O desenvolvimento de políticas públicas no tratamento de dependentes químicos no Brasil teve seu crescimento a partir do final da década de 80, quando houve um surto de HIV/AIDS desencadeado, principalmente, pelas trocas de seringas entre dependentes químicos.
Assim como no Brasil, em várias partes do mundo – como na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália – os olhares das políticas públicas de saúde se voltaram para as pessoas que usavam drogas, diante da ameaça de que a epidemia de HIV/AIDS fugisse do controle.
A partir desses desafios, políticas foram criadas pelo governo brasileiro para tentar controlar a situação. Entre elas, podemos destacar duas:
- A política de redução de danos, que não visava proibir o consumo de drogas, mas sim reduzir os danos aos usuários;
- E as políticas de abstinência, cujo foco não era mais reduzir o uso, mas fazer com que os dependentes parassem com o consumo de droga de forma imediata.
Neste conteúdo, o Politize! te explica um pouco mais sobre essas políticas para tratamento de dependentes químicos, como são implementadas e quais seus pontos positivos e negativos.
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O que é a Política de Redução de Danos?
A política de redução de danos consiste em um conjunto de estratégias que visam reduzir os problemas gerados pelo uso de substâncias tanto lícitas, quanto ilícitas. Essas estratégias não tem como principal foco o fim do uso, mas sim proporcionar uma melhor qualidade de vida para a pessoa que usa e todos a sua volta.
Algumas políticas famosas que foram adotadas ao longo do tempo são as políticas de troca de seringas e a Lei Seca. A última é a mais famosa entre essas políticas e tem como objetivo proteger a vida das pessoas no trânsito, através do seu famoso slogan “Se beber não dirija”.
Onde surgiram essas políticas para tratar dependentes químicos?
A ideia por trás da redução de dados surgiu no período da Primeira Guerra Mundial, segundo o psiquiatra da Unifesp, Dartiu Xavier da Silveira.
Nesse contexto, muitos dos soldados combatentes feridos eram tratados à base de morfina, assim, quando a guerra acabou, o Estado Inglês teve que continuar o fornecimento das drogas, já que esses soldados desenvolveram o vício enquanto defendiam o seu país.
Mesmo sendo autorizado pelo Estado, essa política foi vista com maus olhos pela população, pois, no entendimento geral, ela não combatia a dependência química e poderia acabar incentivando o consumo de drogas.
Por conta do preconceito, as políticas de redução de danos somente foram retomadas mais de 50 anos depois, na Holanda, quando o governo holandês optou pela implementação do programa de troca de seringas.
O objetivo deste programa era barrar a propagação da Hepatite B, que vinha sendo um problema no país. Esse problema ficou mais evidente quando a União Junkie (Associação holandesa de usuários e ex-usuários de drogas) chamou a atenção para a propagação da doença que vinha acontecendo principalmente devido à troca de seringas entre as pessoas dependentes.
Como foram as políticas de redução de danos no Brasil?
No Brasil, as políticas de redução de danos têm o seu início marcado em 1989 na cidade de Santos, como uma medida da prefeitura para barrar o avanço da disseminação do HIV/AIDS. A medida adotada foi semelhante à adotada na Holanda, ou seja, um programa de troca de seringas.
Mesmo com a necessidade de uma política eficaz para barrar a contaminação, o programa foi interrompido pelo Ministério Público, devido às pressões da população. Com isso, o programa só pode ser implementado na década seguinte (1995), no estado da Bahia, pelo Centro de Estudos e Terapia de Abuso de Drogas.
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O que é a política de troca de seringas para dependentes químicos?
É talvez uma das políticas de redução de danos mais famosas. Nessa política, o Estado fornece as seringas para que os usuários possam usar a droga sem compartilhar as seringas com outras pessoas.
Desta forma, a pessoa estará usando a substância em um ambiente controlado e, principalmente, com equipamentos esterilizados. Isso diminui, assim, a chance de que o usuário seja exposto a doenças contagiosas.
Essa política, mesmo gerando certa discordância entre a comunidade científica, mostrou-se útil na tentativa de trazer benefícios sem aumentar o uso da droga, segundo Dartiu Xavier.
