Delação premiada: entenda a prática que ficou famosa na Lava Jato

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delação premiada

Você está no segundo texto de uma trilha de conteúdos sobre a Operação Lava Jato.

Confira os demais posts:

  1. Operação Lava Jato 
  2. O que é delação premiada 
  3. Os direitos do acusado 
  4. 5 crimes investigados na Lava Jato 
  5. O que é foro privilegiado 
  6. O que é acordo de leniência

A Operação Lava Jato continua a estremecer o cenário político brasileiro e a ser tema central nos noticiários. Em março de 2019, uma delação premiada coletada pela Operação levou à prisão do ex-presidente Michel Temer.  

É muito provável que você já tenha ligado a televisão e se deparado com esse termo, mas você sabe o que ele significa? 

Neste post, te explicamos o que é a tal delação premiada e como ela tem sido utilizada no Brasil.

Se preferir assista nosso vídeo sobre o assunto:

Delação premiada: conceito

A delação premiada (mais precisamente a colaboração premiada, porque nem sempre envolve delatar alguém) é um mecanismo judicial pelo qual um acusado  colabora com as investigações, revelando detalhes do crime, como os nomes de co-participantes, localização da vítima (se houver) ou detalhes que ajudam a recuperar os bens que foram perdidos por conta do crime. Em troca, o acusado pode receber alguns benefícios, como:

  • redução de um terço a dois terços do tempo da pena;
  • cumprimento da pena em regime semiaberto, no lugar do regime fechado;
  • a depender do caso, extinção da pena;
  • e até mesmo perdão judicial (que nunca foi concedido no Brasil até hoje).

Entretanto, é preciso observar um detalhe essencial: o delator deve falar somente a verdade e não omitir informações seletivamente. As informações também devem ser passíveis de confirmação pelas autoridades. Caso a delação não acrescente novidades às investigações ou seja falsa, o réu pode perder seus benefícios.

A delação premiada, se feita corretamente, é considerada de imenso valor para as investigações criminais. Trata-se de informações de pessoas que participaram dos crimes e que possuem muito mais conhecimento sobre seus detalhes (como sua premeditação e execução) do que, por exemplo, uma testemunha. O resultado da delação pode ser até mesmo a destruição de organizações criminosas, além da recuperação de bens que de outra forma dificilmente seriam encontrados.

História da colaboração premiada

De acordo com Wálter Maierovitch, a ideia de premiar criminosos para que ajudassem autoridades a resolver casos de grande interesse público remonta ao século XIX. O jurista alemão Rudolf von Ihering, em 1853, já previa que o Direito precisaria desenvolver mecanismos desse tipo, de forma a atingir o bem comum de desmantelar organizações, deter novos crimes e reparar os danos de crimes cometidos.

Mas o instrumento da delação premiada só foi surgir de fato nos anos 1960, nos Estados Unidos, como forma de combater a máfia italiana presente no país, além de inúmeros outros crimes. Hoje, acordos de delação premiada são a regra em processos judiciais nos Estados Unidos.

Depois, foi a vez da Itália. Em 1983, autoridades italianas puseram as mãos no mafioso Tommaso Buscetta, preso primeiramente no Brasil. Foi então que o juiz italiano Giovanni Falcone se empenhou em criar a colaboração premiada na legislação de seu país. Com isso, Buscetta colaborou com as autoridaes para desmantelar a máfia italiana nos anos seguintes. Em 1988, a colaboração premiada foi incorporada pelo direito espanhol (onde o delator é chamado informalmente de “delinquente arrependido”).

O mesmo ocorreu na Alemanha e na Colômbia, entre outros.

A delação premiada na legislação brasileira

Segundo Francisco Hayashi, a primeira lei a prever a delação premiada no Brasil foi a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990). O parágrafo único do artigo 8 diz que:

“o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.

Sem mencionar o termo colaboração ou delação premiada, essa lei inaugurou essa prática, mas especificamente nos casos de crimes hediondos.

