidirá sobre decreto
Poder 360: Senado decisão sobre decreto
Poder 360: Câmara entrega relatório sobre decreto
5 comentários em “Decretos presidenciais: como funciona esse mecanismo?”
Eu adquirido uma arma de fogo que não é mais um calibre restrito por conta do decreto presidencial e esse decreto cai a minha arma volta a ser restrita?? Ou é um direito adquirido?
Matéria boa e informativa, contudo contém erros grosseiros, como na pirâmide, que está equivocada. Tem o fato de dizer que o decreto pode ser considerado inconstitucional, o que corrobora o erro da pirâmide, pois se seguir a disposição da pirâmide ele, decreto, deve ser ilegal e não inconstitucional, isso é diferente… tem outros erros, mas ainda assim o texto é bom…
O plebiscito realizado no dia 21 de abril de 1993, onde o sistema presidencialista(República), 68,28% escolheram, portanto foi mantido. Hoje o Congresso Nacional tenta impor ao povo brasileiro o sistema parlamentarista. Mas na realidade quem manda hoje no Brasil é o STF, onde os ministros fazem das leis os que bem entendes conforme suas vontades. Sendo ou não constitucional. O Congresso Nacional(Câmara e Senado), neste caso não serve pra nada, matérias da sua competência deixa que o STF decida. O Presidente do Senado e da Câmara tem prerrogativa de aceitar ou não pedido de suspeição sobre qualquer ministro do STF, Presidente da República. Mudar a constituição não é fácil, todos os ministros do tribunais superiores e dos tribunais de contas deve ser juízes concursados e de carreira com mandato de no máximo cinco anos. Os processos que chegam na presidência da Câmara e do Senado sejam remetido a comissão de constituição e justiça para ser apreciado, caso seja aceita a constitucionalidade seja apreciado e votado pelo plenário.
É a minha opinião.
Não existe direito adquirido sobre calibres. Se a regra mudar você deve cumprir os requisitos da nova regra para manter o calibre restrito. No momento de renovação do CRAF isso será exigido.
Estão errados quanto aos decretos de armas do presidente Bolsonaro, os decretos não alteraram a lei, apenas regulamentavam conforme previsão da lei 10826.
Os decretos em nenhum momento flexibilizou o acesso às armas, o que fez aumentar a venda de armas foi a informação de que era possível adquirí-las desde que que se cumprissem os requisitos da lei.
Desafio qualquer jornalista ou “especialista” a me provar que os decretos alteraram a lei.
Ainda provo que os ministros inventaram uma tese hermenêutica pentadimensional prá anular os decretos.