Pontos positivos da política de redução de danos para dependentes químicos
De acordo com o manual publicado pela Secretaria de Saúde de Santa Catarina e a Revista Portuguesa de Adictologia – já que Portugal é referência nas medidas de redução de danos -, as medidas de redução de danos trazem diversos benefícios ao usuário.
Dentre esses benefícios, podem-se destacar:
- Diminuição no número de mortes por overdose;
- Diminuição dos riscos de danos biológicos e psicológicos;
- Tratamento é mais humanizado para o usuário;
- Apoio psicológico para que o dependente se sinta seguro no processo de desintoxicação da droga;
- Diminuição na taxa de contaminação por HIV;
- Diminuição da criminalidade ligada às drogas.
Pontos negativos da política de redução de danos para dependentes químicos
- O usuário continua o uso durante o processo, desta forma a sua saúde continua sendo deteriorada, mesmo que em menor proporção do que em relação ao que era antes do início do tratamento;
- O preconceito da sociedade em relação a essas políticas;
- A implementação da política necessita de uma grande estrutura de atendimento, acessibilidade das estruturas de tratamento (incluindo localização e horários) e o acompanhamento regular dos serviços médicos e de apoio psicossocial. Desta forma, o custo inicial pode ser mais alto.
Quais países adotam a política de redução de danos?
As políticas de redução de danos ainda estão ganhando o seu espaço como políticas de Estado.
Alguns países, como Holanda, Suíça, Alemanha, Espanha, Austrália, Canadá, França, Dinamarca, Noruega e Luxemburgo vêm adotando as medidas como forma de melhorar o seu sistema de apoio aos dependentes químicos.
Além destes, Portugal se tornou uma grande referência no tema.
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O que é a Política de Abstinência?
A terapia de abstinência, diferente da política de redução de danos, entende que o usuário não tem controle sobre o uso das substâncias nocivas ao seu organismo, por conta disso, o uso das substâncias químicas deve ser interrompido imediatamente.
Durante o período que o uso é interrompido, um acompanhamento médico deve ser realizado e alguns medicamentos podem ser usados para diminuir a sensação de abstinência.
Em alguns momentos, é também necessária a internação do usuário em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos, que pode ser uma internação voluntária (quando o usuário tem ciência da necessidade e quer tentar parar o uso), ou uma internação compulsória (nesse caso, o usuário é obrigado a se internar, muitas vezes sendo necessário o uso da força).
Quando surgiram as políticas de abstinência para tratar dependentes químicos?
As políticas de abstinência têm seu início no chamado Movimento de Temperança – movimento que ocorreu nos EUA e em alguns países da Europa entre os séculos XVII e XVII.
Esse movimento visava a proibição do uso de bebidas alcoólicas e tinha como base os princípios da moralidade humana e estava ligada à Igreja Protestante. Nesse momento, os chamados “bêbados”, mesmo que marginalizados, eram tolerados pela sociedade.
A partir do século XIX, o uso do álcool passa a ser tratado como doença. Para o médico Benjamin Rush, os dependentes deveriam se abster do uso das substâncias de forma repentina e abrupta. E é esse pensamento responsável por influenciar até os dias de hoje algumas políticas referentes ao tratamento de dependentes químicos.
Vale dizer que essa ideia foi influente até mesmo na criação de um dos grupos mais famosos no tratamento da abstinência, o Alcoólicos Anônimos (AA), que tem como missão disseminar os 12 passos para a abstinência.
Pontos positivos das políticas de abstinência para dependentes químicos
Segundo o artigo publicado por membros da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre) e da Faculdade Inedi – CESUCA, a terapia da abstinência possuem alguns pontos positivos, como:
- Possui uma rede grande para acolhimento, pois é muito importante que o usuário se sinta acolhido e amado no processo de desintoxicação da droga;
- Trabalha a importância da coletividade, já que parte do entendimento de que ninguém consegue se livrar do uso sozinho, assim o usuário precisa de todo apoio e senso de pertencimento da comunidade;
- Visa a reestruturação social do indivíduo;
- Promove o ganho de motivação e autoconfiança;
- Promove a melhora na saúde e no desempenho.
Pontos negativos das políticas de abstinência para dependentes químicos
- Risco de negligência aos direitos humanos, quando existe o processo de internação forçada;
- Prejuízos cognitivos e fisiológicos devido à redução ou parada do uso de forma imediata;
- Grande chance de recaída, principalmente, no momento dos sintomas da abstinência.