No mesmo ano, a Lei dos crimes contra a ordem tributária também incluiu um mecanismo semelhante.

Depois foi a vez do crime de lavagem de dinheiro. Uma lei aprovada em 1998 foi além nos prêmios para réus colaboradores: previa a aplicação de regimes mais leves (aberto ou semiaberto), aplicação de penas alternativas à prisão (pagamento de multa, prestação de serviços comunitários, restrição nos fins de semana, etc).

Mais tarde, a colaboração também foi incluída na Lei de Drogas – para crimes de tráfico de drogas.

Delação premiada aplicada a organizações criminosas

Finalmente, em 2013, foi promulgada a Lei 12.850, sobre as organizações criminosas. Essa é provavelmente a lei que mais detalha o instrumento da delação premiada.

O artigo 3º dessa lei prevê o uso da colaboração premiada como instrumento para obter provas em qualquer investigação relacionada a organizações criminosas.

Os prêmios são especificados no artigo 4º e podem ser todos aqueles mencionados em leis anteriores: perdão judicial, redução da pena ou substituição por pena alternativa.

Mas para ganhar qualquer um desses benefícios, é preciso revelar ou possibilitar pelo menos uma dessas coisas:

  • identificação dos participantes da organização criminosa;
  • hierarquia e divisão de tarefas entre os membros;
  • prevenção de novos crimes;
  • recuperação dos produtos resultantes do(s) crime(s);
  • localização da vítima, se houver.

Finalmente, é importante mencionar que nenhuma sentença condenatória pode ser baseada apenas nos relatos de um delator (parágrafo 16 do artigo 4º). As autoridades precisam produzir provas a partir do que foi revelado.

O acordo: direitos e deveres do colaborador

De acordo com a Lei das Organizações Criminosas, o acordo de delação premiada pode ser negociado pelo Ministério Público ou por delegados de polícia. Essa previsão sobre os delegados de polícia inclusive foi questionada em 2016 pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, que sustenta que apenas o Ministério Público tem a atribuição constitucional para celebrar esse tipo de acordo.

O acordo precisa conter, ainda segundo a Lei 12.850/2013, o relato da delação, possíveis resultados que podem decorrer dela, as condições da proposta feita pelo MP ou delegado, declaração do aceite do colaborador e seu advogado e, se necessário, medidas de proteção ao colaborador e familiares. Quem dá a palavra final sobre o acordo é o juiz, que decide se homologa ou não o acordo.

O réu que aceita a delação premiada automaticamente renuncia ao direito ao silêncio e, evidentemente, precisa dizer apenas a verdade, correndo risco de ter o acordo cancelado se omitir informações ou prestar informações falsas.

Finalmente, a lei ainda prevê alguns direitos peculiares para o delator, que existem justamente porque a delação implica na prática uma traição do delator para com os seus antigos colegas de crime. Em outras palavras, o delator é um dedo-duro – uma pessoa que naturalmente irrita os dedurados. O delator tem direito:

  • às medidas de proteção previstas;
  • no juízo (ou seja, em sessões de julgamento no tribunal), ser conduzido separadamente dos demais co-participantes do(s) crime(s);
  • a participar das sessões de forma que não precise manter nenhum contato visual com os outros acusados;
  • a cumprir a pena em um presídio diferente dos seus ex-colegas de crime.

Delatores da Operação Lava Jato

A Operação Lava Jato tem contado com vários acordos de delação premiada, realizadas por empresários, doleiros e funcionários da Petrobrás.

Como se trata de caso de crime organizado e lavagem de dinheiro, os delatores são obrigados a revelar quem fazia parte da organização criminosa e como ela funcionava (hierarquia e modus operandi do grupo). Veja alguns dos principais delatores da Lava Jato:

Paulo Roberto Costa

Ex-diretor da Petrobras, ainda em 2014 concordou em revelar detalhes sobre o esquema de propinas dentro da empresa. Por conta dessa delação, ele pôde começar o cumprimento de sua pena em regime domiciliar. No final de 2015, passou para o regime semiaberto, usando uma tornozeleira eletrônica ao sair e dormindo obrigatoriamente em casa todas as noites. Ele também devolveu cerca de R$ 30 milhões à União.