Quais países adotam essa política de abstinência?
Na Indonésia, poucos usuários são enviados para o tratamento, a grande maioria acaba sendo encarcerada, já que no país o uso é considerado ilegal.
A China também usa de um sistema de punição para dependentes químicos, como por exemplo, penas duras e uso de internação forçada. Além disso, ainda existe a internação forçada em campos de trabalho para casos considerados graves ou reincidentes.
O Brasil durante muitos anos adotou as políticas de redução de danos, mas com a aprovação da nova Política Nacional de Drogas (PNAD), o país agora irá focar na adoção de políticas de abstinência, estimulando principalmente a atuação das comunidades terapêuticas.
Como podemos ler ao longo deste texto, cada uma das políticas tem as suas características, com pontos positivos e negativos, e por isso é importante entender como funciona cada uma delas.
E você, entendeu como funcionam as políticas públicas para tratamento de dependentes químicos? Pode deixar sua dúvida ou opinião nos comentários!
Referências:
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- UNODC – Relatório Mundial sobre Drogas 2018: crise de opioides, abuso de medicamentos sob prescrição; cocaína e ópio atingem níveis recordes
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1 comentário em “Dependentes químicos: quais são as principais políticas públicas?”
Idosos Dependentes de Drogas e Álcool: Um Desafio para a Sociedade Atual
O envelhecimento populacional é uma realidade global e traz consigo uma série de desafios para a sociedade. Um desses desafios é o aumento da incidência de dependência de drogas e álcool entre os idosos. Embora muitas vezes negligenciada ou subestimada, essa questão merece atenção especial, pois afeta a saúde, a qualidade de vida e o bem-estar dessa população vulnerável. Nesta redação, exploraremos as causas, consequências e possíveis soluções para o problema da dependência de drogas e álcool em idosos.
Desenvolvimento:
Causas da dependência química em idosos:
A. Automedicação: O uso inadequado de medicamentos prescritos pode levar à dependência química.
B. Solidão e isolamento social: A falta de interação social pode levar os idosos a buscar refúgio nas drogas e no álcool.
C. Aposentadoria e perda de propósito: A falta de ocupação e a sensação de inutilidade podem contribuir para o abuso de substâncias.
D. Transtornos mentais: A presença de condições como depressão e ansiedade aumenta o risco de dependência química.
Consequências para os idosos dependentes de drogas e álcool:
A. Declínio físico e mental acelerado: O abuso de substâncias pode agravar os problemas de saúde e levar a deficiências cognitivas.
B. Maior vulnerabilidade a acidentes e lesões: A dependência pode comprometer a coordenação motora e o julgamento, aumentando o risco de quedas e acidentes.
C. Impacto nas relações familiares e sociais: A dependência pode levar ao distanciamento dos entes queridos e à perda de conexões sociais valiosas.
D. Sobrecarga do sistema de saúde: O tratamento de condições médicas decorrentes da dependência química onera o sistema de saúde e os recursos disponíveis.
Possíveis soluções e abordagens para lidar com a dependência em idosos:
A. Educação e conscientização: Informar os idosos sobre os riscos e consequências do abuso de substâncias pode ajudar a prevenir o problema.
B. Intervenção precoce: Identificar sinais precoces de dependência e oferecer intervenção e suporte adequados.
C. Tratamento especializado: Desenvolver programas de tratamento específicos para idosos, levando em consideração suas necessidades médicas e psicossociais.
D. Integração social: Promover atividades e programas que estimulem a interação social, combatendo a solidão e o isolamento.
E. Suporte familiar e comunitário: Envolver familiares, cuidadores e a comunidade no apoio aos idosos em recuperação.
Conclusão:
A dependência de drogas e álcool em idosos é um problema emergente que exige atenção e intervenção adequadas. A sociedade deve enfrentar o desafio de proporcionar tratamento especializado, promover a conscientização e desenvolver estratégias preventivas. Ao abordar essa questão com empatia e compreensão, podemos ajudar os idosos a superar a dependência química, melhorar sua qualidade de vida e garantir que desfrutem de um envelhecimento saudável e pleno.