Alberto Youssef

Em mais de 100 horas de depoimentos, o doleiro revelou a existência do esquema de propina e também das empresas e políticos envolvidos. Afirmou ter recebido mais de R$ 180 milhões em propina. No acordo, concordou em transferir uma série de bens para a União. Em troca, cumprirá apenas cinco anos de prisão, com progressão de pena direta do regime fechado para o regime aberto (cumprido na casa do condenado).

Júlio Camargo

Camargo era executivo da empreiteira Toyo Setal, que foi a primeira empresa do “clube” de empreiteiras a colaborar com a justiça. Com o acordo de delação premiada, ele revelou a existência do cartel de empresas com contratos com a Petrobras. Tal cartel tinha a finalidade de superfaturar obras e serviços. Admitiu ter pago propinas no valor de R$ 154 milhões para operadores de dois partidos políticos. Camargo também revelou ter entregue R$ 4 milhões ao ex-ministro José Dirceu. Já devolveu R$ 40 milhões à justiça e deve receber redução de pena.

Pedro Barusco

Foi gerente executivo de Serviços e Engenharia da Petrobras. Afirmou que o esquema de propinas passou a existir em 1997 e que se aperfeiçoou com o tempo, de modo que nos últimos anos as propinas valiam entre 1% e 2% do total dos contratos da Petrobras. Afirmou que havia fraudes em cerca de 90 contratos da Petrobras nos últimos anos e revelou o nome de Jorge Zelada, ex-diretor da Área Internacional da empresa, como um dos receptores da propina.

Fernando Baiano

Fernando Antônio Falcão Soares é lobista e foi apontado pelas investigações como um dos operadores do esquema montado na Petrobras, trabalhando junto ao PMDB. Ele teria revelado um pagamento de R$ 2 milhões ao filho do ex-presidente Lula, Fabio Luis Lula da Silva. Revelou também que fez contato com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, mas sem trazer maiores detalhes.

Luccas Pace Júnior

Assistente da doleira Nelma Kodama, afirmou que diversos bancos eram coniventes com as ações de lavagem de dinheiro. Dentre  eles, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander.

Carlos Alberto Pereira da Costa

Sócio de Youssef, afirmou que o tesoureiro do PT frequentava empresa usada por Youssef para lavar dinheiro do mensalão.

José Antunes Sobrinho

Dono da empresa Engevix, afirmou ter se encontrado pessoalmente com Michel Temer e negociado pagamentos de propina em troca de benefícios no governo. Também mencionou acordos de fachada para repasses de dinheiro ao MDB, através da obra da usina nuclear Angra 3.

Ao que tudo indica, esse esquema de delações premiadas ainda vai dar muito o que falar. Qual sua opinião sobre essa prática? Não deixe de nos contar nos comentários!

Última atualização em 21 de março de 2019.

Referências:

Rafael Paranaguá: história da delação premiada – Carta Capital: evolução da delação premiada – Francisco Hayashi (JusBrasil): delação premiada no Brasil – Luiz Flávio Gomes: penas restritivas de liberdade – Estadão: Janot cita Tommaso Buscetta – Fabio Fettuccia (JusBrasil): delação premiada na legislação brasileira – Gazeta do Povo – O Globo – ÉpocaG1Carta Capital

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Conteúdo escrito por:
Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Blume, Bruno. Delação premiada: entenda a prática que ficou famosa na Lava Jato. Politize!, 24 de fevereiro, 2016
Disponível em: https://www.politize.com.br/delacao-premiada-o-que-e/.
Acesso em: 20 de nov, 2024.

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